terça-feira, 10 de novembro de 2009

Identidade social e natureza: tensões entre saberes na assessoria técnica em assentamentos rurais, Roberto Moreira e Eli Napoleão de Lima, fichamento

1. Compreensão dos condicionantes sociais que atuam na interação entre técnicos e agricultores em assentamentos rurais de reforma agrária, com foco em esclarecer as diferenças entre os saberes técnicos agropecuários e os saberes cotidianos dos agricultores assentados => visões distintas de Natureza: leis naturais (técnico, visão da ciência) X leis da vida (vistas pela cultura a qual ele pertence). Os focos analíticos são a formação do técnico (socialização e institucionalização) e os condicionantes sociais e históricos que imprimem especificidades na socialização dos agricultores assentados, assim como o espaço social do assentamento => abordagem a partir da compreensão das identidades sociais contemporâneas: entender o lugar social dos atores principais da assessoria técnica e as motivações das ações oriundas das suas distintas visões de mundo.

2. Identidades sociais: fundamentos analíticos e problematização

(I) Identidades múltiplas: abertura a diferentes valores, hábitos e crenças; manifestação de suas diferentes facetas aparece em redes de pertencimento diferenciadas e reflexivas (processos sociais e manifestações) => identidades sociais são entidades sociais construídas em co-determinações complexas, resultantes de múltiplos processos sociais, portanto, são relacionais e reflexivas: toda identidade tem uma sociohistória em um lugar social, um espaço social e um território social, contém ainda uma história de sua nacionalidade, sua família, sua língua e do ser individual que é => uma identidade social é complexa, múltipla e aberta às relações que a conformam, contendo elementos de seu passado e de suas expectativas, desejos e aspirações de futuro: tanto o passado quanto o futuro interagem nas ações presentes de cada um de nós => uma identidade tem uma visão de si mesma e das outras identidades sociais e do todo social, seus saberes estão apoiados em um conceito de natureza e só pode ser compreendida a partir das relações sociais que a conformam.

(II) As palavras, mais corretamente a língua, é um sistema simbólico que funciona como instrumento de conhecimento e construção do mundo: somos “educados” com e por meio da linguagem, que dá clareza ao nosso conhecimento e reforça os comportamentos, hábitos e valores => processo de socialização: somos gradativamente introduzidos ao mundo e a uma determinada ordenação do mundo que está representada pelo universo das palavras, mas não só por este universo => os sentidos das coisas que apreendemos fazem parte de uma visão de mundo, de uma cultura, que representa um mundo ordenado pelas relações entre coisas e pessoas, bem como valores sociais (morais e éticos) que distinguem as coisas e pessoas que seriam melhores e piores ou mais e menos importantes => o sistema lingüístico (língua) representa as estruturas de poderes que ordenam aquela sociedade e aquele mundo => língua representa a capacidade do ser humano de criar uma organização do mundo, de pensar segundo essa forma de compreender o mundo e de agir segundo essa forma de pensar.

(III) A realidade da cultura na qual estamos sendo socializados ou a visão de mundo é composta pelo que é objetivamente conhecido (realidade objetiva) e o que é objetivamente desconhecido (realidade subjetiva) => Natureza/essência/identidade desse mundo é a totalidade desses valores e compõe as leis da vida daquela cultura: desta totalidade significativa retiramos os fundamentos e os sentidos de nossas ações => nosso corpo (objetivo) e a mente (subjetivo) são uma unidade socialmente construída, que contém elementos e processos objetivos e subjetivos, que percebemos pelos sentidos corpóreos e pela imaginação, que nos orientam sobre o que é certo e errado, e o que é bom e mau, dentro outras orientações.

(IV) Indivíduo e sociedade são construídos em processos de co-determinação complexa => história corporificada: forma de pensar e ser que tendemos a perceber como nossa, trata-se da sociedade presente em nosso interior, em nossas mentes e em nossos valores, parte componente do nossa mundo subjetivo => processo de naturalização da sociedade ou reificação: socialização tende a tornar natural aquilo que, no passado, foi criação social, constituindo um dos mais fortes processos de conservação do mundo.

(V) Símbolos: diversas formas dos humanos de conhecer o mundo em que vivem e de representar e comunicar aos outros suas vivências e experiências desse mundo (língua).

(VI) Narrativa materialista: o ser humano, ao produzir as condições de sua existência, produz a si mesmo e o mundo em que vive => em tempos históricos e em lugares distintos, diferentes sistemas de sons e de signos podem ter gerado sociedades e civilizações distintas, culturas e visões de mundo distintas.

(VII) A construção social do mundo tem elementos que se originam (a) de relações dos sentidos corpóreos dos humanos com seus semelhantes, que refletem também suas relações com os fenômenos e eventos da natureza (aparecem na cultura); e (b) de relações imaginárias oriundas de processos mentais e interacionais, que constituem seus sistemas simbólicos de representação do mundo (significados culturais) => sistemas simbólicos representam o mundo natural para os humanos, mas não a natureza em si, ou são representações humanas sobre o mundo natural.

(VIII) Realidade humana: história objetivada e história subjetivada de uma cultura => reconhecer os limites do conhecimento científico, que requer demonstração: incerteza e indeterminações => religiões: crença (fé) sobre os sentidos da vida e da morte => vertente idealista.

(IX) Os autores afirmam que a agri-cultura dos técnicos funda-se nas leis da natureza e na crença de que o conhecimento científico dá acesso à verdade dessas leis; a agricultura dos agricultores assentados funda-se na crença em uma natureza criada por Deus, cujo sentido de verdade funda-se nas leis divinas, que orientam a vida e não apenas a produção.

(X) Poder como elemento das relações sociais: território, socialmente construído, e os sentidos de propriedade deste território => assimetrias de poderes e poderes assimétricos, poderes hegemônicos e contra-hegemônicos, ou subalternos: unidade da multiplicidade de indivíduos é constituída pela capacidade de determinados setores da sociedade de instituírem como comuns os seus interesses setoriais (força militar, Constituição...) => a totalidade do social, que identifica todos como iguais em algum sentido, tem por substrato um poder hegemônico que tende a dominar o conjunto social, apesar do espaço para crítica e mudança => poder hegemônico não é sempre visível porque foi naturalizado nas instituições sociais e nas mentalidades, mas temos o poder de crítica e de criação dentro de cada um de nós => incorporação da história: socialização primária (visão de mundo) e socialização secundária (interiorização de submundos).

(XI) Os movimentos sociais em luta pelo acesso à terra e os assentamentos que hoje estão presentes em nossa estrutura social são resultados inesperados dos processos sociais brasileiros e dos processos atuais de globalização do mundo => hipótese: representam novas instituições e mentalidades, assentamento seria um mundo particular que estaria sendo criado, diferente dos mundos e bairros de sitiantes, colonos e das fazendas.

3. Identidade social e saberes do técnico agropecuário.

4. A identidade social e saberes do agricultor assentado.

5. A identidade complexa do assentamento:

(I) fenômeno social presente no espaço-tempo, que pode ser visualizado como uma representação social de uma comunidade por duas ordens de complexidade: estrita (relações internas e locais) e ampla (presença das instituições externas, nacionais e globais).

(II) Identidade “assentamento” seria resultado da expressão de interesses das famílias assentadas e do governo, bem como das influências do mercado, dos agentes políticos partidários, de lideranças municipais e dos técnicos, educadores, agentes de saúde => todos esses atores sociais estão presentes (ou ausentes) nas relações que se estabelecem entre as diversas famílias assentadas e suas organizações associativas (de representação ou associações comerciais e de produção) => cada família toma suas decisões neste emaranhado de relações sociais e dentro dos sistemas de hierarquia estabelecidos no interior da própria família.

(III) Indagações contemporâneas: políticas educacionais e os interesses hegemônicos que orientam as políticas de desenvolvimento sempre estiveram em sintonia no Brasil.

REFERÊNCIA:
COSTA, L.F.C; FLEXOR, G; SANTOS, R. (orgs.) Mundo Rural Brasileiro. Ensaios interdisciplinares Mauad X-EDUR, Rio de Janeiro - Seropédica, 2008.

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