1. Transformações recentes na organização econômica e institucional do sistema agroalimentar na América Latina => avaliar oportunidades e desafios para agricultura familiar e comunidades rurais tradicionais.
Transnacionalização,concentração e novas regras de organização dos mercados:
2. Novo quadro institucional redefine espaços público/privado em mercados agroalimentares, alinha regras de cada país à OMC => ajustamento às condições de acesso a mercados de exportação + criação de ambiente favorável a investimentos externos (estratégia de modernização/competitividade) => novos patamares de qualidade como pré-requisitos de participação nos mercados agroalimentares => reorganização dos mercados passa pela transnacionalização das empresas líderes sob domínio da grande distribuição => continuação de tendências à concentração e consolidação: exigências de qualidade como barreiras para pequena produção tradicional (agricultura / indústria).
3. Crise dos anos 80, fracasso do modelo de substituição de importações => países da América Latina remodelam sistemas de governança interna/externa => ajuste às pressões de organismos financeiros internacionais + alinhamento às exigências da OMC + adoção de estratégias de crescimento pela via das exportações.
4. Mercados nacionais: retirada do governo de controles diretos (preços/compras) + desmantelamento de serviços de extensão + eliminação de políticas ativas setoriais => fragilização da participação dos pequenos produtores e suas organizações tradicionais (cooperativas) nesses mercados => menor proteção alfandegária, maior abertura ao comércio internacional, aumento no ritmo de importações de alimentos.
5. Contrapartida da adoção de export-led growth estrategies: modificação da legislação sobre os níveis de participação do capital estrangeiro em empresas nacionais + maior tolerância à remessa de lucros (foreign direct investment como solução para falta de poupança e tecnologia internas para alavancar exportações) => EUA: FDI mais importante que exportações, comércio e FDI são complementares => (I) exportações de commodities tradicionais experimentaram baixas sucessivas de preços durante a década de 1990: surgimento de circuitos alternativos de fair trade; (II) novos fluxos de FDI como oportunidades para non-traditional food exports concentradas nas frutas, verduras e peixes
6. São classificados como alimentos processados, mais dinâmicos => impactos sobre emprego/renda e aprendizagem e up-granding tecnológicos => desafios decisivos: (a) salto tarifário (amenizados por acordos bilaterais); (b) barreiras de qualidade (microbiológicos, resíduos); (c) custos de adaptação (infra-estrutura técnica e humana).
7. Problemas fundamentais: acesso => (I) visão de global commodity chaims: consolidação de uma nova divisão internacional do trabalho sob a governança das transnacionais => externalização de mais uma etapa da cadeia global de valor para os países em desenvolvimento: disponibilidade de mão-de-obra e recursos naturais baratos) => exigências de qualidade e logística deslocam a produção para médios e grandes produtores com acirrada concorrência entre países; (II) análise ambientalista: mais uma etapa no desenvolvimento dos recursos naturais no aproveitamento dos recursos naturais de paises dotados de regimes regulatórios mais permissíveis, sobretudo no caso da pesca; (III) análises que focam nos impactos internos: transformação do ambiente concorrencial que leva a maiores níveis de eficiência e pressões sobre custos e maior ritmo de inovações e modernização tecnológica => fragilização de empresas tradicionais e cooperativas => inovações: crescente contratualização das relações com fornecedores de matérias-primas => adoção de private standards impostas pelas empresas por estratégias de concorrência ou para compensar limitações de regulações públicas.
8. Tendências: transnacionalização ou novo ambiente institucional internacional? => Fluxos de FDI: aquisições, joint ventures ou participação acionária X poucos investimentos de tipo greenfield, mas, novo padrão de concorrência... => aceleração do domínio da grande distribuição (super-hipermercados regionalizados): transformação radical dos padrões de coordenação dos atores ao longo das cadeias de suprimento nos mercados domésticos e regionais da América Latina com impactos maiores que novas estratégias de exportação => crescente convergência entre exportadores e novos fornecedores de supermercados: diluição da fronteira entre mercados nacionais e de exportação.
9. Grande distribuição substitui canais tradicionais de distribuição: montagem de centrais próprias de distribuição (CD – país/região) + substituição de fornecedores tradicionais (operação com número limitado de fornecedores especializados que atendem especificações de entrega, leque de produtos e qualidade) => ausência de contratos formais X registro de fornecedores que obedecem a rigorosos controles de qualidade: negócios conduzidos pela internet (B2B)=> sistema exclui pequenos produtores individuais que precisam trabalhar em associação, porém existe um longo processo de aprendizagem e pesados investimentos financeiros (e seus riscos) => grandes supermercados dependem de fornecedores altamente profissionalizados: participação subordinada da pequena produção (que tem melhores perspectivas nos supermercados menores).
10. Componente central do novo quadro institucional: países em desenvolvimento ajustam seus sistemas de propriedade intelectual de forma a abranger o setor de sementes e produtos da biotecnologia => novo ambiente: rápida desnacionalização das empresas nacionais de sementes, diminuição nas atividades independentes de melhoramento por parte dos sistemas públicos de pesquisa (e seu alinhamento como parceiros às transnacionais em programas baseados na nova geração de transgênicos) => primeira geração de transgênicos se encaixa em práticas que favorecem operações em escala: dificultam a permanência de pequenos produtores nesses setores de grãos => riscos para meio ambiente e saúde, ameaça para estratégias de valorização do papel da agricultura tradicional.
Clusters, sistemas agroalimentares locais (Sial) e estratégias territoriais:
11. Papel central de pequenas e médias empresas (PMEs) e pequena produção: experiências que associam crescimento/competitividade a noções de aglomeração/interdependência em espaços territoriais determinados => dinamismo associado à construção de clusters, distritos agroindutriais e sistemas agroalimentares locais (SIALs) => inovação: valorização de conhecimentos tácitos + complementaridades dinâmicas de relações interpessoais e de proximidade (sistemas locais de inovação / arranjos produtivos locais) => revalorização de recursos e conhecimentos locais/tradicionais: denominações de origem (teoria das convenções) => originalidade das “convenções de qualidade” no contexto da pequena produção na América Latina: noções mais difusas de território e atividades artesanais + importância da agroecologia + apelo a diversas formas de validação + procedimentos de certificação participativa.
12. Contexto de mercados desregulamentados dominados por grades e standards de qualidade, novas questões analíticas: informação, coordenação e natureza/implicações de investimentos => facilitar acesso a esses novos mercados, o que justifica a importância do enfoque em custos de transação: (I) sociologia econômica, abordagem alternativa; (II) persistência/vitalidade da economia informal e dos mercados de proximidade; bases distintas de confiança coletiva e coordenação nas redes sociais que modelam as relações nesses mercados; redes sociais influenciam até mercados claramente impessoais, definindo sua criação, perfil, alcance => teoria francesa das convenções; (III) análise de mercados de qualidade superior (produtos orgânicos e artesanais de denominações de origem); pluralidade de formas legítimas de coordenação econômica; existência de “princípios comuns” que devem sustentar qualquer tipo de coordenação (econômica de ação e de identidades coletivas); conteúdo e forma de validação dos acordos; focalizar a dinâmica do local e do território (noções como clusters e distritos agroindustriais); convencionalistas e evolucionistas => abordagens da inovação: tradições redefinidas a partir de novos conhecimentos, valores, regulamentações a nível de demanda (aprendizagem constante, capacidade de aprender) => tendência para aumento das desigualdades regionais na economia da informação.
13. Desafio da América Latina é aplicar esse conjunto complexo de abordagens novas que apontam para o potencial do “pequeno enraizado”, mediante laços de solidariedade e complementaridade em seu contexto social/territorial às realidades das suas economias rurais e locais marcadas pela pobreza e marginalidade (p. 88) => Valor agregado como noção unificadora das abordagens, tendo o viés de “escala” nas opções tecnológicas dominantes como barreira: aspectos coletivos de proximidade e território e sua orientação para valorização definida por qualidade advindas da demanda (do consumidor/cidadão).
14. Resultado das iniciativas de ONGs, Programas de Cooperação Internacional e Programas de Governo federais e locais: SIALs, clusters => multiplicidade de programas de fortalecimento dessas experiências => 3 modelos: (I) aglomerações de cottage industries: melhoria nas rendas das famílias diretamente envolvidas (estratégias de promoção do turismo rural e “consumo” do espaço rural: conceitos de multifuncionalidade); (II) clusters: construção de competitividade em mercados nacionais ou de exportação pelo conjunto de vantagens de proximidade; (III) estratégias de qualidade superior (artesanal e étnica): valores da tradição e do artesanal que focalizam a pequena produção e as PMEs => necessidade de qualidade mínima e de fiscalização tributária.
15. Estratégia de qualidade superior: modelo francês de denominações de origem. No contexto da América Latina: sucesso dessas estratégias dependerá da capacidade de ir além do puro mimetismo para desenhar modelos mais adaptados à evolução dos mercados e ao novo quadro institucional => consolidação de uma legislação mais restritiva de Indicação Geográfica no âmbito da OMC pode dificultar a generalização dessa estratégia + mecanismos de implementação e fiscalização são mais frágeis em muitos países da América Latina (construção da reputação através de marcas e labelling mais trilhada que atribuição e defesa de direitos de propriedade coletiva demarcados territorialmente).
16. Custos de certificação sem apoio público: barreiras significativas levando à promoção da certificação participativa (reconhecimento objeto de negociação em foros nacionais e internacionais) => qualidade artesanal é mais difusa no contexto latino-americano => importância das associações positivas dos produtos da agroindústria rural com os valores da “comida caseira” e de alimentos “sem aditivos” => associação rígida entre “qualidades superiores” e regiões muito bem delimitadas é mais excepcional na América Latina: valores combinam o artesanal com conteúdos ambientais (agroecológicos e orgânicos) e sociais (agricultura familiar) que em muitos casos tem força mercadológica maior que o aspecto artesanal.
17. Circuitos alternativos sendo criados nas cadeias de commodities mais tradicionais (café, cacau, bananas e laranja) e se expandindo para outros produtos com a adoção de valores sociais como critérios de qualidade => movimentos de Fair Trade => crescente convergência nestes mercados de consumidores “engajados” entre critérios sociais, ambientais e de saúde => aproximação entre os movimentos de Fair Trade (FLO) e dos Orgânicos (IFOAM) em nível internacional.
Valorização de recursos e conhecimentos tradicionais:
18. Ambigüidade da valorização de recursos e conhecimentos tradicionais como opção de reinserção econômica da pequena produção: (I) Reconhecimento do consumidor/cidadão dos valores associados à pequena produção + iniciativas para transforma-los em valores de mercado => ameaças de diversas ordens: valorização => promoção de mudanças e investimentos => impacto desestabilizador (interno ou em relação com a comunidade) => escala/ritmo da demanda das empresas podem perturbar sistemas tradicionais de produção e sustentabilidade de seus ecossistemas; (II) Valorização dos recursos genéticos, avanços da biotecnologia => transnacionalização da indústria de sementes e insumos amparada em legislações de propriedade intelectual => comunidades tradicionais como fronteira de bioprospecção => necessidade de iniciativas institucionais.
19. Forte interesse mercadológico nas propriedades “funcionais” e cosméticas de alimentos e plantas tradicionais: indústrias de cosméticos (Bodyshop, Natura, Aveda...) e de alimentos promovem acordos com povos indígenas => contratos que se assemelham a mercados solidários, parte de iniciativas mais abrangentes para promover alternativas não-madeireiras para os povos da floresta trazendo benefícios importantes para as comunidades em questão X perigo do desequilíbrio ecológico provocado.
20. Ameaça dos ecossistemas das comunidades tradicionais torna-se crítica quando a conservação in situ dos recursos genéticos é reconhecida como decisiva para a preservação da biodiversidade => crescente privatização do mercado de sementes e dos bancos de germoplasma: crise dos sistemas públicos de pesquisa genética (nacionais, regionais e internacionais).
21. Conservação in situ implica em preservação da biodiversidade: inseparável da preservação dos conhecimentos e culturas tradicionais => proteger e valorizar as práticas tradicionais em regiões de ecossistemas específicos, grande parte na América Latina (importância das ONGs).
22. Necessidade de desenvolver mecanismo de valorização destes recursos tradicionais baseados nos direitos e práticas específicos das comunidades: IG (indicações geográficas); conceito de multifuncionalidade (reconhecimento da variedade de funções públicas que a agricultura desempenha além do fornecimento de alimentos e matéria-prima) => preservação de áreas estratégicas de biodiversidade: formas de reconhecimento de âmbito internacional.
23. Direitos das comunidades tradicionais mais sensível com a nova valorização dos recursos genéticos com base nos avanços da engenharia genética (rota adotada por todas as empresas lideres e laboratórios públicos farmacêuticos) => corrida de grandes empresas para apropriar essa nova fronteira de valor concentrada fundamentalmente nos países em desenvolvimento e nas regiões de comunidades tradicionais sob forma de direitos privados.
24. Extensão dos direitos de propriedade aos recursos genéticos imposta aos países em desenvolvimento como condição de acesso à OMC X Convenção da Biodiversidade: recursos colocados no âmbito da soberania nacional (países desenvolvem Leis de Acesso aos seus recursos genéticos) => desafio de desenvolver direitos para governar contratos entre as empresas de bioprospecção e as comunidades indígenas.
25. Elaboração de sistemas eficazes de proteção do conhecimento tradicional: reconhecimento de que a preservação da biodiversidade é produto de inovação incremental e coletiva de longo prazo => práticas culturais e recursos biológicos são inseparáveis: natureza coletiva da inovação => atribuição de um status decisivo para conhecimento tácito, não-codificável, na produção de inovações importantes no sistema de inovação de alta e baixa tecnologia.
26. Pressões para adoção de um regime regulatório único e global (baseado no fortalecimento e universalização do sistema de patentes) X convergência sobre o papel estratégico dos aspectos coletivos e não-codificáveis da inovação => produção de conhecimento nas comunidades indígenas deve ser entendida como um tipo de inovação coletiva que envolve um alto grau de conhecimento não-codificável => processo de screening que já pré-seleciona o material genético de interesse para empresas de biotecnologia.
27. Taxa anual a ser paga à comunidade durante o período da pesquisa e um acordo sobre a distribuição dos benefícios no evento do desenvolvimento de um produto comercial X biopirataria ainda prevalece: concessões exdrúxulas de patentes no exterior para os produtos de conhecimento tradicional nos países de origem.
28. Elaboração de sistemas eficazes de contratos: um dos maiores desafios na defesa dos espaços da pequena produção na era da biotecnologia => aceitação de que o acesso aos recursos genéticos preservados pelas comunidades tradicionais deve levar em conta que sua existência depende das práticas culturais tradicionais dessas comunidades => devem ser reconhecidas e remuneradas como elo vital na nova cadeia de valor.
Conclusão:
29. Avalia implicações das três grandes tendências para participação da pequena produção: (I) “inovação adaptativa” pelos pequenos grupos de produtores: grandes empresas transnacionais assumem a coordenação das atividades econômicas; (II) iniciativas de ação coletiva de maior abrangência (promoção de qualidades específicas): iniciativas de governos centrais e locais, associações de produtores e iniciativas de cooperação internacional e ONGs criam redes, plataformas e parcerias que oferecem formas alternativas de cooperação; (III) consolidação de redes inéditas entre povos indígenas, empresas transnacionais e laboratórios de biotecnologia (negociação de práticas culturais mais amplas): ONGs articuladas com organizações e movimentos internacionais, iniciativas de Governos, crescente auto-organização das comunidades indígenas.
30. Em alguns casos, novo tipo de empresa disposta a internalizar responsabilidades sociais: compatibilizar a valorização dos recursos genéticos com a sustentabilidade e a preservação da biodiversidade.
31. Políticas para o fortalecimento da pequena produção precisam discriminar os distintos tipos de oportunidades que existem nestes 3 cenários => identificando medidas apropriadas para cada caso => mobilizando parceiros correspondentes.
REFERÊNCIA:
COSTA, L.F.C; FLEXOR, G; SANTOS, R. (orgs.) Mundo Rural Brasileiro. Ensaios
interdisciplinares Mauad X-EDUR, Rio de Janeiro - Seropédica, 2008.
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