Redes sociais na internet, relacionamentos, vínculos, laços fortes e fracos, participação de governos e empresas no universo da comunicação. Esses foram alguns dos temas abordados na entrevista que o Nós da Comunicação fez com Marcelo Castañeda, cientista social e mestrando do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Confira a íntegra da conversa abaixo.
Nós da Comunicação – O fato de estarmos vivendo na era da internet com a explosão das mídias sociais quer dizer que as pessoas estão se comunicando melhor?
Marcelo Castañeda – Pela ausência de evidências empíricas e pelo fato de se tratar de um fenômeno recente, é complicado afirmar que as pessoas se comunicam melhor ou pior em decorrência do advento de mídias sociais na ‘era da internet’. Entretanto, se voltarmos uns 20 anos no tempo, é evidente que, hoje, existe ampliação de possibilidades das ações comunicativas entre as pessoas. A qualificação desse aumento de possibilidades de comunicação entre as pessoas como ‘melhor’ ou ‘pior’ parece estar relacionada a contextos e situações em que as pessoas que acessam a internet estão inseridas. Afinal, não podemos esquecer que muitas pessoas ainda não têm acesso ou preferem não acessar esta (nem tão nova) tecnologia da informação e comunicação.
Nesse sentido, as inúmeras variações possíveis, os diferentes contextos e as situações e a ‘novidade’ que essa tecnologia representa para a maioria das pessoas, ainda hoje, tornam difícil generalizar adjetivos como ‘melhor’ ou ‘pior’ para qualificar a comunicação entre as pessoas no mundo atual.
Nós da Comunicação – Como você analisa o atual estágio de nossos relacionamentos?
M. C. – Vejo uma ampliação da sociabilidade no sentido do que a teoria de redes sociais denomina ‘laços fracos’, com possibilidade de ‘laços fortes’ diferenciados se desenvolverem na esteira dessa ampliação de ‘laços fracos’, nos termos colocados pelo espanhol Manuel Castells, em 2001.
O advento da internet e o desenvolvimento de ferramentas, como e-mail, chats, blogs, serviços de mensagens instantâneas (como MSN e Google Talk) e redes sociais virtuais (em especial, Twitter, Facebook e Orkut), possibilitaram ampliação do leque de relacionamentos das pessoas.
Se até a década de 1980, por exemplo, a família, os colegas de trabalho, estudo e lazer concentravam a maior parte dos relacionamentos das pessoas de forma presencial, hoje, podemos nos comunicar durante anos com pessoas que só conhecemos mediados pela tela do computador.
Não quero dizer que estruturas sociais como a família e o trabalho deixaram de ser importantes. Ainda representam esferas nas quais são permanentemente tecidos os ditos ‘laços fortes’, de confiança e relações face a face. Entretanto, ao mesmo tempo, representam as unidades estruturantes da modernidade que se apresentam ‘em crise’ no momento atual de transição pelo qual passam as sociedades contemporâneas.
Nós da Comunicação – É possível a criação de vínculos importantes entre as pessoas a partir de conexões realizadas pela internet?
M. C. – Acredito que pode ocorrer a criação e a manutenção de vínculos que sejam importantes para as pessoas que participam dessas conexões mediadoras de interações. Isso pode ser percebido em várias esferas: no trabalho, na ciência, na família, nas relações sexo-afetivas, nas amizades. A importância dos vínculos me parece muito relacionada à intenção das pessoas que estão agindo em uma interação, em grupo ou one to one.
Por exemplo, a interação de um alto executivo que responde pela filial latino-americana de uma multinacional e está sediado em São Paulo, enquanto a matriz da empresa está na Europa. Esse executivo pode ter um reduzido contato pessoal com seu superior hierárquico em um ano, e essa interação pode refletir um vínculo forte, na medida em que as metas e objetivos de ambos estejam interligados.
Outro exemplo, também hipotético, pode vir do estabelecimento de relações sexo-afetivas que têm origem no ciberespaço e transbordam para a vida real.
Nós da Comunicação – Em sua opinião, governos e empresas estão sabendo criar corretamente vínculos sustentáveis com seus públicos? Se não, que atitude deveriam tomar para mudar a situação?
M. C. – Ainda não, talvez porque, como escreveu Sérgio Buarque de Hollanda em ‘Raízes do Brasil’, aqui a mudança seja lenta.
Primeiro, a transparência é um conceito que não caracteriza a maioria dos governos ditos democráticos no mundo, e a situação brasileira não é muito diferente, apesar dos avanços recentes. Os governos brasileiros, para ficar apenas em nosso País, são como caixas pretas para a maior parte da população, em qualquer instância — municípios, estados ou federação. Logo, tornar as ações governamentais mais transparentes e inteligíveis para os cidadãos é um caminho para a construção de vínculos sustentáveis.
Segundo, a liberdade ainda se mostra muito restrita no Brasil. Nesse sentido, concordo com o economista indiano Amartya Sen, de que não existe desenvolvimento sem liberdade plena dos indivíduos. Dessa forma, deve haver mais estímulo para que os cidadãos participem dos processos de planejamento, da tomada de decisões e implementação de ações na esfera pública. Hoje em dia, as decisões são tomadas, ainda, de forma tecnocrática, ou seja, um pequeno grupo de experts define a política pública a ser implementada ou os investimentos a serem feitos. No máximo, as consultas são feitas para referendar o que já está decidido, e isso não cria vínculos sustentáveis.
Para as empresas, vínculos sustentáveis são vitais. Trata-se do principal capital almejado por elas. Apesar das dificuldades encontradas em um contexto de mercados cada vez mais segmentados e, às vezes, individualizados, em constante transformação, as empresas conseguem construir interações mais participativas que os governos.
Existe uma proliferação de Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs), mesmo com todas as deficiências e ineficiências desses instrumentos de atendimento. Por outro lado, o lançamento de produtos nas sociedades contemporâneas envolve diferentes modalidades de pesquisa com os consumidores (surveys, grupos focais, etnografia etc.). Talvez, por isso, o consumo político surja hoje como forma de participação e engajamento cidadão na esfera do mercado, que emerge como campo de protesto e conflito social.
Não quero com isso defender a comoditização do poder político ou do governo. Apenas destaco que as empresas representam um objeto de foco de ação política mais presente no cotidiano das pessoas do que os governos nas sociedades contemporâneas.
Talvez isso aconteça porque as empresas tenham necessidade de criar e manter vínculos, pois seus horizontes de ação tendem ao infinito, enquanto a prática dos governos envolvem um horizonte mais curto, de quatro anos apenas, no caso do Brasil, infelizmente mediado pela alternância perniciosa inerente ao jogo político. Não existe uma tradição de continuidade governamental. Nesse sentido, Lula inovou ao dar continuidade à política econômica de FHC.
Nós da Comunicação – Em qual estágio se encontra a academia em meio a esse processo constante de transformação?
M. C. – Falando das ciências sociais, área que atuo, posso dizer que ainda existem poucos estudos sobre as ‘mídias sociais’ e até mesmo sobre a internet no cotidiano das pessoas. Existem muitos estudos na área de comunicação, especialmente sobre as redes sociais ou sociabilidade on-line.
Detalhe. Veja como a compartimentalização da ciência é burra: digo que sou da área de ciências sociais e cito a área de comunicação como se fosse muito diferente.
Um problema é o viés adotado pelas ciências sociais brasileiras, no qual a crítica social é privilegiada com relação ao entendimento dos fenômenos sociais, apesar dessa situação estar mudando. A emergência de estudos do consumo é um bom exemplo dessa mudança. A internet é um campo de estudos ainda a ser desbravado pelas ciências sociais — sociologia, antropologia, ciência política, economia, história, entre outras.
No que diz respeito à produção acadêmico-científica, o advento da internet possibilitou um impulso importante, na medida em que, hoje, a comunicação é praticamente instantânea. Pesquisador que não acessa a internet está vivendo em outro mundo, um mundo que, cada vez mais, deixa de existir. Da mesma forma, o aumento de bolsas possibilitou maior número de pesquisas.
Cabe destacar, concordando com Michel Foucault, que, nas sociedades capitalistas, a ciência atua como sustentáculo do desenvolvimento econômico. É uma pena que não atue também como sustentáculo do desenvolvimento social, cultural e político. Basta ver os recursos que são aplicados em áreas como medicina, biologia, química e engenharia e comparar com a destinação para ciências humanas de forma geral. Ou seja, existe uma distinção entre áreas acadêmico-científicas que deve ser considerada para não corrermos o risco de empreender uma análise superficial desse campo.
Nós da Comunicação – Você acredita que as escolas estejam atrasadas ou em um natural estágio de transição?
M. C. – Acho que, agora, todos nós estamos nesse natural estágio de transição. A modernidade chegou a um estágio tal de desenvolvimento que não acredito que essa transição passe. Nesse sentido, Ülrich Beck destaca o conceito de sociedade de risco como sendo central para caracterizar as sociedades contemporâneas em constante incerteza. Também Anthony Giddens procura, em seus escritos, evidenciar o caráter descontrolado da alta modernidade.
Nós da Comunicação – Muitos estudiosos falam da importância de criarmos pontes entre as pessoas eliminando confrontos. A comunicação, sobretudo a digital, é a melhor forma dessas pontes serem criadas?
M. C. – Por princípio, comunicação é uma ponte entre pessoas. A comunicação digital é uma das formas possíveis, bem como a interação pessoal. Acho que ‘melhor’ ou ‘pior’, como já disse, tem relação com contextos e situações específicas.
As pontes podem surgir de conflitos. Afinal, o diálogo e a ação comunicativa também existem para resolução de conflitos. Por outro lado, nem sempre a eliminação de confrontos simboliza uma situação desejada ou ‘melhor’ que uma situação em que o conflito esteja presente. Em certo sentido, o conflito também constrói pontes. Imagine como seria chato uma sociedade sem conflitos, por exemplo, por conta das diferenças de opinião?
Link: http://www.nosdacomunicacao.com/panorama_interna.asp?panorama=252&tipo=E
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Um comentário:
Essa entrevista me fez pensar se os filósofos atuais, nos moldes da antiga Grécia e redondezas, não surgem hoje da graduação em Ciências Sociais mais do que da graduação em Filosofia. Restrinjo-me à Cidade de São Paulo, não quero generalizar.
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