sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Quando tudo está dando certo...

... costumo lembrar de tudo que já deu errado. Não sou estranho, nem melhor, nem pior do que qualquer ser humano, mas tenho minhas peculiaridades.

Hoje, a certeza que eu tenho é que sou uma pessoa melhor do que uns quatro, cinco anos atrás. Certeza! Tanto que algumas pessoas que me (re)encontram percebem em poucos minutos que mudei (para melhor) ou então, pasmem, sequer me reconhecem. Virei um fantasma e às vezes até curto isso (tem pessoas que a gente não faz muita questão mesmo de que nos dirijam a palavra).

Enfim, chegou ao fim a saga que foi a minha participação na seleção do doutorado 2009/2010 do CPDA/UFRRJ. Ser selecionado seria bom demais, imagina então ter sido o primeiro colocado?

Mesmo sem dar muita bola para uma diferença de 0,4 em relação à pessoa que ficou em segundo, foi uma surpresa para mim e nem bem consegui comemorar. Afinal, estava, estou e estarei até o início de fevereiro do ano que vem em uma nova saga: escrever minha dissertação de mestrado.

Como preciso de um bom drama para me motivar, de início começo com um ar de desesperado, mas sei, depois de tantas e tantas experiências com expectativas e desesperos, de que, dentro dos prazos estabelecidos, tudo acabará bem.

Tenho toda leitura da base teórica que pretendo utilizar, consegui incorporar importantes sugestões da banca (que foi o que me deu mais trabalho até aqui), analisei as 15 entrevistas que fiz, juntamente com os dados coletados nas observações participantes efetuadas.

Ou seja, tudo dando certo demais na vida: uma namorada gata, companheira e apaixonada, nosso relacionamento superou os dois anos e oito meses; várias propostas bacanas pintando para 2010 (sim, não é preciosismo, afinal até fevereiro não tenho condições sequer de ficar rico, quanto mais de ganhar uns níqueis...); bem com minha família... e o melhor de tudo: bem comigo, ora, ora! Esse último aspecto é o mais importante.

Para isso, tentar ser humilde (nem é tão difícil e faz bem, quando consigo), ser honesto comigo mesmo, ter mente aberta, fazer de boa vontade o que preciso fazer, sem ficar projetando os resultados e os custos x benefícios que não podem ser descobertos a priori...

Norteando (ou suleando...) isso tudo, está uma forma de enxergar a vida um dia de cada vez...

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Giz, letra de música, Legião Urbana

E mesmo sem te ver
Acho até que estou indo bem
Só apareço, por assim dizer
Quando convém aparecer
Ou quando quero
Quando quero

Desenho toda a calçada
Acaba o giz, tem tijolo de construção
Eu rabisco o sol que a chuva apagou

Quero que saibas que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda do que me faz forte
E, pra ser honesto,
Só um pouquinho infeliz

Mas tudo bem
Tudo bem, tudo bem...

Lá vem, lá vem, lá vem
De novo:
Acho que estou gostando de alguém
E é de ti que não me esquecerei

(Quando quero....
Quando quero...
Quando quero...
Eu rabisco o sol que a chuva apagou...
Acho que estou gostando de alguém...)

domingo, 22 de novembro de 2009

"O escafandro e a borboleta", um belo filme...

Assistir filmes é um passatempo que tenho adotado para sair um pouco do mundo "orgânicos politizados" em que me enfiei nesta reta final do mestrado. De vez em quando dou a sorte de locar um bom filme. Estava de olho, fazia tempo, neste filme "O escafandro e a borboleta". Mas o interesse me veio quando folheei um destes livros "1001 filmes para assistir antes de morrer" e ele estava lá listado.

Enfim, com a lotação no cinema para assistir "2012" e a vontade de assistir um filme com a namorada no sabadão noturno, acabei passando na locadora e como estava o filme lá, lá fomos nós.

O filme, francês (ainda brinquei com a namorada que a probabilidade de dormir era imensa...), me deixou muito emocionado por mostrar em relevo a dimensão humana da ação criativa e da imaginação. Resumo: um editor de uma revista de moda de grande circulação sofre um forte AVC, aos 42 anos, e fica sem movimentos, a não ser dos olhos e suas pálpebras.

Fiquei imaginando como deve ter sido para este ser que sequer podia pedir para morrer, inicialmente, e, quando podia pedir, não o fez em nenhum momento. Caramba! Uma porrada em qualquer desânimo e preguiça, em mim, sempre ressoa forte e inspirador.

O melhor de tudo é que o filme remete a uma história que aconteceu de fato. Mais que não querer morrer, o protagonista, como um escafandro, ainda teve forças para escrever o livro, no qual se baseia o filme, com a ajuda de uma eficiente e apaixonada borboleta que sequer conhecia.

Dias depois de lançar o livro, morreu, mostrando que o resultado vale muito pouco perto do caminho que escolhemos para chegarmos a ele... ele persistiu, não se rendeu ao imobilismo quase que total. Foi aproveitar o que a vida lhe reservou até o fim, com graça e fé...

Vale a pena assistir o filme para entender a emoção que um solitário pode passar para quem pode ainda viver e apreciar a vida e ver como ela é bonita, é bonita, é bonita, como dizia o falecido, também, Gonzaguinha.

"2012", comentário geral e breve

Nesta postagem vou comentar o filme mais pop, "do momento": "2012", que poderia muy bem se chamar de "o fim do mundo". Poxa, mais um filme sobre o fim do mundo e uma tentativa infrutífera de aproximar a crise ambiental do cotidiano. Certo que, com o tempo, as produções cinematográficas que abordam a crise ambiental vão melhorando, mas...

A questão que me veio a mente, hoje a tarde, foi de que não é assim que vamos tomar consciência. Não é introjetando medo que vamos mudar uma perspectiva que é catastrófica, mas que permanece distante do cotidiano das pessoas. A imagem de "arcas" que alojariam alguns escolhidos me passa uma versão bíblica apocalíptica em uma sociedade informacional em rede. Neste ponto, um final previsível, com uma nova era de esperança para aqueles que conseguissem entrar nas 4 arcas disponíveis.

Apesar disso, algumas questões abordadas tornam o filme interessante para ser visto.

Antes de destacar estes tópicos, quero ressaltar que este filme torna-se mais interessante ainda pelo interesse público que vem gerando. Olha, lotar sessões de cinema em Nova Friburgo/RJ é algo que ainda não havia experenciado. Ontem, sábado, 21/11, tentei comprar ingressos para a sessão das 20:30 e não consegui... cheguei uma hora antes e não consegui. Isso me sinalizou (tenho sido bastante indiciário ultimamente: pistas, sinais e alegorias me interessam sempre...) e resolvi comprar dois ingressos (a namorada acompanha sempre...) para hoje, 14:30.

Ora, um calor do caramba em Friburgo, um cinema lotado, 14:30, a ponto do ar condicionado parecer estar desligado (aliás, nada a ver com a minha "sugestão" de desligarmos estes aparelhos para sentirmos melhor os efeitos do dito "aquecimento global"...).

Em relação aos pontos que achei interessantes destacar, fora o grande interesse evidente nas expressões faciais dos expectadores:

1- O diálogo entre paradigmas travado no filme, com a "vitória" daquele que defendia o humanismo em detrimento do tecnicismo. Se bem que a vitória, só veio dentro da arca, ou seja, muita gente já tinha morrido em decorrência do tecnicismo governamental.

2- O filme mostra uma sociedade alheia ao problema, surpresa pela questão, e aponta o governo como sendo uma instituição fechada que tem dificuldades em dialogar com a sociedade civil, o que não deixa de ser muito próximo, ou seja, o governo só age mediante suas próprias expectativas de compensações políticas.

3- Mostra o Cristo Redentor em pedaços e uma África como continente do futuro, ampliando o panorama para além dos EUA, envolvendo o G-8, mostrando inclusive alguns protestos.

Deve ter tido mais coisa, como o final feliz de um casal separado desde o início do filme, mas de fato fico me perguntando se o caminho é o de aterrorizar e amedrontar... Gera consciência? Ou a pessoa quando sai dali, deixa tudo que viu ali?

Pode ser, pode ser... no fundo, sucesso comercial baseado em apocalipse bíblico é um tanto previsível. Se ainda rolasse algum debate pós-filme, poderíamos verificar algo neste sentido de uma conscientização. Mas do jeito que é... sei não... sei nada mais...

sábado, 21 de novembro de 2009

"Ele vai, por que não?" - artigo Mírian Leitão...

Abaixo, um artigo escrito por Mírian Leitão, que merece ser lido em nome da liberdade de expressão...

Caetano é assim mesmo. Crítico dos críticos, opiniões ferinas, ideias densas e franqueza extrema. Que país não precisa de alguém assim? Ele avisou a que vinha logo no começo da sua rica e produtiva vida artística: "Eu vou, por que não?" Mesmo quando discordo dele, Caetano me faz pensar. E pensar é sublime. Caetano tem um jeito. Ele foi desta vez num nervo exposto.

Ninguém pode falar que Lula estudou pouco. Só Lula pode proclamar isso o tempo todo. Ele transforma seu sucesso em vitórias de quem não estudou sobre quem estudou. Uma estranha luta de classes. De aula. De um lado os bons, os que não estudaram. De outro os insensíveis e incompetentes, os que estudaram. É isso que está implícito nos discursos. Confira as palavras dele, ditas na sexta-feira, dia 6, no dia seguinte ao da entrevista de Caetano a Sonia Racy, numa crítica ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso:

— Um intelectual ficar assistindo a um operário que tem o quarto ano primário ganhar tudo o que ele queria ter ganhado e não ganhou por incompetência é muito difícil mesmo.

Se tivesse sido só essa vez, era a briga política apenas. Mas ele em vários contextos, inúmeras vezes disse algo semelhante, como: "Tem gente que pensa que inteligência está ligado à quantidade de anos de escolaridade que você tem. Nada mais burro que isso." Em outro: "Vão morrer sem entender por que um metalúrgico que não tem diploma universitário é capaz de fazer mais do que eles." Enfim, a lista é interminável; a mensagem, a mesma: estudar não faz diferença.

Imagina o impacto disso na cabeça de milhões de crianças e adolescentes no Brasil! Estudar para quê? Se Lula é tudo isso, respeitado aqui e lá fora, e tem apenas o quarto ano primário? Saber inglês para quê? Se Lula vive dizendo que não precisou de inglês para chegar onde chegou? Isso é perigoso. É mandar os jovens andarem na contramão da era do conhecimento.

A formatura como torneiro mecânico, que emocionou a dona Lindu, era uma estupenda vitória para a família, num país que sempre desprezou a educação dos pobres. Lula foi, de início, vítima dos mesmos erros educacionais do Brasil que ferem outros jovens. As estatísticas permanecem sendo vergonhosas. Entre os 20% mais pobres, a escolaridade dos homens é hoje de menos de cinco anos. Lula é filho inicialmente desse Brasil que não incluiu os pobres na escola. Depois, a militância sindical foi abrindo portas para ele. Muitos outros brasileiros, quando tiveram chance, ainda que mais tarde, voltaram a estudar. O que o levou a fazer as opções que fez é assunto privado. O que é assunto de todos é a mensagem que passa. Lula deveria usar sua liderança para dar o incentivo oposto ao que tem dado nas inúmeras ocasiões em que elogiou-se por ter estudado pouco e conseguido tanto. Não há essa relação causal: ele conseguiu tanto porque estudou pouco. A causa do seu sucesso é outra: ele foi tão longe, apesar de ter estudado tão pouco, porque é inteligente e persistiu.

O presidente outro dia falou uma palavra mais difícil e depois brincou que Caetano não ia mais chamá-lo de burro. Louve-se seu bom humor, mas Caetano não disse isso. Na mesma entrevista ele disse que: "Ter tido Fernando Henrique depois Lula é um luxo. Ambos saíram melhor do que a encomenda." Na mesma entrevista, ele elogia as decisões de Lula na área econômica, como melhores do que as que José Serra tomaria se tivesse sido eleito em 2002.

Caetano contrapôs ao exemplo dele o da senadora Marina Silva. E de novo acertou. Como Lula, Marina veio da extrema pobreza. Teve ainda mais obstáculos no caminho da escola. Alfabetizou-se com 17 anos ao ir para Rio Branco tratar-se das enfermidades múltiplas que teve na infância. E nunca mais parou de estudar. Numa entrevista que fiz com Marina Silva, perguntei como tinha conseguido se alfabetizar no Mobral tão tarde e, mesmo assim, ter chegado à universidade. "Quando vejo uma fresta eu passo por ela", me respondeu. A história de Marina com a escola é inspiradora, seu exemplo é soberbo e deve ser exibido aos jovens do Brasil. E, como disse Caetano, tem fala elegante, bonita. "A vitória ou a derrota se mede na história", disse ela, quando saiu do ministério. Agora, que incluiu a questão ambiental e climática no programa de todos os candidatos, e nas decisões do governo, quem discordaria que a frase, além de bonita, foi profética?

O que me incomoda nas críticas veladas ou explícitas ao Caetano é, primeiro, que pouca gente se deu ao trabalho de ler toda a entrevista e entender a complexidade da mensagem que ele passou. Segundo, esse clima de endeusamento do presidente. Na carta que ele escreveu ao "Estadão", Caetano fala desse veto a tudo que não seja "adulação a Lula". Não existe tema tabu, e é bom ter um Caetano no país para, com sua irreverência, avisar que é proibido proibir. E o aviso dele veio em boa hora. O filme que projeta Lula como o herói sem defeitos vai para as telas exatamente quando ele precisa do mito para transferir votos para a sua candidata.

Outro dia sonhei com Dona Canô. Do nada, sonhei com ela. Não a conheço, não tive esse imenso prazer, mas quem não ama Dona Canô? Também amo. No sonho, conversava com ela sobre as sapatilhas de princesa que ela ganhou no aniversário de 100 anos. Em entrevista ao GLOBO, ela discordou do Caetano, mas avisou que não puxaria a orelha dele, sendo a única que teria esse direito. "É o jeito dele", disse.

O jeito dele faz bem. Sacode, faz pensar, provoca, incomoda, fica na memória, divide opiniões. Isso é bom, esteja você de que lado estiver. Caetano vai ser sempre assim. Por que não?

Enviado por Míriam Leitão e Alvaro Gribel - 21.11.2009 - 15h00m

Publicado em http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2009/11/21/ele-vai-por-que-nao-243265.asp

"Faroeste Caboclo", letra de música, Legião Urbana...

-Não tinha medo, o tal João de Santo Cristo,
Era o que todos diziam quando ele se perdeu.
Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda
Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu.
Quando criança só pensava em ser bandido,
Ainda mais quando com um tiro de um soldado o pai morreu
Era o terror da cercania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu.

Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar.
Sentia mesmo que era mesmo diferente
E sentia que aquilo ali não era o seu lugar
Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
E de escolha própria, escolheu a solidão

Comia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico, aos doze era professor.
Aos quinze foi mandado para o reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror.

Não entendia como a vida funcionava -
Discriminação por causa de sua classe ou sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem, foi direto a Salvador.

E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou com um boiadeiro com quem foi falar
o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem
Mas João foi lhe salvar.
Dizia ele: - Estou indo pra Brasília,
Neste país lugar melhor não há.
Estou precisando visitar a minha filha
Então fico aqui e você vai no meu lugar.

E João aceitou sua proposta e num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal.
- Meu Deus, que cidade linda,
No ano-novo eu começo a trabalhar.
Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga.

Na sexta-feira ia pra zona da cidade
Gastar todo seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô:
Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar.

E o Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar
Mas ele não queria mas conversa e decidiu que,
Como Pablo, ele ia se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E, sem ser crucificado, a plantação foi começar.

Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade:
- Tem bagulho bom aí!
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos traficantes dali.
Fez amigos, freqüentava a Asa Norte
E ia pra festa de rock, pra se libertar
Mas de repente, sob uma má influência dos Boyzinhos da cidade
Começou a roubar.

Já no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
- Vocês vão ver, eu vou pegar vocês.

Agora o Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal.
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou general.
Foi quando conheceu uma menina
E de todos seus pecados ele se arrependeu.
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele
Pra ela o Santo Cristo prometeu
Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
- Maria Lúcia pra sempre eu vou te amar
E um filho com você eu quero ter.

O tempo passa e um dia vem à porta um senhor de alta classe com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa e diz que quer uma resposta
Uma resposta de João:
- Não boto bomba em banca de jornal nem em colégio de criança
Isso eu não faço não
E não protejo general de dez estrelas, que fica atrás da mesa
Com o cú na mão.
E é melhor o senhor sair da minha casa
Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião.
Mas antes de sair com ódio no olhar o velho disse:
- Você perdeu sua vida meu irmão.

Você perdeu a sua vida meu irmão. Você perdeu a sua vida meu irmão.
Essa palavras vão entrar no coração
E eu vou sofrer as conseqüências como um cão.
Não é que o Santo Cristo estava certo
E seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira descobriu que tinha outro
Trabalhado em seu lugar
Falou com Pablo que queria um parceiro
E também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia e Santo Cristo revendia em Planaltina.

Mas acontece que um tal de Jeremias, traficante de renome
Apareceu por lá,
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que com João ele ia acabar.
Mas Pablo trouxe uma Winchester-22
E o Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que o Jeremias começasse a brigar.

(O Jeremias, maconheiro sem-vergonha, organizou a Rockonha
E fez todo mundo dançar.)

Desvirginava mocinhas inocentes
E dizia que era crente mas não sabia rezar.

E Santo Cristo há muito não ia pra casa
E a saudade começou a apertar
- Eu vou embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já tá em tempo da gente se casar.

Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia, Jeremias se casou
E um filho nela ele fez.

Santo Cristo era só ódio por dentro e então o Jeremias pra um duelo ele chamou
Amanhã às duas hora na Ceilândia, em frente ao lote 14, é pra lá que eu vou
E você pode escolher as suas armas que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia, aquela menina falsa pra que jurei o meu amor

Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter na televisão
Que deu notícia do duelo na TV
Dizendo a hora e o local e a razão.

No sábado então, às duas horas, todo povo
Sem demora foi lá só pra assistir
Um homem que atirava pelas costas
E acertou o Santo Cristo começou a sorrir.
Sentido o sangue na garganta,
João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e
A gente da TV que filmava tudo ali.

E se lembrou de quando era uma criança e de tudo que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
- Se a via-crucis virou circo, estou aqui.

E nisso o sol cegou seus olhos e então Maria Lúcia ele reconheceu
Ela trazia a Winchester-22
A arma que seu primo Pablo lhe deu.

- Jeremias, eu sou homem, coisa que você não é.
E não atiro pelas costas não.
Olha pra cá filha da puta, sem-vergonha,
Dá uma olhada no meu sangue
E vem sentir o teu perdão.

E Santo Cristo com a Winchester-22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João, seu protetor.

E o povo declarava que João de Santo Cristo era santo porque sabia morrer
E a alta burguesia da cidade não acreditou na história que eles viram na TV
E o João não conseguiu o que queria quando veio pra Brasília, com o diabo ter
Ele queria era falar pro presidente
Pra ajudar toda essa gente
Que só faz sofrer.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Anima, Milton Nascimento, letra de música...

Lapidar
Minha procura toda
Trama lapidar
O que o coração
Com toda inspiração
Achou de nomear
Gritando alma

Recriar
Cada momento belo
Já vivido e mais
Atravessar fronteiras
No amanhecer
E ao entardecer
Olhar com calma, então

Alma vai
Além de tudo
Que o nosso mundo
Ousa perceber

Casa cheia de coragem
Vida
Tira a mancha que há no meu ser

Te quero ver
Te quero ser

Alma

Te quero ser

Alma

Viajar
Nessa procura toda
De me lapidar

Nesse momento agora
De me recriar
De me gratificar
Te busco alma
Eu sei

Casa aberta
Onde mora o mestre
O mago da luz
Onde se encontra o templo
Que inventa a cor
Animará o amor
Onde se esquece a paz

Alma vai
Além de tudo
Que o nosso mundo
Ousa perceber

Casa cheia de coragem
Vida
Todo afeto que há no meu ser
Te quero ver
Te quero ser
Alma

Te quero ser
Alma

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Nada como um dia depois do outro, postagem cotidiana...

Coisa mais óbvia que muitas vezes negligencio (como tantas outras obviedades): há um dia depois do outro. Se hoje deu tudo errado, amanhã tudo pode mudar no abrir dos olhos.

Minha segunda-feira, que considero o primeiro dia da (minha)semana, começou com uma chuvarada danada. Acordei bem cedo, por volta de sete da matina. Pensei que, após duas semanas de intenso calor, em Friburgo e, mais ainda, no Rio, começaria a fase de muita chuva e persistência do calor. É assim nesta época de meados da primavera para o início de verão.

Fiquei pensando em como conseguimos nos adequar às situações, mas também em como podemos MUNDAR, ou mudar o mundo? Isso é complicado, mais complicado do que uma adequação básica.

Ontem, começou uma cúpula mundial de segurança alimentar que não teve a presença dos líderes do G-8... Fico me perguntando: que cúpula vem a ser esta? Tenho que concordar com Millor Fernandes quando escreve que "viver é uma coisa maravilhosa, mas não está dando para perceber".

A chuva passou, virou chuvisco, depois mormaço, depois voltou o sol. O calor não arredou pé...

Neste momento, já batiam umas nove da matina, comecei a analisar entrevistas que vou aproveitar na minha futura dissertação de mestrado... gosto de aproveitar ao máximo o que foi coletado enquanto conteúdo durante meu extenso trabalho de campo. Comecei a refletir sobre um problema do (pretenso) "cientista" social. Além do fato de seu objeto falar, ele escrevepensa em um cotidiano que não é previsível. Tá aí! Talvez seja por isso que eu queira entender o que é este cotidiano. Mais que isso, pretendo narrar o que percebosinto mais do que conhecer, o que seria pretensão demasiada.

Afinal, quem ainda acredita que exista separação contexto-objeto para além do formalismo das nossas folhas de papel? Além disso, quem acredita que escreve sobre a realidade e não apenas sobre uma realidade que construímos? Piraçõesreflexões epistemológicasmetodológicas seríssimas para uma segunda-feira, primeiro dia da (minha) semana.

Depois de ter ido à rua comprar minhas passagens para quinta (véspera de feriado para quem anda de ônibus intermunicipal monopolizado, como no estado do RJ, é foda!) sem sucesso (pois o "sistema estava fora do ar), me envolvi em um diálogo no Twitter (minha nova sensação).

Neste diálogo, cheguei a conclusão (para mim) de que Lula já foi canonizado (em uma esfera trans-religiosa e popular), gerando um tabu da impossibilidade crítica entre os políticos atuais. Temos uma espécie de medo da punição das urnas,especialmente entre aqueles qualificados como sendo "de oposição". E agora?

Enquanto isso não temos projeto diferenciado de futuro de país a escolher. José Serra (PSDB-SP) não representa qualquer diferença: acabará "ardendo no fogo do inferno" (metaforicamente falando, claro!). Por isso, se cala: para não sangrar rápido demais. Quando começar o jogo eleitoral de fato, acontecerá como Lula em 1994: esfarelará sua (ampla) lideranças nas pesquisas de opinião. Definitivamente fica complicado votar em Serra... mesmo simpatizando com a pessoa dele, sua inteligência e tal. Bem difícil que meu voto vá para ele.

Mas será que é de Dilma que o Brasil precisa? Eu não consigo concordar com isso, mas posso ser convencido. Talvez essa sensação se dê porque nunca fui do PT...

Por hora, Marina é opção mais atraente (para mim, claro), mas será que sua candidatura aguenta chegar com força, se não para ganhar, mas para influenciar decisões de um próximo governo?

Não tenho "medo", pois a "esperança" pode vencê-lo e esse filme já vimos... O problema é o projeto de país que queremos! Estamos comemorando redução do desmatamento, mas ele continua, já não era para ter parado? Atualmente, esta questão é um diferencial competitivo internacional. A questão do desmatamento é apenas uma...

Enfim, por causa destas elocubrações políticas e das pirações epistemológicasmetodológicas acabei considerando a segunda (ontem) um dia de baixa produtividade acadêmico-científica. Hoje o jogo mudou! Por isso me alegro com a constatação de que "nada será como antes amanhã", cantada por Milton Nascimento.

Hoje foi legal, consegui avançar bem no sentido de escrever, escrever e escrever para depois organizar, escrevendo, tudo aquilo que escrevi hoje. Vai entender a (minha?) produção. A escrita de hoje envolver consumo político, mais especificamente sobre a politização individual advinda dos riscos inerentes ao consumo de alimentos nas sociedades contemporâneas.

Poxa! Depois de escrever sobre esse assunto, consegui até comer três torradas com manteiga com café no meio da tarde.

Tendo terminado a minha tarefa, fui bandear, dar uma voltinha pelas ruas friburguesas, "ver as modas" e "mandei pra dentro" uma fatia de pizza do Califórnia, com bastante Katchup e mostarda, acompanhando um mate leão industrializado. Ficamos papeando de forma bacana, eu e a amiga (continuo com a mania de não nominar...). Ela me deixou em casa, já passava das 22 horas.Já batia fome novamente. Meu pai havia preparado um franguinho com uma salada de alface, tomate, milho e cebola.

Sobrou...

Bem, nem precisa dizer que comi tudo!

Ainda deu tempo de adiantar uma tarefa combinada com a minha orientadora de mestrado e redigir esta postagem sobre meu cotidiano.

Para que? Para mim, em primeiro lugar, para deixar registrado o meu ritmo cotidiano de pensar, fazer e como isso ocorre na minha visão. E só pode ser na minha visão, né?

Quero ver se consigo repetir isso mais constantemente (a postagem, não o texto, senão vou chegar a conclusão de que estou sendo rotineiro... afinal, quem de nós, humanos, não é?).

Uma boa noite!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Do it, letra de música, Lenine & Ivan Santos

Tá cansada, senta
Se acredita, tenta
Se tá frio, esquenta
Se tá fora, entra
Se pediu, agüenta
Se pediu, agüenta...

Se sujou, cai fora
Se dá pé, namora
Tá doendo, chora
Tá caindo, escora
Não tá bom, melhora
Não tá bom, melhora...

Se aperta, grite
Se tá chato, agite
Se não tem, credite
Se foi falta, apite
Se não é, imite...

Se é do mato, amanse
Trabalhou, descanse
Se tem festa, dance
Se tá longe, alcance
Use sua chance
Use sua chance...

Se tá puto, quebre
Ta feliz, requebre
Se venceu, celebre
Se tá velho, alquebre
Corra atrás da lebre
Corra atrás da lebre...

Se perdeu, procure
Se é seu, segure
Se tá mal, se cure
Se é verdade, jure
Quer saber, apure
Quer saber, apure...

Se sobrou, congele
Se não vai, cancele
Se é inocente, apele
Escravo, se rebele
Nunca se atropele...

Se escreveu, remeta
Engrossou, se meta
E quer dever, prometa
Prá moldar, derreta
Não se submeta
Não se submeta...

sábado, 14 de novembro de 2009

Sociedade de risco global, modernização reflexiva e individualização

Como recentemente, em decorrência do apagão (ou blecaute, afinal ficou tudo escuro, sem luz elétrica em 18 estados brasileiros...), alguns políticos, como o atual governador de São Paulo e líder disparado nas pesquisas de opinião para a presidência da república nas eleições do ano que vem, José Serra (PSDB-SP), destacaram a necessidade de controle total sobre a natureza, quero dizer que acho isso muito difícil nos dias atuais, para não dizer impossível... Daí a idéia de compartilhar uma reflexão sobre sociedade de risco e Ulrich Beck, que aparece sistematizada em meu projeto de qualificação do mestrado, apresentado em maio deste ano no âmbito do CPDA/UFRuralRJ sob título: "Ambientalização e polítização da vida cotidiana: uma etnografia do engajamento em práticas de consumo de alimentos orgânicos". Use com moderação, de preferência citando... boa leitura! 

A sociedade de risco global, definida por Beck (2002), reflete uma nova conexão entre o problema da natureza, a democratização da democracia e o papel futuro do Estado, na qual a autonomia individual, a insegurança no mercado de trabalho e nas relações de gênero e uma influência arrasadora das mudanças científicas e tecnológicas levam a uma supremacia do risco que provoca a abertura do discurso público e das ciências sociais aos desafios da crise ambiental, que são simultaneamente globais, locais e pessoais[1].

A sociedade de risco global é reflexiva em três sentidos. Primeiro, os perigos globais estabelecem reciprocidades mundiais e, potencialmente, começa a se formar uma esfera pública global. Segundo, a globalização, percebida por uma civilização que coloca a si mesma em perigo, impulsiona o desenvolvimento de instituições internacionais cooperativas. Terceiro, os limites do político esmorecem e o aparecimento de uma subpolítica global e direta conduz a “alianças de crenças mutuamente excludentes” de alcance mundial (BECK, 2002, p. 30).

Para o autor, a modernização reflexiva é uma auto-confrontação pela abstração e pela expectativa de que os indivíduos dominem oportunidades arriscadas em um ambiente de incerteza caracterizado pela crise ambiental e pela impossibilidade de controle em contextos abertos à crítica radical. O vazio das instituições e o renascimento não-institucional da esfera política em luta por uma nova dimensão do campo político compõem a ambivalência de um engajamento múltiplo contraditório. 

Neste sentido, Beck (2002) considera o fato dos indivíduos reproduzirem constantemente o sistema social em suas atividades cotidianas. Desta forma, a realidade pode ser reduzida tanto aos pontos de vista do indivíduo quanto dos sistemas sociais em que estes indivíduos vivem, constituindo uma controvérsia nas ciências sociais sobre qual lado priorizar. O autor entende os sistemas sociais como ficções produzidas pelos indivíduos na medida em que estes contrapõem a auto-referencialidade característica dos sistemas à dependência das realidades e ficções relacionadas com a cultura em que os indivíduos vivem.  

Com isso, tanto a incompletude do conhecimento quanto o fato de que o acúmulo de conhecimento apenas supõe mais incerteza fazem com que a tomada de decisões nas atuais condições de incerteza fabricada[2] evidencie uma inter-relação entre os conflitos e as lógicas de distribuição dos bens e dos males, produzidos pela sociedade do risco, que supera os fundamentos do cálculo de risco[3].

A sociedade de risco global é, portanto, autocrítica e política e necessita reinventar o diálogo transnacional da política, da democracia e da sociologia para discutir as questões emergentes das sociedades contemporâneas. Beck (2002) descreve uma sociedade individualista e moralista, a partir do momento em que a ética da auto-realização e do sucesso individual se tornou a corrente mais poderosa para escolher, decidir e configurar os indivíduos que desejam ser autores de sua vida e criadores de suas identidades.

A globalidade encontra-se presente na imaginação, na ação e na organização políticas de um novo cosmopolitismo entendido como um sentido de coesão social que reconhece a individualização, a diversidade e o ceticismo inscritos nesta cultura. A individualização pode ser definida como sendo “primeiro, a desincorporação e, segundo, a reincorporação dos modos de vida da sociedade industrial por outros modos novos em que os indivíduos devem produzir, representar e acomodar suas próprias biografias” (BECK, 1997, p. 24). Com isso, o autor entende que a individualização se torna a forma social da globalização enquanto a compulsão surge como característica principal deste retorno dos indivíduos à sociedade.

Além disso, Beck (2002) percebe o mundo como um sistema de auto-ameaças ambiental-industriais que transformam a moralidade, a religião, o fundamentalismo, a desesperança, a tragédia, o suicídio e a morte em um drama universal, caracterizando um teatro da vida real, com a presença de ingredientes como a salvação e a ajuda. Em uma sociedade de risco global os desafios produzidos pela civilização não podem ser delimitados socialmente.

O autor entende, ainda, que os problemas ambientais são inerentes à sociedade e não ao meio ambiente ou ao mundo que nos rodeia. Com isso, Beck (2002) procura superar o dualismo entre sociedade e natureza ao enfatizar a incerteza fabricada — por meio de noções como risco, perigo, efeitos colaterais, seguridade, individualização e globalização — como contraponto às idéias de natureza, de ecologia e de meio ambiente.

Neste sentido, a escala e a urgência da crise ambiental variam de acordo com percepções e avaliações intra/interculturais na medida em que os perigos só se convertem em questões políticas se as pessoas passam a ter consciência deles, ou seja, são construções sociais que se definem, se ocultam ou se dramatizam estrategicamente na esfera pública. com ajuda de materiais científicos providos pela definição, ocultamento ou dramatização destes perigos. 

Na teoria de Beck, a vida privada aparece como uma esfera de novos conflitos políticos, uma vez que o microcosmo das condutas pessoais se inter-relaciona com o macrocosmo dos problemas globais. Este autor destaca, ainda, a crise ambiental como um discurso de autoconfrontação que exige a reconsideração das práticas institucionais que o produziram.  

A forma direta com que as pessoas falam da natureza e da destruição da natureza na vida cotidiana, na visão deste autor, esconde uma estratégia paradoxal de construção da desconstrução, na medida em que se destrói reflexiva e poderosamente a impressão de que este discurso foi construído, produzindo-se uma aparência de realidade em si. Desta forma, ao invés de tratar de “problemas do meio ambiente”, Beck (2002) trata de uma profunda crise institucional da primeira fase da modernidade industrial.  

Beck (2002) também considera que os riscos e perigos estão presentes nas práticas de consumo a partir do momento em que a cultura e a natureza se misturam em uma natureza contaminada pelas atividades humanas. O conceito de sociedade do risco global, portanto, pode ser entendido pela virtualidade real de um futuro ameaçador que se torna um padrão de influência para a ação presente. Desta forma, o conhecimento e o desconhecimento são materializados em conflitos de reconhecimento em um contexto que reconstitui simultaneamente o global-local, em um mundo híbrido criado pelo homem que abandonou o dualismo natureza-cultura.

Neste contexto de modernização reflexiva, caracterizado por uma retroalimentação entre a globalização e a individualização, as práticas de consumo passam a incorporam os riscos e perigos de uma natureza contaminada pelas ações humanas, abrindo novas possibilidades de ação política e autonomia na esfera individual.

A perspectiva de Beck (2002) torna-se importante para compreender o objeto de pesquisa deste projeto, o que fica evidente com a ênfase que coloca na necessidade de entender a questão ambiental de uma forma multidimensional, ou seja, em suas dimensões global, local e pessoal. Deste modo, o autor enxerga o indivíduo e a vida cotidiana como esferas para a emergência de novos conflitos e ações políticas por meio de uma abordagem que considera a crise ambiental e as incertezas por ela geradas como um caminho para reconsiderar as práticas institucionais que produziram esta crise.

REFERÊNCIA:
CASTAÑEDA, Marcelo. Ambientalização e politização da vida cotidiana: uma etnografia do engajamento em práticas de consumo de alimentos orgânicos. Projeto de mestrado, qualificado em maio de 2009, CPDA/UFRuralRJ.
BECK, U. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: GIDDENS, A. et ali. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997, pp. 11-71.
____. La sociedad del risco global. Madrid: Sieglo XXI de Espana Editores S.A., 2002. 
GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991. 

[1] A globalidade do risco não significa uma igualdade global do risco. Beck (2002, p. 8) destaca, como uma “primeira lei dos riscos do meio ambiente”, que “a contaminação segue o mais pobre”. A intensificação da pobreza, ao longo da década de 1990, com o aumento da distância entre ricos e pobres e da quantidade de pessoas pobres, é associada pelo autor à imposição das políticas de livre mercado aos países endividados, obrigando-os a desenvolver indústrias que abastecem as parcelas abastadas ao invés de proteger, educar e cuidar dos mais pobres.
[2] Em uma perspectiva de reflexão institucional (GIDDENS, 1991), as incertezas fabricadas surgem como uma mistura de risco, conhecimento e desconhecimento e reflexividade, configurando um novo tipo de risco. Ao tratar de riscos não-seguráveis, Beck (2002) destaca que a sociedade moderna aborda as incertezas fabricadas auto-geradas por meio de uma distinção entre (1) riscos que dependem de decisões e podem ser controlados e (2) perigos que escaparam ou neutralizaram os requisitos de controle da sociedade industrial, tanto (a) falhas das normas e instituições da sociedade industrial, como, por exemplo, quando os seguros são desprezados por setores que não tem acesso a ele; quanto (b) o modelo de decisões da sociedade industrial e a globalidade de suas conseqüências agregadas, ao identificar normas e irresponsabilidade organizada, em um movimento circular entre a normalização simbólica e as ameaças permanentes e de destruição material.
[3] Beck (2002) destaca, como exemplo, a impossibilidade de superação financeira dos danos com milhões de desempregados e pobres ou de um seguro contra a recessão global ou a catástrofe ecológica. Por outro lado, as conseqüências sociais dos riscos financeiros globais compreendem mudanças culturais e políticas que solapam as burocracias, desafiam o domínio da economia clássica e do neoliberalismo e proporcionam um redimensionamento das fronteiras e frentes de batalha da política contemporânea.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Reticências, poesia...

Abri o jornal de domingo que há tempos não lia

Um jornal que nem era da cidade em que estou (e vivo), nem do estado em que estou (e vivo), mas era do país em que estou (e vivo)

E fazia diferença?

Globalização

E minha cabeça estava alguns dias antes

Memória, madrugada, noite

Um olhar e um sorriso até então nunca vistos (será sempre assim que acontece?)

Irreverente

Envolvente

Inteligente

Facilmente capturou meus olhares

Fui atraído como um imã

Atraído ou percebi algo diferente ali? (não seria a mesma coisa?)

Sei lá

Já não sei de nada

Nem quero saber

Não importa em nada além da memória boa que trago em mim daquele momento

Até porque o “saber” é terminal, fim de linha, ponto final que não gosto de usar

Então, deixo aberto... adoro reticências

Quero reticências

Carinhosas e intensas

E a vida que continua

Virei a primeira página, o mundo num pedaço de papel em um domingo calorento

E a mente não mente, mas pensa, lembra, deseja

Quando será mesmo que nos veremos?

Não sei

Não importa saber...

Se estamos nos vendo o tempo todo em minha mente, na minha frente

Só agora

Neste momento mental que materializo na escrita de uma tela de computador

Esta coisa toda que vem a mente

Que mente pra mim ao me fazer dizer que não me importa

Pois importa...

“Me diz, me diz, como é que se diz ‘eu te amo’”

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Baticum, letra de música, Chico Buarque, sempre genial...

Bia falou: ah, claro que eu vou
Clara ficou até o sol raiar
Dadá também saracoteou
Didi tomou o que era pra tomar
Ainda bem que Isa me arrumou
Um barco bom pra gente chegar lá
Lelê também foi e apreciou
O baticum lá na beira do mar
Aquela noite tinha do bom e do melhor
Tô lhe contando que é pra lhe dar água na boca

Veio Mané da Consolação
Veio o Barão de lá do Ceará
Um professor falando alemão
Um avião veio do Canadá
Monsieur Dupont trouxe o dossier
E a Benetton topou patrocinar
A Sanyo garantiu o som
Do baticum lá na beira do mar
Aquela noite
Quem tava lá na praia viu
E quem não viu jamais verá
Mas se você quiser saber
A Warner gravou
E a Globo vai passar

Bia falou: ah, claro que eu vou
Clara ficou até o sol raiar
Dadá também saracoteou
Didi tomou o que era pra tomar
Isso é que é, Pepe se chegou
Pelé pintou, só que não quis ficar
O campeão da Fórmula 1
No baticum lá na beira do mar
Aquela noite
Tinha do bom e do melhor
Só tô lhe contando que é pra lhe dar água na boca

Zeca pensou: antes que era bom
Mano cortou: brother, o que é que há?
Foi a G.E. quem iluminou
E a Macintosh entrou com o vatapá
O JB fez a crítica
E o cardeal deu ordem pra fechar
O Carrefour, digo, o baticum
Da Benetton, não, da beira do mar

Identidade social e natureza: tensões entre saberes na assessoria técnica em assentamentos rurais, Roberto Moreira e Eli Napoleão de Lima, fichamento

1. Compreensão dos condicionantes sociais que atuam na interação entre técnicos e agricultores em assentamentos rurais de reforma agrária, com foco em esclarecer as diferenças entre os saberes técnicos agropecuários e os saberes cotidianos dos agricultores assentados => visões distintas de Natureza: leis naturais (técnico, visão da ciência) X leis da vida (vistas pela cultura a qual ele pertence). Os focos analíticos são a formação do técnico (socialização e institucionalização) e os condicionantes sociais e históricos que imprimem especificidades na socialização dos agricultores assentados, assim como o espaço social do assentamento => abordagem a partir da compreensão das identidades sociais contemporâneas: entender o lugar social dos atores principais da assessoria técnica e as motivações das ações oriundas das suas distintas visões de mundo.

2. Identidades sociais: fundamentos analíticos e problematização

(I) Identidades múltiplas: abertura a diferentes valores, hábitos e crenças; manifestação de suas diferentes facetas aparece em redes de pertencimento diferenciadas e reflexivas (processos sociais e manifestações) => identidades sociais são entidades sociais construídas em co-determinações complexas, resultantes de múltiplos processos sociais, portanto, são relacionais e reflexivas: toda identidade tem uma sociohistória em um lugar social, um espaço social e um território social, contém ainda uma história de sua nacionalidade, sua família, sua língua e do ser individual que é => uma identidade social é complexa, múltipla e aberta às relações que a conformam, contendo elementos de seu passado e de suas expectativas, desejos e aspirações de futuro: tanto o passado quanto o futuro interagem nas ações presentes de cada um de nós => uma identidade tem uma visão de si mesma e das outras identidades sociais e do todo social, seus saberes estão apoiados em um conceito de natureza e só pode ser compreendida a partir das relações sociais que a conformam.

(II) As palavras, mais corretamente a língua, é um sistema simbólico que funciona como instrumento de conhecimento e construção do mundo: somos “educados” com e por meio da linguagem, que dá clareza ao nosso conhecimento e reforça os comportamentos, hábitos e valores => processo de socialização: somos gradativamente introduzidos ao mundo e a uma determinada ordenação do mundo que está representada pelo universo das palavras, mas não só por este universo => os sentidos das coisas que apreendemos fazem parte de uma visão de mundo, de uma cultura, que representa um mundo ordenado pelas relações entre coisas e pessoas, bem como valores sociais (morais e éticos) que distinguem as coisas e pessoas que seriam melhores e piores ou mais e menos importantes => o sistema lingüístico (língua) representa as estruturas de poderes que ordenam aquela sociedade e aquele mundo => língua representa a capacidade do ser humano de criar uma organização do mundo, de pensar segundo essa forma de compreender o mundo e de agir segundo essa forma de pensar.

(III) A realidade da cultura na qual estamos sendo socializados ou a visão de mundo é composta pelo que é objetivamente conhecido (realidade objetiva) e o que é objetivamente desconhecido (realidade subjetiva) => Natureza/essência/identidade desse mundo é a totalidade desses valores e compõe as leis da vida daquela cultura: desta totalidade significativa retiramos os fundamentos e os sentidos de nossas ações => nosso corpo (objetivo) e a mente (subjetivo) são uma unidade socialmente construída, que contém elementos e processos objetivos e subjetivos, que percebemos pelos sentidos corpóreos e pela imaginação, que nos orientam sobre o que é certo e errado, e o que é bom e mau, dentro outras orientações.

(IV) Indivíduo e sociedade são construídos em processos de co-determinação complexa => história corporificada: forma de pensar e ser que tendemos a perceber como nossa, trata-se da sociedade presente em nosso interior, em nossas mentes e em nossos valores, parte componente do nossa mundo subjetivo => processo de naturalização da sociedade ou reificação: socialização tende a tornar natural aquilo que, no passado, foi criação social, constituindo um dos mais fortes processos de conservação do mundo.

(V) Símbolos: diversas formas dos humanos de conhecer o mundo em que vivem e de representar e comunicar aos outros suas vivências e experiências desse mundo (língua).

(VI) Narrativa materialista: o ser humano, ao produzir as condições de sua existência, produz a si mesmo e o mundo em que vive => em tempos históricos e em lugares distintos, diferentes sistemas de sons e de signos podem ter gerado sociedades e civilizações distintas, culturas e visões de mundo distintas.

(VII) A construção social do mundo tem elementos que se originam (a) de relações dos sentidos corpóreos dos humanos com seus semelhantes, que refletem também suas relações com os fenômenos e eventos da natureza (aparecem na cultura); e (b) de relações imaginárias oriundas de processos mentais e interacionais, que constituem seus sistemas simbólicos de representação do mundo (significados culturais) => sistemas simbólicos representam o mundo natural para os humanos, mas não a natureza em si, ou são representações humanas sobre o mundo natural.

(VIII) Realidade humana: história objetivada e história subjetivada de uma cultura => reconhecer os limites do conhecimento científico, que requer demonstração: incerteza e indeterminações => religiões: crença (fé) sobre os sentidos da vida e da morte => vertente idealista.

(IX) Os autores afirmam que a agri-cultura dos técnicos funda-se nas leis da natureza e na crença de que o conhecimento científico dá acesso à verdade dessas leis; a agricultura dos agricultores assentados funda-se na crença em uma natureza criada por Deus, cujo sentido de verdade funda-se nas leis divinas, que orientam a vida e não apenas a produção.

(X) Poder como elemento das relações sociais: território, socialmente construído, e os sentidos de propriedade deste território => assimetrias de poderes e poderes assimétricos, poderes hegemônicos e contra-hegemônicos, ou subalternos: unidade da multiplicidade de indivíduos é constituída pela capacidade de determinados setores da sociedade de instituírem como comuns os seus interesses setoriais (força militar, Constituição...) => a totalidade do social, que identifica todos como iguais em algum sentido, tem por substrato um poder hegemônico que tende a dominar o conjunto social, apesar do espaço para crítica e mudança => poder hegemônico não é sempre visível porque foi naturalizado nas instituições sociais e nas mentalidades, mas temos o poder de crítica e de criação dentro de cada um de nós => incorporação da história: socialização primária (visão de mundo) e socialização secundária (interiorização de submundos).

(XI) Os movimentos sociais em luta pelo acesso à terra e os assentamentos que hoje estão presentes em nossa estrutura social são resultados inesperados dos processos sociais brasileiros e dos processos atuais de globalização do mundo => hipótese: representam novas instituições e mentalidades, assentamento seria um mundo particular que estaria sendo criado, diferente dos mundos e bairros de sitiantes, colonos e das fazendas.

3. Identidade social e saberes do técnico agropecuário.

4. A identidade social e saberes do agricultor assentado.

5. A identidade complexa do assentamento:

(I) fenômeno social presente no espaço-tempo, que pode ser visualizado como uma representação social de uma comunidade por duas ordens de complexidade: estrita (relações internas e locais) e ampla (presença das instituições externas, nacionais e globais).

(II) Identidade “assentamento” seria resultado da expressão de interesses das famílias assentadas e do governo, bem como das influências do mercado, dos agentes políticos partidários, de lideranças municipais e dos técnicos, educadores, agentes de saúde => todos esses atores sociais estão presentes (ou ausentes) nas relações que se estabelecem entre as diversas famílias assentadas e suas organizações associativas (de representação ou associações comerciais e de produção) => cada família toma suas decisões neste emaranhado de relações sociais e dentro dos sistemas de hierarquia estabelecidos no interior da própria família.

(III) Indagações contemporâneas: políticas educacionais e os interesses hegemônicos que orientam as políticas de desenvolvimento sempre estiveram em sintonia no Brasil.

REFERÊNCIA:
COSTA, L.F.C; FLEXOR, G; SANTOS, R. (orgs.) Mundo Rural Brasileiro. Ensaios interdisciplinares Mauad X-EDUR, Rio de Janeiro - Seropédica, 2008.

"O dilema dos transgênicos", Gian Mario Giuliani, fichamento

1. Rápidos avanços no campo da manipulação das componentes fundamentais dos seres vivos tornam os cientistas ainda mais responsáveis pela vida e a saúde da população => os mais importantes laboratórios que fazem pesquisa avançada no campo da bioengenharia sob controle de grandes companhias preocupadas com aplicações tecnológicas => resultados da ciência prospectam possibilidade de altos lucros para empresas que financiam as pesquisas: quem pode assegurar que tais produtos sejam benéficos para os consumidores e o meio ambiente?

2. Produtos transgênicos: benéficos ou perigosos? Apesar de considerar os benefícios da engenharia genética (capacidade de reproduzir a base dos medicamentos através de bactérias ou plantas e de poder transformar produtos convencionais em medicamentos ou realizar o seqüenciamento completo de bactérias que infestam as lavouras), Giuliani (2008), aponta três aspectos de problemas:

(I) em relação à segurança alimentar: não se sabe como funcionam as toxinas e substâncias alergênicas nos produtos modificados nem quais podem ser os efeitos destas a longo prazo e como podem afetar a cadeia alimentar;

(II) com relação ao meio ambiente: não se sabe (a) como é possível controlar a eventual criação imprevista de novas plantas e de plantas daninhas; (b) como é possível controlar a transferência de genes para parentes próximos, de maneira a não poluir outras plantações; (c) como calcular as eventuais perdas em termos de biodiversidade e controlar o desperdício de recursos biológicos; (d) como prever efeitos adversos aos diversos ciclos ecológicos.

(III) com relação aos aspectos socioeconômicos: não se sabe como limitar o poder oligopólico das empresas produtoras de sementes, a concentração de conhecimento, bem como regular a questão da propriedade intelectual e atenuar a competitividade no setor agrícola ou reduzir a fome no mundo.
Europa X EUA

3. Os transgênicos no Brasil: autonomia ou alinhamento? Projeto Genoma, Esalq/USP X leis brasileiras impõe que o cultivo de um produto geneticamente modificado seja efetuado em áreas restritas e, antes de ser liberado para produção, comércio e uso, seja monitorado pela CTNBio e seus consultores durante cinco anos para que se possa avaliar o impacto ambiental que o produto provoca.

4. As polêmicas, os entraves e as disputas no Brasil: além do plano dos debates científicos e institucionais, a luta a favor e contra a introdução dos transgênicos se dá em diferentes níveis: informação, embate político e ação jurídica => dois casos: Rio Grande de Sul e navio carregado de milho transgênico que vinha a Argentina com destino aos criadores de aves pernambucanos.

5. O homem ajuda ou combate a natureza?

6. O que fazer? Questão dos transgênicos como campo de enfrentamento entre duas concepções de ciência: suporte direto das forças produtivas X dever primordial de garantir a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente => quanto mais se aprofundam os conhecimentos, mais se percebe que a natureza se torna inatingível => reforma de valores:

(I) deixar de pensar que os parâmetros econômicos e o lucro das empresas são fundamentais instrumentos de avaliação de “eficiência”, ao invés da produção de bens e serviços socialmente úteis e utilização inteligente de toda força de trabalho disponível;

(II) deve tornar positivo e hegemônico o “princípio da precaução”: (a) realização de mais pesquisas; (b) controle social do poder que a indústria tem de impor seus produtos; (c) vigilância, eficiência e eficácia do Estado no sentido de assegurar a vida da população; (d) disponibilidade de informações para escolhas conscientes; (e) suspensão da produção e comercialização dos alimentos geneticamente modificados até que se tenha conhecimentos mais sólidos a respeito de seus efeitos sobre a vida dos consumidores, o meio ambiente e a biodiversidade => um problema tão grave quanto a falta de alimentos refere-se à qualidade dos produtos para nossa alimentação. Neste sentido, a batalha contra a manipulação dos alimentos deve ser conduzida para além da preocupação com a saúde, mas também da reapropriação das sensações e dos gostos em via de extinção (Europa X EUA) => experiência também pesa.

REFERÊNCIAS:
COSTA, L.F.C; FLEXOR, G; SANTOS, R. (orgs.) Mundo Rural Brasileiro. Ensaios interdisciplinares Mauad X-EDUR, Rio de Janeiro - Seropédica, 2008.

“'Com a boca torta pelo uso do cachimbo'. Estado e empresários agroindustriais no Brasil, Regina Bruno, fichamento

1. As lideranças empresariais rurais e agroindustriais defendem que apenas a livre iniciativa garantirá competitividade para fazer frente a um novo modelo de desenvolvimento. Entretanto, em meio à crítica ao protecionismo estatal, em inúmeras situações, estas lideranças exigem a tutela e os favores do Estado, cujo “dever primeiro” deveria ser protege-las nas situações consideradas “difíceis”.

2. Reflexão sobre empresários agroindustriais como atores políticos: registro do modo com que representantes das associações patronais agroindustriais explicitam a sua relação com o poder público, como definem o papel do Estado na sociedade e como se concebem e se auto-representam => apesar da defesa do mercado e de uma maior institucionalidade prevalece a visão de um Estado tutelar, protetor e provedor, bem como uma cultura do favor, as relações oficiosas e a revalorização de velhos recursos de patronagem, realimentados pelo Estado => defesa da primazia do mercado ou do Estado dependerá do que melhor convier aos seus propósitos e do que melhor se ajustar aos seus objetivos.

3. Com as transformações da sociedade e do Estado (redemocratização nos anos 1980 e globalização a partir dos anos 1990), as associações por produto e multiproduto se transformaram em fonte e expressão de poder, que orientam o conjunto dos empresários agroindustriais a determinados modelos de comportamento e difusão de uma linguagem comum. Mesmo com divergências e concorrência entre si, procuram novas formas de negociação com o poder público e buscam uma nova racionalidade => nova postura: mais ofensivo, aprender a tomar iniciativa, ter uma visão estratégica dos “mercados”, dos impostos e dos negócios X ainda não se conformaram novos canais suficientemente institucionalizados de representação e de mediação capazes de representá-los => se consideram despreparados e o Estado brasileiro mais despreparado para enfrentar a globalização: crítica ao “elitismo” e ao “autoritarismo” dos tecnocratas como expressão de disputas de poder.

4. Plano político: afirmam que o Estado (como mediador de interesses sociais conflitantes) mostra-se historicamente incapaz de neutralizar os conflitos fundiários e acabar com a violência: a intervenção “paternalista” e “assistencialista” do Estado teria criado uma série de problemas para a agricultura. Neste sentido, a tutela do Estado sobre a sociedade é considerada “inaceitável”, “nociva” e “perniciosa”, sendo o intervencionismo estatal responsável pela gradativa perda de representação e pela redução do poder de decisão do empresariado rural. Mas não faltam aqueles que reivindicam uma maior interferência do Estado porque a agroindústria é “frágil para enfrentar as pressões do mercado externo” ou a agricultura uma “atividade de alto risco”, e até mesmo aqueles favoráveis à interferência direta do Estado nas disputas internas e na própria organização patronal, considerando que a transferência de responsabilidade para a iniciativa privada estaria sendo feita de forma “abrupta e violenta”, sem tempo para constituir um novo centro de decisão sob a responsabilidade da classe empresarial. Desta forma, defendem a tutela do Estado como garantia de acesso a maiores “privilégios”, “poderes”, “favores” e “proteção”.

5. Representação que os presidentes das associações agroindustriais fazem do Estado e de si próprios revela inúmeros componentes ideológicos e a cristalização de determinados habitus de classe: Estado como único responsável pelas mazelas da sociedade e pelos impasses da agricultura e da agroindústria, se eximindo de qualquer responsabilidade social e política => defendem que um maior investimento do Estado na agricultura contribuiria para a fixação do homem ao campo e uma melhor distribuição de renda X a produção de bens sofisticados não resolveria a questão social => percebem uma estrutura social no campo “irremediavelmente seccionada e dividida”: de um lado, a agricultura economicamente competente, estruturada e profissionalizada, de outro, a “agricultura marginal e de subsistência”, que sempre necessitará de subsídios do Estado e “de nossos impostos para os agricultores permanecerem na roça”.

6. Estado como único culpado pelo recrusdecimento da violência no campo e pelo aparecimento do MST: ausência de políticas públicas “preventivas”, bem como de uma política de extensão rural para o pequeno agricultor. Todos defendem que o Estatuto da Terra e as medidas desapropriatórias são “paternalistas” e a solução seria uma reforma agrária de mercado => culpabilização do Estado pela ausência de uma política agrícola “neutralizadora dos riscos”, bem como pelo intenso e acelerado processo de concentração agroindustrial, pela descapitalização do setor (política de tributação implementada, entrada indiscriminada de grupos internacionais, juros altos, irracionalidade do sistema viário, ausência de infra-estrutura moderna, instituição de uma política ambiental e florestal autoritária). As estratégias mais gerais de política econômica seriam responsáveis pela implementação de um modelo de desenvolvimento “seletivo e concentrador”.

7. Na prática cotidiana, três aspectos chamam atenção: (I) avaliação de uma imensa reciprocidade de interesses entre o Estado e os empresários; (II) o peso dos canais de intermediação oficiosos, convivendo lado a lado com a representação legal; (III) a predominância de ações individuais orientadas para o benefício próprio.

8. Reflexão sobre a prática política do patronato agroindustrial no Brasil permanece um problema crucial no âmbito das ciências sociais porque tanto as interpretações fundadas na atribuição de um papel histórico transformador do empresariado quanto aqueles que remetem à racionalidade da ação empresarial tendem a considerá-lo um grupo homogêneo e moderno, com dificuldade de perceber determinados perfis de conduta política que não correspondem aos padrões esperados.

9. Observações finais:

(I) Delgado destacou a ausência do Estado como formulador de políticas, o que acirra ainda mais a disputa existente entre os setores e reforça a tendência das cadeias produtivas em investir em benefício próprio: os ganhos e perdas dependem de fatores como (a) poder econômico e político da classe empresarial; (b) da história de cada setor; (c) da força do lobby, do peso de “seu deputado”; (d) das relações de parentesco => ausência do Estado faz com que o “capital político” do setor agroindustrial assuma um espaço determinante e privilegiado na dinâmica do processo econômico e no objetivo de uma maior competitividade, rentabilidade e lucro do setor => realidade que produziu, produz, reproduz e aprofunda um determinado estilo de competição entre os grupos e cadeias produtivas: as divergências existentes se aprofundam e os lucros e o capital já não bastam para soldar os interesses e auto-organizar os empresários rurais e agroindustriais;

(II) tensões entre a defesa de um Estado tutelar e a necessidade de uma maior autonomia empresarial, entre a busca de novos arranjos institucionais e a conciliação com a não-institucionalidade;

(III) tais normas de comportamento e os padrões de interação entre o Estado e os grupos empresariais são legitimados pelo Estado;

(IV) existe toda uma rede de relações de poder que intermédia as relações com o mercado: não existe mercado separado da política, sendo que a maior ou menor competitividade depende do maior ou menor peso político das cadeias agroindustriais;

(V) os empresários agroindustriais redescobriram a virtú, entendida como a capacidade de perceber o jogo de forças e identificar a ocasião propícia para agir na conquista e manutenção do poder.

REFERÊNCIA:
COSTA, L.F.C; FLEXOR, G; SANTOS, R. (orgs.) Mundo Rural Brasileiro. Ensaios interdisciplinares Mauad X-EDUR, Rio de Janeiro - Seropédica, 2008.

"Em que consiste o familiar da agricultura familiar?", Maria José Carneiro, fichamento...

1. Carneiro (2008) aponta dois problemas no debate sobre a agricultura familiar no Brasil: (I) dificuldade de se articularem o modelo construído como definidor da agricultura familiar e a realidade da qual se está tratando (Weber e a questão dos modelos classificatórios); (II) unidade de análise quando nos referimos à agricultura familiar.

2. A família como universo de observação: escolha que permite reconhecer as relações de força entre os agentes sociais situados diferentemente na esfera do parentesco e da produção. Desta forma, é possível identificar a influência dos valores familiares sobre o comportamento dos indivíduos em suas práticas econômicas dentro e fora da família. Neste sentido, a análise microssociológica da família nos permitirá esclarecer a multiplicidade de papéis exercidos por seus membros e as tensões resultantes de seus objetivos opostos.

3. O caráter familiar da agricultura familiar: por ser sustentada pela relação entre trabalho e parentesco, a unidade familiar de produção apresenta maior margem de negociação interna na elaboração de caminhos alternativos de reprodução social. A unidade familiar plástica e mutante torna-se capaz de elaborar estratégias para se adaptar às condições econômicas e sociais: rearranjos que dialogam com a tradição, sendo que a trajetória econômica dessas unidades produtivas sofre interferência de fatores de ordem cultural e subjetiva.

4. a análise das unidades familiares de produção agrícola devem contemplar dois aspectos: (I) as relações entre os indivíduos e (II) os valores que dão sentido a essas relações => para compreender a dinâmica de reprodução das unidades familiares deve-se levar em conta a diversidade de interesses em jogo decorrente das diferentes posições ocupadas por seus membros na hierarquia familiar.

5. Para entender as estratégias que garantem a reprodução social das famílias: compreender as regras de transmissão do patrimônio familiar (terra, principalmente), as estratégias matrimoniais e as posições diferenciadas dos seus membros na estrutura familiar e na sociedade. Neste sentido, o acesso da mulher à terra (por herança ou processo de reforma agrária) depende da posição específica da mulher no processo produtivo e dos valores que sustentam essa posição.

6. Agricultura familiar e atividades não-agrícolas: unidade familiar como unidade de observação como procedimento fundamental para compreender as mudanças recentes no campo brasileiro, em particular a mudança dos padrões de comportamento no interior da família agrícola e sua relação com o aumento das atividades não-agrícolas => masculinização e envelhecimento da população rural: relação entre a intensidade do êxodo juvenil feminino e a alocação do poder no interior da família => efeitos do processo de individualização no interior da família camponesa: salário como remuneração do trabalho de fora da agricultura como elemento de ruptura da identidade entre família e unidade de produção; os filhos/filhas não se sentem mais estimulados a permanecer trabalhando com e para a família, pois a renda obtida ali é indivisa e insuficiente para pagar um salário individual equivalente ao mercado de trabalho => a liberdade de escolha passa a orientar a atitude dos jovens e a elaboração de suas estratégias profissionais estabelecendo as condições para a construção de um projeto modernizador, individualizante, centrado nas escolhas individuais => origem de um dos grandes problemas da exploração familiar: a falta de sucessor para o chefe da unidade.

7. Complexidade nas características do movimento de esvaziamento do campo no Brasil:

(I) intensificação da comunicação entre cidade e campo, com acesso facilitado a bens e valores urbanos, somada ao desemprego e o aumento da violência nos grandes centros urbanos => jovens rurais reconhecem as vantagens de morarem no campo, desde que seja garantido o acesso a um conjunto de bens, simbólicos e materiais, semelhantes aos disponíveis nos centros urbanos (lazer, estudo e trabalho);

(II) desejo de romper com estilo de vida rural é neutralizado pela valorização urbana da vida no campo, que não pressupõe assumir a atividade agrícola => se forem dadas condições para que os jovens desenvolvam atividades alternativas à agricultura, além de ampliar e melhorar as condições de acesso aos bens (materiais e simbólicos) por eles valorizados, a vida no campo passe a oferecer alternativas bem mais atraentes. As perspectivas de vida da população rural nas sociedades contemporâneas estão associadas à intensificação da comunicação entre universos culturais distintos em um contexto de diluição das fronteiras entre o “urbano” e o “rural”. Entretanto, as possibilidades de explorar outras fontes de rendimentos não independem dos saberes acumulados socialmente e da extensão das redes de relações sociais que, cada vez mais, se ampliam para além dos limites físicos das localidades.

8. Como expressão desse movimento, a “residência modernizada” passa a símbolo da nova condição social: casa assumindo características “urbanas” ao mesmo tempo em que pequenos proprietários são levados a vender suas propriedades, transformadas em sítios de lazer, e se assalariarem nas funções de jardineiro ou caseiro, muitas vezes na sua ex-propriedade, porque a agricultura se revela incapaz de manter os membros da família.

9. Conclusões:

(I) significado das atividades não-agrícolas deverá ser buscado na posição que elas ocupam no conjunto das estratégias familiares de reprodução social e, sobretudo, no contexto socioeconômico em que se inserem;

(II) a pluriatividade é uma noção que designa um processo social plural que reconhece processos pluriativos incorporadores de atividades não-agrícolas como constitutivos da própria dinâmica social da agricultura familiar => percepção que capacita perceber processos sociais distintos e até contraditórios definidos pelo campo de possibilidade de realização dos projetos familiares, entendido como espaço para formulação e implementação de projetos definidos pela combinação das condições socioeconômicas e fatores peculiares às unidades familiares (capital cultural, capital material, fase do desenvolvimento do grupo doméstico, composição etária e sexual dos membros da unidade familiar e posição dos indivíduos que desenvolvem a atividade não agrícola na hierarquia familiar);

(III) falar em agricultura familiar requer incorporar a complexidade das relações sociais que definem e redefinem a família: torna-se necessário redefinir também o universo de observação, privilegiando a família como unidade social.

REFERÊNCIA:
COSTA, L.F.C; FLEXOR, G; SANTOS, R. (orgs.) Mundo Rural Brasileiro. Ensaios interdisciplinares Mauad X-EDUR, Rio de Janeiro - Seropédica, 2008.

“'Empoderamento' e poder no enfrentamento da pobreza", Jorge Romano, fichamento

1. Debate em torno do desenvolvimento polarizado: defensores de uma globalização regida pelo mercado X críticos que defendem que “a construção de um outro mundo é possível”.

2. O que não entendemos por “empoderamento”?

(I) como transformismo: apropriar-se e desvirtuar-se o novo para garantir a continuidade das práticas dominantes, mudar tudo para não mudar nada;

(II) sem poder: não destaca as relações de poder existentes e às que se pretende mudar;

(III) neutro e sem conflitos: despolitização do processo de mudança por meio de uma suposta neutralidade que se transforma em limite, funcionando como elemento de controle do processo de mudança pelo status quo => aversão aos conflitos, pasteurização do empoderamento. Quando enfrenta-se pobreza, refere-se a situações caracterizadas por relações de dominação, atores que têm diferentes tipos de benefícios por ocupar posições dominantes, opressores e oprimidos. Empoderamento significa contágio, fermento social, mais para inovação criativa que para evolução controlada => quebrar, eliminar as relações de dominação que sustentam a pobreza e a tirania, fontes de privação das liberdades substantivas; combater a ordem natural ou institucionalizada dessa dominação para construir relações e ordens mais justas; tomar partido pelos pobres e oprimidos; estar preparado para lidar quase todo tempo com conflitos.

(IV) como dádiva: maior facilidade de acesso a recursos externos, bens ou serviços X processos de organização e de construção de auto-estima e confiança das pessoas => participação reduzida a algumas consultas rápidas no início dos programas. Romano (2008) entende que o impulso do processo pode ser explicado pela extensão e rapidez com que pessoas e organizações mudam a si mesmas, tendo em vista que nem o governo, nem as agências “empoderam”, apenas criam um ambiente favorável ou colocam barreiras ao processo de “empoderamento”.

(V) como uma “técnica” que se aprende em cursos (ou a pedagogização e a tecnização do “empoderamento”): redução a questões técnicas e instrumentais => técnica que compreende metodologias específicas X complexo processo social e político => noção ensinada em salas de aula X troca de experiências e construção de respostas conjuntas em face de situações de dominação específicas => supervalorização dos efeitos políticos da ação pedagógica X efeitos pedagógicos da ação política.

(VI) superpolitização e atomização: negação do elemento individual nas teorias mais antigas ou redução a um tipo de ação coletiva; ênfase no “empoderamento” individual e institucional e descaso do “empoderamento” grupal e das organizações. O questionamento da superpolitização não implica negar que o “empoderamento” através dos processos grupais pode vir a ser altamente efetivo na mudança de estruturas que sustentam as relações de dominação e nas mudanças a nível individual, em termos de maior controle de recursos externos ou maiores autonomia e autoridade na tomada de decisões. O questionamento da atomização não implica desconhecer que a mudança na consciência da dominação é profunda e intensamente individual, mesmo que catalisada em processos grupais nem negar a importância da autonomia individual através de lutar para fazer do pessoal algo político.

3. A questão do poder, duas grande concepções: (I) pluralismo norte-americano da ciência política, capacidade de controle sobre algo ou alguém; (II) Foucault, relacional, rede de relações sociais entre pessoas que têm algum grau de liberdade, só existe quando se usa, poder e resistência. Nas diversas sociedades, em todas as relações sociais é possível identificar o exercício de poder, seja qual for o tipo => situações de pobreza: identificar as relações de poder, os tipos de exercício de poder principais e secundários que caracterizam cada situação de pobreza.

4. A necessidade da análise das relações de poder no combate à pobreza: foco seja qual for o nível, território, dimensão ou objetivos. Diagnóstico inicial => construção conjunta da estratégia de ação => planejamento participativo das ações => acompanhamento cotidiano das atividades => exercícios de revisão e reflexão => avaliação final de resultados.

5. Análise das relações de poder e das situações de dominação resultantes implica em discutir sobre questões que dêem conta de aspectos como:

(I) espaço social de manifestação das relações;

(II) tipo de exercício de poder principal e secundário que se manifesta nas diferentes relações;

(III) forma de poder predominante nas relações;

(IV) que está em jogo nestas relações;

(V) campo específico que essas relações de poder alimentam;

(VI) atores principais envolvidos nessas relações;

(VII) quem tem o poder ou quem ocupa a posição de dominação e quais são seus aliados no campo considerado;

(VIII) quem ocupa a posição de dominado e quem podem ser seus aliados;

(IX) a compreensão dos atores principais sobre a situação analisada;

(X) como se exerce a dominação;

(XI) como se reproduz a situação de dominação;

(XII) formas de resistência;

(XIII) como está e como pode vir a ser mudada a situação de dominação;

(XIV) como podemos monitorar e avaliar as permanências e as mudanças nas relações de poder.

6. O que entendemos por “empoderamento”:

(I) como abordagem (que coloca as pessoas e o poder no centro dos processos de desenvolvimento) e como processo (pelo qual pessoas, organizações e comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida e tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir) => combate à pobreza: desenvolvimento das capacidades (habilidades + oportunidades reais) para transformar as relações de poder que limitam acesso e as relações com o Estado, o mercado e a sociedade civil => processo relacional (vínculos com outros atores: pensar no tecido das relações de poder) e conflituoso (diz respeito à relações de dominação e busca de mudanças nas relações de poder existentes: resolução de conflitos).

(II) características da abordagem, conjunto não-hierárquico e inter-relacionado: holístico, especificidade contextual, focalizado, estratégico, democratização, construto ideológico e sustentabilidade.

(III) como estratégia de combate à pobreza: segue Amartya Sen => promoção de um modelo de desenvolvimento que permita a expansão das liberdades substantivas e instrumentais das pessoas: projeto em aberto, orientado para as pessoas enquanto agentes, respeitando a diversidade humana e a liberdade de escolha. A pobreza e a tirania são os principais entraves. “Empoderamento” visto como meio e fim para a transformação das relações de poder existentes e superar o estado de pobreza. As estratégias de combate à pobreza se inserem em um processo essencialmente político, que precisa de atores capazes de alterar correlações de força em níveis macro, meso e micro articulados em torno de temas e lutas comuns => “empoderamento” dos pobres se orienta para a conquista da cidadania, conquista da plena capacidade de um ator (individual ou coletivo) de usar seus recursos econômicos, sociais, políticos e culturais para atuar com responsabilidade no espaço público na defesa de seus direitos, influenciando as ações dos governos na distribuição dos serviços e recursos. Neste sentido, processos de transformação do Estado e de mudança social assentam na construção de redes e amplas alianças dos movimentos sociais e das organizações populares no campo da sociedade civil.

REFERÊNCIA:
COSTA, L.F.C; FLEXOR, G; SANTOS, R. (orgs.) Mundo Rural Brasileiro. Ensaios
interdisciplinares Mauad X-EDUR, Rio de Janeiro - Seropédica, 2008.

"Política econômica, neoliberalismo e agricultura", Nélson Delgado, fichamento

1. Tratar, pela ótica da economia, das questões da intervenção do Estado e dos efeitos do ajuste externo sobre a agricultura. Divide-se em duas partes: (I) as razões expostas tradicionalmente pelos economistas para justificar a ação estatal no meio rural e das diversas formas que a política pública pode assumir em relação à agricultura, com uma breve discussão sobre os esquemas analíticos da teoria neoliberal que procuram justificar a defesa da não intervenção do Estado na economia; (II) as características da crise externa no início dos anos 80 e da política econômica usualmente utilizada para reequilibrar o balanço de pagamentos em conta-corrente nestas situações, com uma análise dos efeitos dessa política sobre a política agrícola e o comportamento da agricultura.

Parte I: Estado, atores sociais e formulação de políticas para a agricultura

2. As razões tradicionais para a intervenção do Estado na agricultura e no meio rural

3. Longa tradição de regular os mercados agrícolas, garantindo preços e rendas para os agricultores, e estimular a produção doméstica. Nos países em desenvolvimento, em decorrência dos projetos de industrialização via substituição de importações, as “funções” da agricultura consistiam em transferir recursos para o financiamento da industrialização (taxas de câmbio valorizadas) e produzir alimentos baratos (controle de preços) com objetivo de viabilizar um processo de industrialização dependente do pagamento de baixos salários para sua força de trabalho. O setor agropecuário tinham particularidades, caracterizadas pelos seguintes fatores:

(I) dependência estrutural da agropecuária em relação à natureza, que torna o tempo de produção superior ao tempo de trabalho, introduzindo descontinuidades e reduzindo a lucratividade da produção.

(II) atomização da produção e descontinuidade do processo produtivo, junto com as dificuldades e custo de estocagem fazem com que a oferta agregada dos produtos agrícolas in natura tenha elasticidade-preço menor do que um, ou seja, inelástica. Assim, a receita bruta dos agricultores tende a aumentar em períodos de má safra e reduzir-se em períodos de grande safra, que constitui uma das razões clássicas de regular os mercados.

(III) à medida que a renda nacional cresce, a demanda agregada por produtos agrícolas também cresce, mas numa proporção menor do que o aumento da renda, ou seja, esta demanda é inelástica, com duas conseqüências imediatas: (a) crescente industrialização da produção agrícola; (b) dilema de longo prazo da política econômica.

(IV) a partir da II Guerra, a pressão a favor da intervenção do Estado se relaciona: (a) à força política dos agricultores nos países desenvolvidos; (b) à importância assumida pela questão da segurança alimentar, especialmente na Europa; (c) às políticas de desenvolvimento econômico nos países de Terceiro Mundo.

4. Com o refortalecimento da ideologia liberal nos anos 1990, as discussões sobre política agrícola passaram a centrar seu interesse nas imperfeições e distorções que a intervenção do Estado provoca nos mercados e na renda agrícolas (as “falhas do Estado”).

5. A crítica neoliberal à intervenção do Estado: as teorias da regulação e da rent-seeking e as “falhas do Estado”.

(I) Numa economia capitalista, dois mecanismos: mercado e Estado => tensão permanente na esfera política, democracia. Questão crucial: intervenção estatal beneficia ou prejudica o bem-estar econômico e social no capitalismo? De um lado, beneficia em função da existência de “falhas” nos mercados que impedem o funcionamento eficiente de um mercado idealizado (regulação promoveria o “interesse público”. De outro lado, nociva porque os mercados competitivos são sempre eficientes, se auto-regulam e auto-reproduzem e, quando falham são capazes de enfrentar suas imperfeições melhor que o Estado.

(II) Década de 1970, EUA, teorias da regulação econômica e da rent-seeking (neoliberalismo), com uma postura central comum de que a intervenção do Estado na economia é um mal, pois o processo democrático é defeituoso e o Estado é uma fonte de ineficiência.

(III) Primeiro aspecto importante das teorias da regulação e da rent-seeking: toda ação governamental tem como resultado uma transferência de renda entre os agentes econômicos (ganhadores e perdedores) => os custos dos perdedores são sempre maiores do que os ganhos dos beneficiários, de tal forma que a sociedade como um todo sai prejudicada. Ponto de partida da teoria da rent-seeking é conceito de renda ou quase-renda, o que a caracteriza não são as rendas “reais”, mas as que se originam em processos que aumentam a produção e criam valor na economia: rendas “falsas”, geradas “artificialmente” através da intervenção governamental. Neste sentido, rent-seeking “é o dispêndio de recursos escassos na captura de uma transferência criada artificialmente”. A teoria da rent-seeking tem como objetivo investigar como as pessoas competem por tais transferências.

(IV) A intervenção governamental sempre visa o interesse próprio dos ofertantes da regulação ou dos seus demandantes ou de ambos. Assim, as teorias da regulação e da rent-seeking deram enorme impulso à análise econômica do comportamento dos grupos de interesse ou à teoria do governo neles baseada pela visão de que a concessão da regulação e a captura das rendas institucionais são resultado de um processo interativo entre agências governamentais, partidos políticos e grupos privados de interesse.

(V) As teorias da rent-seeking e da regulação tendem a fazer comparações entre as escolhas e as tomadas de decisões dos indivíduos no processo político democrático e no mercado. A conclusão revela a inferioridade do processo político em relação ao mercado como lócus de revelação das preferências soberanas dos indivíduos => decisões políticas criam sempre mais distorções e desperdícios do que as tomadas no mercado e o Estado é um mecanismo ineficiente de alocação de recursos e de distribuição de bens e serviços. Desta forma, política, especialmente a democrática, é um empecilho fundamental ao funcionamento do mercado. Surgem duas diferenças importantes entre processos democráticos de decisão política e de mercado: (a) no processo democrático, a simultaneidade de decisões por um grande número de pessoas impõe um ônus, pois votar sobre questões específicas torna-se proibitivamente caro, enquanto no mercado ocorre o oposto, tendo em vista que as decisões são tomadas individualmente na escolha de bens e serviços particulares; (b) o processo democrático de decisões deve envolver “toda” a comunidade, não pode excluir o votante desinteressado e, por isso, não permite participação em proporção ao interesse e ao conhecimento. Para as teorias da regulação e da rent-seeking, os agentes econômicos comportam-se no processo político exatamente da mesma forma que no mercado econômico, concluindo que no capitalismo, o Estado ou o processo político é um mecanismo de alocação de recursos e de distribuição de bens e serviços intrínseca e estruturalmente inferior ao mercado econômico privado.

(VI) O autor admite como contribuição das teorias neoliberais à problemática da intervenção do Estado na economia capitalista o argumento de que a política estatal gera rendas ou quase-rendas institucionais de que os grupos privados buscam apropriar-se através de mecanismos de pressão política que levam a ineficiências alocativas, grandes desperdícios de recursos e a distorções não desprezíveis na distribuição da renda e da riqueza sociais. Neste sentido, não basta considerar apenas as razões que justificam a intervenção do Estado na agricultura, mas estar atento às distorções que a ação estatal pode provocar na alocação de recursos e no desempenho do setor.

6. A respeito das teorias neoliberais, Delgado (2008) destaca:

(I) que nessa visão, a política estatal necessariamente introduz ineficiência, sua hipótese central (insustentável) é que a economia capitalista tende naturalmente a funcionar em algum ponto da fronteira de possibilidades de produção;

(II) mesmo que a política estatal reduza a renda nacional, não é automática a dedução de que venha a ocorrer uma diminuição do bem-estar social, a menos que a utilidade social seja medida em termos de dinheiro;

(III) a conclusão destes teóricos de que a política pública é ineficiente e leva a perdas de renda agregada está mais firmemente ancorada em sua preferência apriorística pelo mercado e em uma parcialidade derivada do método de raciocínio;

(IV) uma característica básica é que o Estado, alvo predileto, não é nem definido, nem descrito e nem analisado com mais profundidade, a política é um problema desagradável (teórico e prático), que tenta ser resolvido pela teoria da escolha racional no âmbito da economia.

7. Desta forma, contrasta-se um mercado perfeito, que se auto-equilibra instantaneamente, com preferências individuais fixas e exógenas, no qual as decisões são tomadas individualmente e sobre assuntos específicos COM um processo político em que as decisões são infrequentes, universais, simultâneas e incluem também a participação dos desinteressados. Com esta argumentação, os neoliberais tentam justificar sua recusa da proposição de que a alocação de recursos também possa ser avaliada por critérios distributivos e sua defesa intransigente e apriorística da tese “de que todas as alocações de recursos resultantes das preferências dos cidadãos e reveladas através do processo democrático são necessariamente menos eficientes que as soluções do mercado”.

8. Formas de intervenção do Estado na agricultura. O autor destaca dois tipos de política econômica:

(I) Macroeconômica: busca afetar os grandes agregados em termos de quantidades e de fluxos de entrada e de saída de divisas estrangeiras e de capital externo em geral, sendo composta pela combinação das políticas fiscal, monetária e cambial, buscando influenciar diretamente o nível e a composição da demanda agregada, a taxa de crescimento da renda nacional e do produto interno bruto, a disponibilidade e o custo do crédito doméstico para consumo e investimento, o saldo do orçamento governamental, a entrada e a saída de recursos externos, a rentabilidade da aplicação dos recursos domésticos para produção de bens comerciáveis e não-comerciáveis, o volume de exportações e de importações e o saldo da balança de pagamentos, a taxa de crescimento do nível geral de preços e o ritmo inflacionário do país. Dado seu caráter abrangente, pode neutralizar ou inviabilizar o funcionamento das políticas voltadas para agricultura, bem como pode conter uma política agrícola implícita, independentemente da existência ou não de uma política explícita em nível nacional.

(II) Política setorial:objetiva influenciar diretamente o comportamento econômico-social de um setor específico da economia nacional; três tipos principais: agrícola, agrária e políticas ou programas diferenciados de desenvolvimento rural, além do destaque dado ao conceito de política agrícola ativa.

Parte II: O ajuste da economia brasileira à crise externa na década de 1980. A política econômica do ajuste externo e suas conseqüências para a agricultura

9. Ajuste da economia brasileira à crise externa na década de 1980:

(I) no caso brasileiro, implementou-se, a partir da década de 1970 e 1980, uma política agrícola ativa e não apenas compensatória, que definiu instrumentos e incentivos específicos com vistas à modernização setorial (financiamento, preços, comercialização, tributários, geração e difusão de tecnologia);

(II) as condições de articulação, financiamento e continuidade desse padrão romperam-se com a crise da dívida externa, a política macroeconômica ficou refém da necessidade de viabilizar internamente os pagamentos relativos ao serviço da dívida externa e de impedir que o agravamento do endividamento público interno e da taxa de crescimento dos preços empurrasse a economia para a hiperinflação  adoção de uma política econômica recessiva.

10. A política macroeconômica do ajuste externo tenta articular três tipos fundamentais de política econômica: (I) políticas de redução da demanda agregada doméstica, cujas principais políticas macroeconômicas são a fiscal e a monetária; (II) políticas de substituição de despesas, que são a comercial e a cambial; (III) políticas financeiras. São políticas complexamente inter-relacionadas.

11. Política macroeconômica e política agrícola: crescimento e modernização do setor agrícola não foram uma mera decorrência do crescimento da demanda privada, doméstica e/ou internacional => década de 1970: desempenho favorável do mercado internacional estimulou produção para exportação X elevação da renda interna não foi acompanhada por um crescimento da produção para abastecimento => década de 1980: desempenho desfavorável do mercado externo X desempenho medíocre do PIB: produção para exportação continuou crescendo graças à política cambial e de subsídios às exportações. O autor destaca que a política agrícola tem conseguido, nas últimas décadas, se adaptar às mudanças macroeconômicas, as quais são comprometeram seu caráter ativo, pelo contrário, favoreceram as exportações agrícolas nos anos 80, através de desvalorizações contínuas da taxa de câmbio, para enfrentar o estrangulamento externo do início da década.

12. Delgado (2008) destaca a segunda metade dos anos 1950 como o período de maior penalização da agricultura brasileira. Nos anos 1960, vários segmentos foram penalizados através dos controles quantitativos das exportações em favor da indústria doméstica e dos controles de preços de alimentos (de acordo com uma política de industrialização baseada em mão-de-obra barata). Nos anos 1970, esta penalização foi compensada pela política de crédito subsidiado, especialmente para setores capitalistas e interesses agrários voltados para exportação. Nos anos 1980, as políticas cambial, de preços mínimos e tecnológica viabilizaram o crescimento agrícola em um ambiente macroeconômico interno e externo bastante desfavorável. No final dos anos 1980, aceleração da inflação + fracasso recorrente de uma seqüência de planos de estabilização intervencionistas => inviabilização da política setorial vigente induz uma enorme instabilidade nas expectativas e aguça o caráter especulativo da formação dos preços das commodities agrícolas, desembocando em uma crise agrícola no início dos anos 1990, que impôs limites ao seguimento da política ativa.

13. A partir da década de 1990: conquista da estabilidade macroeconômica passa a ser pressuposto e restrição à continuidade da política agrícola ativa no país (inviabilidade das políticas de crédito, de preços mínimos e de tecnologia), que deveria se concentrar prioritariamente em questões postas pela necessidade de melhoria na distribuição de renda e da riqueza, pela abertura comercial do país e pela integração econômica com os países do Cone Sul (Mercosul).

REFERÊNCIA:
COSTA, L.F.C; FLEXOR, G; SANTOS, R. (orgs.) Mundo Rural Brasileiro. Ensaios
interdisciplinares Mauad X-EDUR, Rio de Janeiro - Seropédica, 2008.