domingo, 1 de novembro de 2009

A guerra às drogas fracassou - Luiz Eduardo Soares - Outubro 2009

Permitir o acesso às drogas: essa hipótese assusta qualquer pessoa de bom senso. Melhor que não haja acesso. Melhor ainda seria que nem sequer houvesse drogas. Mas não é essa a realidade.

A proibição prevista em lei não vigora. Drogas são vendidas em toda parte em que há demanda, independentemente da qualidade das polícias e dos gastos investidos na repressão. A guerra às drogas fracassou.

Como os EUA demonstraram ao vencer a Guerra Fria, nenhuma força detém o mercado. Pode-se apenas submetê-lo a regulamentações. É irônico que esse mesmo país defenda a erradicação das drogas ilícitas.

Eis o resultado do proibicionismo: crescem o tráfico, a corrupção e o consumo. Estigmatizados, os usuários padecem da ignorância sobre as substâncias que ingerem, escondem-se, em vez de buscar ajuda, e, mesmo quando não passam de consumidores eventuais, involuntariamente alimentam a dinâmica da violência armada e do crime que se organiza, penetrando instituições públicas.

Além disso, o Estado impõe aos escolhidos e classificados como “traficantes” — pelo filtro seletivo de nosso aparato de segurança e Justiça criminal — o futuro que pretende evitar: a carreira criminal. Digo “escolhidos” porque se sabe que a mesma quantidade de droga pode ser avaliada como provisão para consumo (quando o “réu” é branco de classe média) ou evidência de tráfico (quando o “preso” é pobre e negro).

Retornemos à primeira evidência: o acesso às drogas — não o impedimento — é a realidade. Ora, se essa é a realidade e nenhum fator manejável, no campo da Justiça criminal, pode incidir sobre sua existência para alterá-la, a pergunta pertinente deixa de ser: “Deveríamos proibir o acesso às drogas?”. Trata-se de indagar: “Em que ambiente institucional legal o acesso provocaria menos danos? Que política de drogas e qual repertório normativo seriam mais efetivos para reduzir custos agregados, sofrimento humano e violência?”.

Há ainda uma dimensão não pragmática a considerar. Não considero legítimo que o Estado intervenha na liberdade individual e reprima o uso privado de substâncias —álcool, tabaco ou maconha.

A ausência do álcool no debate — droga cujos efeitos têm sido os mais devastadores — revela a artificialidade (alguns diriam a hipocrisia) das abordagens predominantes.

Se o atual modelo foi derrotado pelos fatos, qual seria a alternativa? Proponho a legalização das drogas, e não apenas a flexibilização na abordagem do consumidor. O tráfico deveria passar a ser legal e regulado.

Isso resolve o problema das drogas? Não, mas o situa no campo em que pode ser enfrentado com mais racionalidade e menos injustiça — e menos violência, ainda que esse seja só mais um argumento, e não a única ou principal justificativa para a legalização.

Há quem considere que uma eventual legalização não exerceria impacto sobre a violência, uma vez que os criminosos migrariam para outras práticas. Discordo.

Acho que o efeito da legalização não seria desprezível porque: 1) sem drogas, seria mais difícil financiar as armas; 2) mudaria a dinâmica de recrutamento para o crime, que perderia vigor, pois outros crimes envolvem outras modalidades organizativas e outras linguagens simbólicas, muito menos sedutoras e acessíveis aos pré-adolescentes; 3) entraria em colapso a maldição do crack e seus efeitos violentos; 4) se esgotaria a principal fonte de corrupção; 5) finalmente, como pesquisas demonstram, em cada processo de migração, o crime perderia força e capacidade de reprodução.

Opiniões respeitáveis aprovam esses argumentos, mas alertam: nada podemos fazer antes que o mundo se ponha de acordo e decida avançar rumo à legalização das drogas. Discordo.

Se não nos movermos, não ajudaremos o mundo a se mover. Com prudência, mas também com audácia, temos de nos rebelar contra esse perverso relicário de iniquidades.
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Luiz Eduardo Soares é professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da Universidade Estácio de Sá. Foi secretário nacional de Segurança Pública (2003).

Fonte: Folha de S. Paulo, 31 out. 2009.

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