sexta-feira, 17 de junho de 2011

Copa de 2014 e Olimpíadas 2016: aberta a temporada de maracutaias? Comentários sobre 14 das 48 páginas da MP 527/11

Antes de mais nada, nunca fui filiado a partido, não sou filiado a partido, mas entendo que ainda estou como cidadão e aqui exercito meu direito de expressão. Sou um leigo jurídico, tenho lá minhas dúvidas, mas isso não impede de mostrar porque acredito que esse Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC é algo no mínimo mal planejado, tendo em vista a forma pela qual foi instituído: (1) sem debate público, (2) na forma de uma medida provisória e (3) privilegiando um segmento cartelizado específico, ou seja, das grandes empreiteiras e construtoras, bem como aqueles grupos envolvidos com a organização de eventos específicos, ou seja, a Copa das Confederações e a Copa do Mundo 2014, organizados pelo Grupo Executivo GECOPA 2014, e os Jogos Olímpicos e Para-Olímpicos 2016, organizados pela Autoridade Pública Olímpica – APO.
O artigo 1º já é suficiente para emitir esta posição contrária e tentar influenciar, da forma limitada que puder, outras pessoas, pois ao mesmo tempo que deixa claro que o RDC é restrito aos projetos relacionados com estes eventos, procura generalizar os objetivos deste regime, destacando benefícios que parecem afetar todas as contratações públicas, como se pode ler no texto da MP 527/11: (I) ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes; (II) promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público; (III) incentivar a inovação tecnológica; e (IV) assegurar tratamento isonômico entre os licitantes  e a seleção mais vantajosa para a Administração Pública (para quem estiver interessado, claro, o link para acessar o texto integral está aqui: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao;jsessionid=F2EF9009B21338D9E2AAFA25F2B7582E.node2?idProposicao=509540&ord=0 e daqui por diante vou apenas citar a página da MP, pois parece que por hoje ser sexta tem pouca gente interessada em aprofundar debate...).


O tom “generalizante” dos benefícios parece ser entoado ao longo do documento, como se pudéssemos esquecer (e isso é possível, me refiro ao artigo 1º ...) que existe um direcionamento deste novo regime. Assim, o que me causa inconformismo, de início, é direcionar este RDC para estes eventos e, no que me está mais próximo, ver que os centros de pesquisa das universidades públicas estão praticamente atados no que diz respeito à burocracia da utilização de recursos (veja, uma análise interessante recente, tecida por Ronaldo Lemos: http://www.freedom-to-tinker.com/blog/rlemos/universities-brazil-are-too-closed-world-and-thats-bad-innovation?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter), além do afastamento e distância dos investidores privados daqueles campos do conhecimento que não apresentam possibilidades de instrumentalização mercadológica, como parece ser o caso das ciências humanas.


Além deste inconformismo inicial, a MP (elaborada pelo governo) parece entender um contexto linear e previsível, o que em se tratando de obras, bem como do mundo contemporâneo, remete a uma interpretação que não encontra pé em qualquer realidade flutuante, instável, que alguns chegam ao ponto de definir como sendo “líquida”. Fico pensando no seguinte: até que ponto se esperou um momento limite para que essa MP fosse enviada, tendo em vista que a Copa de 2014 está prevista desde outubro de 2007. Por que esperar até julho de 2011? A Olimpíada segue a mesma lógica, tendo em vista que desde outubro de 2009 a proposta brasileira foi aprovada. Se levarmos em consideração como se deu a organização do Pan-Americano do Rio, em 2007 (com desvios de recursos e ausência de legado para a população carioca) posso dizer que há algo estranho no ar...


Outro aspecto que chama atenção é o setor privado não querer investir em algo que parece tão fadado ao sucesso. A não ser que este investimento privado seja feito quando o Estado brasileiro tiver assumido todos os riscos desta(s) empreitada(s). Isso me faz recordar como a ditadura montou toda a infra-estrutura entre meados da década de 1960 e fins da década de 1970 para que o capital privado, em especial o internacional, pudesse usufruir seus altos lucros a partir de meados da década de 1990, a custa de elevada dívida externa, crescente ao longo da década de 1980, e uma dívida interna que começou a ficar impagável a partir deste início de terceiro milênio.


Quanto ao valor orçado, creio que o maior problema não é o que o art. 6º (pág. 21 do texto e 6 do arquivo em pdf disponibilizado no link acima) diz, relacionado com a divulgação do orçamento previsto após encerramento da licitação, mas é acreditar que as redes de sociabilidade vão respeitar a pena da lei e irão abrir mão do fluxo de informações que mantém as mesmas empresas do segmento de construção atuando na esfera estatal, em diversos níveis, pelo menos desde a década de 1960. Ora, quem garante que não haverá combinação entre as empresas, tendo em vista que todas são velhas conhecidas? E, mediante, a urgência das obras, quais dilemas encontrará o Judiciário para dar conta de tantas demandas, tendo em vista que o legislativo nada fiscaliza e só resiste ao governo, quando os interesses econômicos da maioria que o compõe são contrariados?


Teria vários outros pontos a serem aprofundados, mas cansei nas 14 primeiras páginas de um total de 48 no documento, sendo que 31 páginas referem-se ao tal RDC. Mas deixo uma pista para aqueles que tiverem interesse em acessar o documento: verifiquem o artigo 15, em toda sua extensão (págs. 28 e 29 da MP, 13 e 14 do pdf), sendo que chamo atenção para o inciso 2º. Bem, gostaria que os colegas mais afeitos ao direito constitucional e administrativo se posicionassem, desde que lhes seja possível, tendo me vista que os graus de comprometimento institucional podem impedir uma postura crítica e ativa. Alguém se habilita?


Creio que por aqui já dá pra ter uma idéia do que iremos ter que enfrentar. Se a batalha legislativa for perdida, como parece que será, salvo grande mobilização popular que parece estar distante de acontecer, o caminho será de reunir segmentos da frágil sociedade civil brasileira na configuração de mecanismos de controle social sobre os grupos organizadores destes eventos, outrora tão comemorados como forma de afirmação do país no cenário global: GECOPA 2014 e APO.


Para tal, vejo que é fundamental que os interessados consigam fazer valer as brechas, tal como o Art. 15 (pág. 28 da MP e pág. 13 do pdf), que garante “ampla publicidade” dos procedimentos licitatórios e de pré-qualificação, ainda que seja invocada “a segurança da sociedade e do Estado” para proceder no tratamento sigiloso, bem como destaca claramente a isenção de publicizar aquelas obras empenhadas com valor menor que R$ 150 mil, assim como bens e serviços de engenharia, empenhados com valor inferior a R$ 80 mil.


A ação da sociedade civil organizada e desorganizada (e estou nesta última faceta deste amálgama abstrato que é a idéia de uma sociedade civil...) através de mecanismos de controle social exógenos ao Estado, mobilizando a opinião pública, tendo em vista que temo pelo acúmulo de ações na esfera do Poder Judiciário, será FUNDAMENTAL, junto com tantas outras demandas que nos mobilizam. Se isso não for feito, sou pessimista: estará decretado a maracutaia generalizada e viva a Copa no país do futebol!


Neste sentido, espero que esteja totalmente equivocado em relação ao que acabei de escrever acima...



Copa 2014 e MP dos "gastos diferenciados": debate nos murais do facebook a partir da resposta de Alessandro Molon (PT/RJ)

Eis abaixo a reprodução de uma troca de mensagens que tive com o Deputado Federal Alessandro Molon (PT/RJ). O deputado me respondeu por mensagem a um questionamento do meu mural acerca de seu voto favorável na MP 527/11, que propõe um Regime Diferenciado de Contratação (RDC) para as obras (atrasadas) da Copa de 2014.



Assim, propus ao deputado uma ampliação do debate nos murais do Facebook, começando pela "minha" rede de contatos. Marquei algumas pessoas que acredito estejam interessadas e que sejam capazes de repassar rapidamente esta nota em "suas" redes, de forma que tenhamos a possibilidade de múltiplos debates "amplos, gerais e irrestritos"!



Vamos ao que interessa:



há 6 horas

Alessandro Molon:



MP 527/11



Prezado Marcelo,



Obrigado por seu e-mail. Votei a favor do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), contido na MP 527, porque acredito sinceramente que este trará uma série de ganhos para nosso país. São várias as razões para apostar nisso.



A primeira delas é que este modelo é mais rigoroso na fiscalização dos gastos governamentais e nas regras de contratação e garante melhoria na qualidade dos serviços contratados pelo poder público. A inversão de fases da licitação e a utilização de meios eletrônicos de contratação (vulgo “pregão eletrônico”), por exemplo, permitem que qualquer interessado participe da concorrência, ampliando a competitividade em busca de economia e de melhor qualidade no serviço contratado.



Outra razão é que o processo de contratação integrada, também previsto no RDC, obriga a empresa a entregar as obras em plenas condições de funcionamento, o que evita sucessivos termos aditivos ao contrato original (proibidos pela MP – o que explica em grande parte a reação contrária dos “representantes” das empreiteiras à MP), que causam atrasos e encarecem em muito os serviços.



Quanto à proibição da divulgação antecipada do orçamento que o Governo pretende pagar pelo serviço incentiva que as empresas ofereçam preços menores e evita acordo entre as empresas concorrentes para manter preços mais altos. Afinal, elas não sabem até quanto o Governo aceita pagar, o que as leva a abaixar o preço ao máximo. É evidente que quando alguma empresa vencer a licitação, o valor pelo qual venceu será imediatamente tornado público – seria ilegal e inconstitucional não fazê-lo, obviamente.



Note-se também que os órgãos de fiscalização e controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU) terão acesso ao orçamento que o Governo pretende pagar mesmo antecipadamente – este valor apenas não será tornado público antes que se faça a concorrência, para forçar os valores pedidos pelas empresas para baixo. Portanto, em vez de ser algo imoral, como alguns tentam fazer crer, é uma medida que tem por objetivo economizar recursos públicos. Apenas isso.



Por todas estas razões, acredito honestamente que a experiência do RDC será positiva para o país e levará a uma revisão futura dos meios de contratação do setor público na busca por maior eficiência e qualidade. Foi isso que ocorreu com a França e com a Inglaterra, por exemplo, países que são referências importantíssimas no combate à corrupção. Diversas regras do RDC foram inspiradas na legislação de países como esses.



Agradeço-lhe por ter me escrito procurando entender as razões de meu voto e peço-lhe que sempre que tiver dúvidas repita este gesto. É com o exercício consciente de nossa cidadania, como você fez neste caso, que construiremos, passo a passo, o país com que sonhamos.



Um abraço fraterno,

Alessandro Molon.



há 2 minutos:



Marcelo Castañeda



Prezado Deputado, bom dia!



Primeiro, devo dizer que fiquei positivamente surpreso com sua resposta.



Meu movimento, no sentido da transparência e do fomento ao debate que estimule diferentes pontos de vista sobre a questão polêmica em pauta é de publicizar nos murais do Facebook, tanto sua resposta quanto esta minha argumentação.



Como se trata de um processo público, tendo em vista que você ocupa uma posição pública e pelo fato de ter solicitado sua posição no espaço que aqui se configura como "murais", acredito que não tenha que pedir sua permissão para que isso seja explicitado nesta rede. Acredito que esse procedimento possa render uma boa discussão pelos "murais" do Facebook, da mesma forma que ocorreu neste caso: http://lidadiaria.blogspot.com/2011/06/nos-murais-do-facebook-dialogos-do-que_03.html



No que diz respeito aos argumentos que me passaste em sua mensagem, mesmo que sejam convincentes e coerentes a ponto de justificar seu voto nesta questão, gostaria, se possível, de ter acesso ao texto da MP aprovada, tendo em vista que o que encontrei em uma rápida busca no Google foi o seguinte documento: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1027140/medida-provisoria-527-11, que acredito não tratar do RDC.



Acredito que, a partir daí, podemos debater de forma mais simétrica em termos da informação que cada agente possui do que atualmente, tendo em vista que você participou do processo e eu apenas estou recebendo o que entendo ser as ressonâncias midiáticas e de opiniões de minha rede (on e off-line).



Em relação à eficácia do processo, creio que apenas com a operação do RDC isso poderá ser verificado, o que em nada tira a legitimidade de suas crenças de que este regime possa ser benéfico ao país. Apenas gostaria de destacar que:



1) não é qualquer empresa que pode ser capaz de participar destes pregões, logo, existe uma desconsideração de todo um processo de cartelização das grandes construtoras, que parece estar sendo desprezado na lógica da argumentação que você me traz. Além disso, não é nada demais apontar que as redes de sociabilidade que configuram as relações entre quem licita e quem concorre às licitações configura uma questão contextual-cultural capaz de colocar em cheque o sigilo das informações, ao menos no Brasil.



2) a obrigação de entregas as obras em perfeito estado de funcionamento nos prazos estabelecidos não garante isso, tendo em vista que todo empenho prevê uma multa para a empresa ganhadora da licitação no caso de atrasos e irregularidades, o que pode ser hoje um dos fatores que entulham o judiciário em vários níveis da esfera estatal.



3) A plataforma tecnológica em que este processo de pregão eletrônico será deflagrado é aberta aos interessados em acompanhar ou dispõe de controles de acesso que impedem a qualquer interessado, como eu, por exemplo, acompanhar as licitações em questão.



4) No que diz respeito à inspiração em legislações estrangeiras, creio que novamente estamos a desconsiderar os processos que traduzem a especificidade brasileira em benefício do que dá certo em países como a Inglaterra e França, o que já é amplamente apontado na literatura sociológica, vide Oliveira Vianna, entre outros. Objetivamente: no Brasil, me parece que as leis são feitas por "iluminados" e os costumes são desconsiderados. Já nestes países que você traz como exemplos de "inspiração", existe uma cultura que se diferencia, bem como um processo de constituição das leis que se conformam diferentemente. Fora o fato de que a corrupção é uma prática global, que não se restringe ao desvio de recursos financeiros públicos (vide a análise de Hardt & Negri, no livro "Império".



Neste sentido, como estou fazendo isso em uma atitude cidadã, espero que você continue disposto a ter este debate pelos "murais", o que acredito será de grande crescimento para ambos e para quem mais estiver disposto a participar. Veja o caso da Islândia na utilização destas redes "virtuais" no aprimoramento de seu processo democrático (http://news.yahoo.com/s/ap/20110610/ap_on_hi_te/eu_iceland_constitution).



Um forte abraço, saudações dialógico-democráticas!

Marcelo.


domingo, 12 de junho de 2011

Bombeiros vermelharam o Rio de Cabral

"Nem um passo atrás"

"Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Pior salário do Brasil"

"Eu sou bombeiro
Com muito orgulho
Com muito amor"

Foram 27 mil pessoas que vermelharam a orla de Copacabana nas estimativas da Polícia Militar, entoando cantos como os que destaquei acima, numa espécie de mantra coletivo com palavras de ordem. Geralmente, estas estimativas são sempre subestimativas, ainda que parte da PM do Rio de Janeiro estivesse presente na manifestação. Quem tem o mínimo contato com análises de protestos sabe que se a estimativa oficial conta 27 mil, a manifestação deve ter contado com cerca de 50 mil, número que está sendo divulgado pelos organizadores.

É muita gente pra vermelhar um domingo na Zona Sul do Rio, num dia ensolarado de outono invernoso, e num dia 12 de junho, que uns dizem ser "Dia dos Namorados".

Não faltaram adesivos, bandeiros, fitinhas para o punho, fitas para a cabeça, cartazes, carros de som, microfones. Durante o curto período de uma hora em que fiquei por lá, usei o Twitter para registrar algumas impressões que mais me chamaram atenção na manifestação que pleiteava "liberdade e anistia total aos bombeiros que foram presos", as quais destaco abaixo:

(1) O governador deu, de fato, "um tiro no pé" ao entrar em conflito, e ter uma postura intransigente, que foi sendo "flexibilizada" em função da força que a ressonância dos fatos ocorridos no sábado (4/6) apresentou. A corporação dos bombeiros, salvo engano, está entre as instituições de maior confiança entre a população. Então, como lidar com uma reivindicação de quem a população atribui alta confiança com tamanha intransigência e agressividade?

(2) Os bombeiros demonstraram muita inteligência e perspicácia ao elegerem certos veículos de mídia de forma privilegiada: o destaque foi dado ao SBT, e muitas críticas à Rede Globo.

(3) Havia toda uma preocupação que posso chamar de "normativa", tentando preservar o direito de ir e vir na faixa destinada aos ciclistas na orla de Copacabana, o que era repetido a todo instante na concentração.

(4) Um ponto interessante remete a relação distanciada com os políticos, que estavam presentes no público, e não no caminhão principal (aquele em que eram proferidos os discursos dos organizadores da ação coletiva em pauta). Entre os políticos que estavam circulando, vi Fernando Gabeira (candidato derrotado ao governo do Estado no último pleito) e Alessandro Molon (deputado federal que está propondo projeto de lei de anistia aos bombeiros no Congresso Nacional). Os bombeiros eram claros no sentido de querer que o caminhão tivesse a presença apenas de bombeiros como eles, sendo que até os fotógrafos foram "convidados" a se retirar: "só vão ficar bombeiros e alguns credenciados para ficar em cima do caminhão", bradava o manifestante ao microfone. O distanciamento dos políticos não era geral, tendo observado uma conotação pragmática nas excessões: tratavam de citar nominalmente aqueles que tinham colaborado com o "habeas corpus" dos que haviam sido presos (os quais não tive a felicidade de registrar os nomes, o que pode ser feito, de forma que eu mesmo edite esta postagem).

(5) Ainda durante a concentração, os "bombeiros do caminhão" comunicaram que os dez últimos bombeiros que estavam presos até esta manhã acabaram de ser soltos. Isso foi motivo de palmas, gritos, apitos assoprados e vibração entre o público presente, que compareceu no traje sugerido, o vermelho, que remete aos bombeiros e a outros mundos possíveis, de preferência melhores que este "de merda" como disse Eduardo Galeano em Barcelona.

(6) A Polícia Militar estava presente no público, e foi chamada a ocupar a linha de frente do "caminhão dos bombeiros", a Polícia Civil esteve presente com um caminhão próprio (de onde saia um outro discurso, paralelo), professores da rede estadual estavam presentes, e gente interessada no burburinho (até mesmo pesquisadores com interesse nos protestos contemporâneos, como eu...).

(7) O governo do Estado disse em matéria divulgada em O Globo (aliás, que papelão era a primeira página deste veículo de mídia nesta data de hoje? Merece outra postagem...) que a crise estava superada, mas parece que tentou de todas as formas brecar a chegada de pessoas na manifestação. Em certo instante, os "bombeiros do caminhão" comunicaram que havia uma poda de árvores no Palácio Guanabara, sede do governo estadual, que fica na saída de um dos túneis (o Santa Bárbara) que é via de ligação da Zona Norte para a Zona Sul. O objetivo desta poda parece ter sido mais direcionado para podar 20 ônibus que estavam a caminho de Copacabana por aquele caminho. Parece também que o governo não contava com o papel que o metrô, uma concessão deste estado (que é um dos principais clientes jurídicos da esposa do governador...), poderia desempenhar na condução de pessoas que chegavam no instante em que saia, ali pelas 11hs, em um fluxo impressionante. Era muito mais gente chegando do que aqueles (como eu) que estavam saindo. A vontade de ficar foi vencida pelos compromissos que já havia assumido pelo cotidiano, e não lamento. Afinal, foram entre 27 e 50 mil presentes hoje de manhã.

Enfim, uma baita manifestação, ainda que com alguns pontos críticos, dentre os quais pude observar:

- havia um abaixo-assinado, que estava centralizado em um carro no meio da multidão, e que estava recolhendo assinaturas de forma indiscriminada (até crianças de 10 anos assinaram). Penso que poderia, no momento em que netbooks proliferam, que poderia haver uma base online, do tipo petition online, espalhadas em pontos estratégicos, de forma que as pessoas pudessem assinar, colocar seu número de documento, conformando um importante instrumento legal. Não é crítica, apenas uma observação derivada de um insight que tive na hora em que estava na única fila que existia às 10hs, pouco depois que cheguei ao local, mas pode ser aproveitada em outras manifestações. Afinal, meu interesse em estar presente na "concentração" era exatamente sentir de perto o movimento que foi animado (e que, de certa forma, animei) nas redes sociais virtuais conformadas em plataformas como Facebook e Twitter, em especial.

- Ainda na concentração, percebi dois discursos simultâneos em caminhões que estavam relativamente próximos: um deles, com os bombeiros; outro, com policiais civis. Isso gerava uma certa confusão no público.

Além destes dois pontos, deixo uma sugestão para a próxima (tem que haver!): que tal a frente do Palácio Guanabara em um dia de semana, no final da tarde, de preferência tentando articular com policiais e professores? Fica o sonho, pois é ele que parece estar de volta!

Que venham as próximas! E que a sociedade comece a ter em mente que a mobilização continua sendo fundamental para demandas coletivas pela via do protesto. E parece que os protestos contemporâneos estam sendo animados e articulados com o aporte (ou presença que media, muito mais que um uso instrumental) cada vez mais intenso das plataformas tecnológicas da Internet, em conjunto com os aparelhos midiáticos estabelecidos e as redes de sociabilidade entre pessoas interessadas no caminho coletivo.

sábado, 11 de junho de 2011

Relações duradouras: entre interessantes e ingênuos - uma visão de tweets de Flávio Gikovate na véspera do Dia dos Namorados*

O que faz uma pessoa ser "interessante"?



É claro que isso depende dos olhos de cada observador, mas alguns requisitos são quase universais. A pessoa interessante é aquela cujo "repertório" se renova continuamente. Ou seja, que sempre tem novas idéias e pontos de vista atualizados. As pessoas interessantes sentem genuíno prazer em aprender. Isso implica um cérebro "poroso" que permite a entrada de novos pontos de vista.



São mais interessantes aquelas pessoas discretas e um tanto enigmáticas: as que falam pouco de si e que se deixam conhecer mais lentamente. As conversas com pessoas que se reciclam continuamente são ricas e surpreendentes. O interesse em estar com elas é permanente e não há tédio.



São interessantes as pessoas bem humoradas e de humor estável. Elas estão de bem com a vida apesar de conhecerem suas agruras e sofrimentos. Pessoas interessantes sabem que viver é uma empreitada difícil para todo o mundo. Assim, não julgam ou criticam as pessoas de modo leviano.



São interessantes os que agem com certa autonomia, não respeitando as normas seguidas por "todo o mundo". A ousadia instiga a curiosidade!



Não deixa de ser curioso constatar que aquelas pessoas que "se acham" e costumam rebaixar seus parceiros são justamente as mais ciumentas. Algumas pessoas inseguras tratam de rebaixar seus parceiros como estratégia: aí eles ficariam sem auto-estima suficiente para abandoná-los! Os que se empenham tanto em diminuir seus parceiros devem ter por eles enorme consideração! Isso explicaria porque manifestam tanto ciúme.



Todos temos nossas inseguranças, dúvidas acerca de quanto valemos. Porém, há muitas maneiras de agir que não a de denegrir nossos parceiros. Impossível não nos sentirmos inseguros frente a certas situações. Podemos escondê-la com "estratégias" ou aceitá-la com classe e dignidade.



Agir com dignidade diante da insegurança que sentimos em relação à admiração que despertamos no parceiro implica tolerar o risco de perdê-lo. Agir com dignidade diante do ciúme e das inseguranças sentimentais é "apenas" um exemplo de como convém se posicionar diante das incertezas!



Talvez devamos chamar de dignidade à postura serena que nos cabe diante das situações da vida sobre as quais não temos direito de interferir. Agir com dignidade diante dos riscos sentimentais é não tomar qualquer atitude que restrinja a liberdade do parceiro, custe o quanto custar.



O ciúme é uma das emoções mais difíceis de serem controladas mesmo que sejamos criaturas determinadas e seja essa nossa disposição racional. Para o ciúme, assim como para tantas outros conflitos entre razão e emoções, não existe solução definitiva. O que existe é "administração"!



Muitas pessoas tratam as relações afetivas como transitórias, descartáveis. Eu me pergunto: o que é preciso fazer para que sejam duradouras?



O principal ingrediente das relações duradouras é que elas são fundamentadas nas afinidades, especialmente no que diz respeito ao caráter. Afora a questão escolha do parceiro, temos que pensar bem no que se pode esperar do amor: junto do amado, nos sentimos aconchegados, em paz.



Quem espera que o amor seja o sentimento que irá proporcionar emoções fortes, aventuras sensacionais, será tomados por grande frustração! O cuidado principal para os que pretendem construir elos duradouros reside na escolha do parceiro: é melhor pensar que as pessoas não mudam!



As historias de amor só são emocionantes enquanto elas não se consumam em função dos obstáculos externos. Depois do final feliz, vem a paz. Os parceiros que entendem que o amor é o que os une e fortalece buscam, juntos ou individualmente, os prazeres das aventuras no lugar certo!



Parceiro bem escolhido, consciência do que se pode esperar do amor, respeito pelas diferenças: eis a base para ser feliz no amor para sempre.



É preciso cuidado com as profecias que se auto-realizam: quando se pensa que o amor "é eterno enquanto dura", é isso que acaba acontecendo! Um relacionamento amoroso estável, de boa qualidade e duradouro também passa por momentos difíceis. Isso não é sinal de que o amor terminou.



Ao longo de décadas de convívio, o amor irá variar na intensidade. O sentimento é como a cotação de uma ação: umas vezes cai e outras sobe! Uma causa de desgaste nas relações de qualidade (sempre entre pessoas honestas) é a diferença de opinião em relação a algum assunto sério.



As divergências devem ser tratadas com delicadeza. Gente hojesta não muda de opinião facilmente (e nem devem). É preciso aprender a negociar. Divergência de opinião não pode ser tratada como ofensa grave: pessoas imaturas se sentem traídas quando suas idéias não são compartilhadas. As divergências desgastam momentaneamente, mas é mancha que lavando desaparece. Restabelecida a harmonia, a plenitude sentimental reaparece.



Cuidado com as pessoas muito agradáveis e simpáticas, aquelas que nos cativam rapidamente: é fácil confiar nelas. Nem sempre são sinceras. A pessoa cativante e de caráter duvidoso irá se mostrar como amiga dedicada e leal. Só aos poucos surgirá sua verdadeira face interesseira.



Depois de termos sido plenamente seduzidos é que surgirá a verdadeira intenção desses falsos amigos (ou namorados): levar alguma vantagem! A dor que se experimenta por força da deslealdade de alguém que conquistou nossa confiança é das maiores. Nos sentimos enganados, traídos. Ao sermos enganados por alguém que não conquistou toda nossa confiança, a dor que sentimos é menor: a traição já era uma das possibilidades!






As pessoas do bem cometem sempre esse grave engano: usar a si como base para avaliar todos os outros. Boa parte deles tem segundas intenções. Para evitar equívocos derivados da ingenuidade convém não confiarmos tanto na primeira impressão que temos daqueles que acabamos de conhecer.



* Flávio Gikovate é um psiquiatra que sigo no Twitter (@Flavio_Gikovate). Este post é uma compilação simples, do tipo copia e colagem, dos tweets que ele postou entre os dias 3/6 e 10/6 (12:02). Trata-se apenas de um ponto de vista de um psiquiatra, que acho interessante para pensar nas relações, em especial nas amorosas, ainda mais na véspera do Valentine's Day brasileiro...