domingo, 5 de junho de 2011

Caso São Bento: entender o cotidiano das relações escola/família para ir além da punição e da vingança

Na sexta pela manhã, estava voltando de uma caminhada pela Lagoa quando, ao acessar meu mural no Facebook pelo celular, acabei por me deparar com um post da antropóloga Alba Zaluar que remetia a um caso acontecido no colégio São Bento, trazendo uma “carta dos pais de um menino de 6 anos agredido no CSB” (http://www.facebook.com/notes/adriana-baron-silva-ramos/carta-dos-pais-do-menino-de-6-anos-agredido-no-csb/232961413386120).

Como estou desempenhando a função de professor do módulo de Epistemologia da Educação do curso Administração Escolar e Coordenação Pedagógica na pós-graduação da Universidade Veiga de Almeida, Campus Barra, cuja sessão final se realizou ontem, decidi inserir este caso em uma parte da sessão de aula, a fim de remeter ao debate acerca da interface entre família e escola na contemporaneidade. Houve cerca de 40 minutos entre a exposição comentada da carta e o debate com a turma.

Durante o debate os alunos mencionaram que o Colégio havia se posicionado em nota (http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/06/01/colegio-sao-bento-afirma-em-nota-que-nao-vai-expulsar-adolescente-acusado-de-agredir-aluno-de-6-anos-924588645.asp), a qual só li agora, que elaboro esta postagem, em função de uma proposta que partiu de Roberto Mosca Júnior, colega de longa data, professor de sociologia no ensino médio, pesquisador, blogueiro, que no momento está “dentro” do Colégio São Bento, desempenhando a função/papel de professor.

Enfim, o objetivo aqui não é de julgar o colégio, muito menos de chegar à verdade, mas tão somente criar condições de debater um caso que extrapolou a interface família/escola, chamando atenção e gerando inconformismo em relação ao caso.

Desta forma, vou começar com uma síntese das duas provocações que fiz à turma, e uma sequência de tópicos que resumem os pontos de vista que compuseram o contexto de discussão. Desta forma, acredito que possamos, eu e Mosca (entendendo tanto “eu”, quanto “ele” como redes de subjetividades, valores e sujeitos que estão interligados neste processo, desde que queira participar).

As duas posições provocativas que deram início à discussão, baseadas apenas na carta dos pais do aluno, foram as seguintes:

1) Considerando o conteúdo da carta, a escola procurou mapear as informações que podiam servir de base para entender o que havia acontecido, de forma a contemplar diferentes pontos de vista (alunos em conflito, inspetores, demais atores) se posicionar em relação ao acontecido, bem como de contactar a família do agredido, de forma que esta não se sentisse enganada pela escola?

2) Mesmo considerando a instabilidade emocional presente no texto, até que ponto a postura destes pais revela expectativas de que a escola seja a principal formadora de valores dos filhos (em especial pela referência à ética e moral, elementos que a família, a meu ver, configura-se como principal “instituição” responsável...), bem como promove uma estigmatização do agressor e uma sede de vingança (lembrei do filme Dogville...), cujas conseqüências não me parecem ser lá muito “positivas”?

Eis os tópicos trazidos pelo debate na turma, aos quais procuro acrescentar uma ou outra observação. Aqui optei por manter o anonimato dos alunos que debateram, deixando a eles a opção de escolher (ou não) se posicionar na medida em que esse debate se alastre pelos murais do Facebook (ou não...). Cabe destacar que, como o objetivo é fomentar um debate, mais do que assertivas, estes tópicos configuram questões:

·         Num primeiro momento, há uma tendência de apontar um erro da escola. No entanto, pragmaticamente este “erro” não pode ser visto como uma incapacidade de agir em uma situação como esta, especialmente por não ter condições de mapear as redes de informação que circulam fora dos canais convencionais (como os comentários e fofocas que devem ter tomado conta daquele contexto de interação que é o colégio...)? Será que o colégio poderia ter condições de assumir uma “fragilidade” como esta na medida em que está inserida no que pode ser visto como um mercado, onde a reputação vale muito?

·         Os pais desempenham uma dramatização. Sem dúvida, mas essa dramatização pode ser complexificada e ampliada se entendermos e inserirmos em um plano analítico todo o cenário e atores que desempenham suas ações, nos moldes do que propõe a corrente do interacionismo simbólico na sociologia?

·         Neste sentido, a passagem da carta dos pais que remete à falta de devida atenção dos “inspetores” traduz uma ausência de profissionais preparados para lidar com situações de imprevisibilidade e conflito? Mas como manter profissionais deste tipo como instrutores, quando dois destes profissionais podem ser remunerados pela mensalidade paga por um aluno? Até que ponto, existe interesse em investir neste mapeamento das redes de sociabilidade em escolas que cobram mensalidades capazes de atrair apenas uma “clientela” de altíssima renda familiar? Quanto paga um aluno do São Bento para usufruir de toda a qualidade oferecida/esperada? Qual a proporção de instrutores por aluno neste colégio? Quais são as orientações para os conflitos que são eminentes em um recreio, por exemplo, momento em que convivem alunos de diferentes idades e desenvolvimento corporal?

·         Quando a escola remete a uma “brincadeira” ou “acidente” (um tombo...), não se configura aí uma forma de “justificativa perfeita” para encobrir uma incapacidade da escola (e quais instituições não apresentam incapacidades? Tomara que consigam dar conta quando identificada...), na medida em que as brincadeiras são totalmente passíveis de diferentes interpretações (veja isso na noção de sociabilidade agonística, exposta em http://lidadiaria.blogspot.com/2010/11/construcao-da-nocao-de-sociabilidade.html), bem como os acidentes não são passíveis de prevenção?

·         Até que ponto o colégio buscou dialogar com as famílias frente a frente, dando chance de estabelecer uma pedagogia com base na justiça restaurativa, ou só tratou de se “livrar do problema”? Será que a escola tentou o diálogo e a família do agredido não se colocou à disposição para tal? Não cabe a mim, estabelecer qual a postura adequada de qualquer parte em questão, tendo em vista que os elementos que não aparecem podem mudar todo o cenário que estava colocado pela carta dos pais, lembrando que na discussão realizada é que fui saber da nota veiculada pelo colégio.

·         A discussão na turma da pós encaminhou para entender como foi tratado o problema, a partir da visão dos pais do aluno que sofreu dano físico. Logo, como comunicar para a família mediante a incapacidade de mapear as circunstâncias que caracterizam a situação de agressão?

·         A reação das 100 famílias que assinam a resposta do colégio ao fato (quando este extrapolou sua esfera de controle) não mostram a capacidade de mobilização de redes desta instituição que é o São Bento, acionando suas redes de contatos pessoais e institucionais, de forma a contra-balancear o incômodo gerado pelo lastro deixado pelo “vazamento” do problema para a “sociedade em geral” pela publicização dada à carta dos pais, afetando a reputação do colégio no mercado? Neste sentido, o colégio deixou a “bomba” que já havia estourado para “desarmar” as que poderiam explodir na seqüência”?

·         Até que ponto este caso ganhou a esfera pública por ter acontecido em uma escola que atende uma classe social de alto poder aquisitivo? Aqui a turma assinala, a meu ver com muita propriedade, que situações semelhantes ou mais graves (em termos de dolo...) acontecem diariamente nas redes públicas, por exemplo, e não recebem a devida atenção. Desta forma, por que não utilizar este caso, que gerou discussões controversas, para pensar como lidar com conflitos como estes em diferentes contextos?

Bem, não espero respostas imediatas, nem certezas, do Roberto ou de quem quer que seja. O objetivo é instaurar um debate amplo, geral e irrestrito nos murais do Facebook, bem como nos blogs (Roberto mantém um interessante: http://robertomoscajunior1972.wordpress.com/), a fim de buscar maior atenção ao cotidiano das relações que se configuram entre as escolas e as famílias, como chave para entender os conflitos como possibilidade pedagógica.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sua abordagem parece boa filosóficamente e é útil, porém acho que ela pede o foco em vários momentos:
1- O papel da escola na formação do indivíduo: indubitavelemente, a família tem um papel preponderenato, não obstante, a família da criança de 6 anos não tem nenhuma ingerencia na formação que a do adolescent dá a este.
Quando estão na escola, é função desta ganrantir um ambiente seguro em que ela não seja agredida ou sofra bullying. Se a escola não pode ser responsabilizada isoladamente pela formação moral de 1 indívidou, assim como a sociedade, ela tem responsabilidade de coibir, dentro de suas instalações, atos de bullying, agressão, etc e parece que ela não conseguiu isto e pior, não desenvolveu nenhuma ação efetiva para coibir casos futuros.

2- A família da criança de 6 anos quer seus direitos. Mais para além de questôes de objetivos da escola, elas tem um contrato com os pais.
Se trabalhamos em uma empresa, ela é respons´vel pela integridade física dos funcionários.
É válida a discussão até que ponto a escola participa na formação moral do indíviduo, mas não se discute sua responsbilidade sobre o que ocorre em seu campus.
Quanto ao exemplo que a escola deu, não buscando o esclarecimento, mas tentando minimizar e sconder o fato não há discussão.
Do ponto de vista da imagem, é muito pior que o acidente. Uma atitude mais corajosa de apurar informar e mostrar ações para garantir um ambiente livre de agressões e bons exemplos aos alunos seria benefica para sua imagem.
O que ela fez deu a impressão de falso marketing, que ela quer se preservar mais que fazer o correto.

Marcelo Castañeda disse...

"Anônimo", fico feliz com sua opinião em relação ao que a "minha" abordagem te passa em termos de um "bom" juízo de valor, afinal foi em uma aula de epistemologia da educação que a discussão surgiu...

Meu objetivo foi dar um pontapé para um diálogo com diferentes perspectivas, como a sua, tem um sentido assumido de abrir a discussão.

Achei interessante suas duas colocações e concordo com ambas. No entanto, suspeito que diferentes interpretações estejam em jogo na geração do que pode ser visto como dissonância, o que é compreensível.

Por isso, cabe destacar que, considerando que esta postagem não afirma, mas questiona, quando faço referência à formação ética e moral como responsabilidade da família, não quero alimentar uma dicotomia simplista, muito menos afirmar que a escola não tenha sua parcela de responsabilidade neste aspecto.

Porém, o que percebo é que a escola (genericamente) se arroga esta responsabilidade, por vezes até mais que a família, o que em uma relação de mercado complexifica mais ainda a situação...

Enfim, ao debate...