quinta-feira, 29 de outubro de 2009

"Localismo, globalismo e identidade cultural" (Mike Featherstone), fichamento

1. O autor critica interpretações simplistas do processo de globalização (homogeneização ou fragmentação), mostrando a complexidade diante de situações hegemônicas e de estratégias de preservação, adaptação ou resistência de culturas locais ou particulares. Desta forma, propõe um outro modelo para interpretar o processo de globalização baseado na relação social entre grupos “estabelecidos” e “forasteiros”.

2. Um problema na formulação de uma teoria da globalização é a adoção de uma lógica totalizante, que suponha a ocorrência de um processo geral de globalização que torna o mundo mais unificado e homogêneo. Neste sentido, a intensificação da compressão do espaço-tempo global pelos processos universalizantes das novas tecnologias da informação, finanças e mercadorias implica o recuo inevitável de culturas locais. As experiências e meios de orientação se divorciam dos lugares físicos e o destino dos locais de trabalho e moradia aparece à mercê de agências desconhecidas. Desta forma, o localismo e o sentido de lugar recuam diante do anonimato de “espaços de não-lugar” ou ambientes simulados. Outro problema remete aos relatos monológicos que associam o êxito do processo de globalização à extensão da modernidade, que deixam de lado a variabilidade cultural de nações-estado e civilizações não-ocidentais, além da especificidade do complexo cultural da modernidade ocidental.

3. Featherstone (1996) entende que o processo de globalização deve ser visto como a abertura da percepção de que o mundo agora é um só lugar com o inevitável aumento do contato: maior diálogo entre nações, blocos e civilizações formando um espaço dialógico em que a expectativa é de discordância, conflito e confronto de perspectiva, não apenas trabalho conjunto e consenso. As nações participantes de outros agentes estão presos em teias de interdependência e correlações de poder em função de sua complexidade e sensibilidade à mudança, bem como pela capacidade de transmitir informação sobre deslocamentos de fortuna, fatores que implicam uma maior dificuldade em reter imagens simplificadas e estáveis de outros. Neste sentido, a dificuldade em lidar com níveis ascendentes de complexidade é uma das razões pelas quais o “localismo” torna-se um tema importante. Desta forma, o autor não considera o global e o local como dicotomia separada no espaço-tempo, mas aponta para uma indissociabilidade dos processos de globalização e localização na fase atual.

LOCALISMO E COMUNIDADES SIMBÓLICAS:

4. Na tradição sociológica, o termo local aparece associado à noção de um espaço particular delimitado, como um conjunto de relações sociais estreitas baseadas em fortes laços familiares e tempo de residência, presumindo uma identidade cultural estável, homogênea e integrada, duradoura e única. Featherstone (1996) destaca que grande parte das pesquisas sobre localidades desenvolvidas na área de sociologia urbana e de comunidades foi influenciada por dois pressupostos: (I) o passado era visto como tempo de relações sociais mais simples, mais diretas e mais fortes, como nas oposições status e contrato (Maine), solidariedade mecânica e solidariedade orgânica (Durkheim) e comunidade e associação (Tönnies); (II) derivado da antropologia, a necessidade de fornecer descrições etnologicamente ricas da particularidade de pequenas cidades ou aldeias relativamente isoladas a fim de examinar as formas de transformação de comunidades locais pelos processos de industrialização, urbanização e burocratização, processos modernizantes vistos como abrangentes, anunciando o “eclipse da modernidade”. O autor destaca a “função de nojo” para enfatizar as freqüentes alternâncias entre identificação emocional, desejo de mergulhar no calor e na espontaneidade da comunidade local, de um lado, e o asco, o nojo e o desejo de distância, de outro.

5. Featherstone (1996) alerta para não presumir uma comunidade integrada quando falamos de uma localidade, além de não trabalhar com a visão de que as localidades só mudam por um processo linear de modernização, implicando o eclipse da comunidade e da cultura local. O estereótipo de uma localidade é de um lugar relativamente pequeno onde todos se conhecem, onde a vida social se baseia em relações face-a-face, presumindo que a intensidade dos contatos cotidianos gera um estoque comum de conhecimentos que reduz os desentendimentos. A regularidade e freqüência de contatos com outros é considerada como sustentação de uma cultura comum. Além de um certo exagero nos níveis local e nacional desse conjunto integrado de “valores nucleares” ou pressupostos comuns enraizados em práticas cotidianas, o autor menciona os rituais, cerimônias e memórias coletivas de sustentação emocional como mais uma dimensão da integração cultural, cujo uso atua como baterias que guardam e recarregam o sentido de comunalidade (rituais e cerimônias) ou mesmo contextos grupais periodicamente reforçados pelo contato com outros que partilharam da experiência inicial (memórias coletivas).

A NAÇÃO ENQUANTO COMUNIDADE:

6. Questões: haverá limites para o tamanho do grupo e do lugar a ser considerado como comunidade local? Pode uma nação ser considerada uma comunidade local?

7. Etimologicamente, Featherstone (1996) mostra a origem do termo em natio, comunidade local, condição de pertencer a uma família, um domicílio. Essa possibilidade é evitada por marxistas com simpatias internacionalistas (Raymond Williams), mas é contratada por antropólogos como Benedict Anderson, que defende o termo para “toda comunidade maior que a aldeia primordial de contato face-a-face. Neste sentido, o autor destaca que a distinção da comunidade deve se dar pelo estilo em que é imaginada ao invés de sua falsidade/autenticidade.

8. Featherstone (1996) considera a nação como uma comunidade imaginada que fornece um sentido de pertencimento quase religioso aos que partilham desse lugar simbólico particular, que pode ser um espaço geograficamente delimitado, sedimentado com sentimentos simbólicos capazes de gerar um sentido de comunalidade. Desta forma, certos lugares podem adquirir um status emblemático particular como monumentos nacionais e representar uma forma de laço simbólico que supera e incorpora as várias afiliações locais que as pessoas têm. O autor considera que essa é uma parte essencial do processo de construção nacional em que o Estado estimula ativamente a elaboração do núcleo étnico. Neste sentido, a criação de uma comunidade nacional é inventada a partir de um estoque de mitos, heróis, eventos, paisagens e memórias. Featherstone (1996) destaca, assim, que a possibilidade de uma nação depende do desenvolvimento do livro, do romance e do jornal, juntamente com um público leitor, sendo que a indústria cinematográfica facilita ainda mais esse processo. A nação é representada por um conjunto mais ou menos coerente de imagens e lembranças que lidam com as questões cruciais de origem, diferença e distinção de um povo, tendo uma base quase religiosa. Desta forma, o sacrifício e o sofrimento devem ser entendidos pela capacidade dos discursos, imagens e práticas de sustentação nacional proporcionarem um sentido maior que transcende a morte ou que dá significado à morte subsumindo o indivíduo à totalidade sagrada.

9. Entretanto, o autor também destaca as pressões externas da figuração do outro significante a que o Estado-nação pertence e a escalada de lutas de poder que podem tornar a construção de uma identidade nacional mais importante. Neste sentido, o conflito aumenta o sentido de diferença entre “os de dentro” e “os de fora”. Simmel destaca a capacidade dos conflitos de unificarem a estrutura interna de um grupo. Este autor (Simmel) possibilita elaborar uma noção da natureza multidimensional e relacional da vida social. Assim, uma cultura local pode ter um conjunto comum de relações de trabalho e de parentesco que reforça a cultura prática vivida cotidianamente, sedimentada em conhecimentos e crenças tomados como dados. A articulação dessas crenças e do sentido de particularidade torna-se mais nítida quando a localidade se envolve em lutas de poder e provas eliminatórias com seus vizinhos. Neste caso, vê-se a formação de uma cultura local em que a particularidade da sua própria identidade é sublinhada e a localidade apresenta uma imagem simplificada e unificada de si mesma (face ou máscara da comunidade local). A questão de Featherstone (1996) é a direção do foco: internamente, pode considerar a comunidade com todo tipo de independências, rivalidadades, lutas de poder e conflitos, mas, em certas situações estas lutas podem ser esquecidas (quando entra em conflito com outra ou quando está envolvida em disputas inter-regionais). Nestas situações, a particularidade de cada um é subsumida na coletividade maior e desenvolve-se um trabalho cultural para a construção de uma imagem pública aceitável, processo que implica a mobilização do repertório de símbolos comunais e memórias e sentimentos coletivos.

10. Torna-se relevante na situação global contemporânea a capacidade de deslocar a moldura, de mover-se entre vários focos, de lidar com um leque de material simbólico de onde várias identidades podem ser formadas e reformadas em situações diferentes. Ao invés de um empobrecimento cultural, Featherstone (1996) identifica uma extensão de repertórios culturais e um aumento dos recursos de vários grupos para criar novos modos simbólicos de afiliação e pertencimento, esforçando-se para retrabalhar e reformular o significado de signos existentes e minar hierarquias simbólicas existentes para seus próprios fins de maneira que os centros culturais dominantes não podem ignorar. Este deslocamento tem sido ajudado e apoiado por grupos de especialistas culturais e intermediários simpáticos ao local.

11. As interações bilaterais entre Estados-nação, em especial as que envolvem competição e conflito crescentes, podem ter o efeito de unificar a auto-imagem de uma nação, a imagem apresentada ao outro. Este processo, de apresentação externa da face nacional, comporta uma dimensão interna e depende dos recursos de poder que determinados grupos possuem para mobilizar o núcleo étnico. Neste sentido, o processo de formação cultural de uma identidade nacional sempre implica uma parte sendo representada como o todo: uma representação particular da nação é apresentada como unânime e consensual. Featherstone (1996) destaca que a fragilidade e a volatilidade das emoções incorporadas na nação e a luta pela legitimidade da representação sugerem que as culturas nacionais devem ser consideradas em termos processuais.

12. As imagens construídas na televisão e no rádio são parte necessária do processo de formação da identidade nacional pela capacidade de estabelecer uma ponte entre o público e o privado. A nação é uma coletividade abstrata demasiado grande para ser vivida diretamente pelas pessoas, sendo que não é apenas pela existência de rituais cívicos, mas também pela representação de eventos que se liga a nação. O autor destaca que a televisão não apenas representa, mas também constrói os eventos. Entretanto, não se trata de uma audiência passiva, tendo em vista que indivíduos e famílias também podem reconstituir o espaço cerimonial do lar, observando os rituais, se arrumando e “participando”, sabedores de que inúmeros outros estão fazendo o mesmo. Desta forma, uma audiência “atomizada” pode ocasionalmente ser unida por eventos midiáticos.

13. Não devemos considerar culturas isoladas, mas localiza-las na matriz relacional dos outros significantes. Desta forma, as nações não apenas interagem, mas formam um mundo, pois cada vez mais suas interações ocorrem dentro de um contexto global, que viu o desenvolvimento do seu próprio corpo de procedimentos formais e dados baseado em processos e modos de integração que simplesmente não podem ser reduzidos aos interesses e ao controle das nações individuais. Exemplo: desenvolvimento de procedimentos e convenções diplomáticos e leis internacionais; poder independente de corporações multinacionais. A percepção e extensão desses processos pode aumentar a sensibilidade das nações para a necessidade de preservar a integridade de suas próprias tradições culturais e pode ser usada para promover reações fundamentalistas e contraglobalizantes.

14. Com o maior contato e o sentido de finitude do mundo, a consciência de que o mundo é um só lugar, Featherstone (1996) destaca que um dos efeitos do processo de globalização é levar à confrontação de uma pluralidade de interpretações diferentes do significado do mundo, formulado a partir da perspectiva de tradições nacionais e civilizatórias diversas. Temos uma pluralidade de respostas nacionais ao processo de globalização que não são redutíveis às idéias geradas na modernidade ocidental, configurando um dos problemas para mapear a condição global contemporânea, ou seja, o leque diversificado de respostas culturais nacionais que continuam a deformar e reformar, fundir, sincretizar e transformar, de maneiras variadas, os alegados processos-mestres da modernidade.

15. Featherstone (1996) critica as teorias da modernidade (Weber e Habermas, em especial) que tem o pressuposto de que a modernização necessariamente implica o eclipse das tradições nacionais e identidades culturais. Pelo exame das práticas cotidianas atesta-se a presença de significado e tradição, do corpo, da intimidade, do saber local, de tudo que se supõe ter sido eliminado dos “sistemas abstratos”. As práticas em ambientes locais fazem com que as classificações compartilhadas e profundamente valorizadas que as pessoas usam se convertam em uma forma do sagrado, tendo em vista que a modernidade não significou a perda da mágica ou do encantamento nem do uso ficcional de classificações simbólicas em instituições locais.

16. Esta idéia de modernidade aponta para o pós-modenismo e a pós-modernidade, que Featherstone (1996) entende como a consciência crescente dos limites do projeto de modernidade. De forma simplificada, o autor destaca que o pós-modernismo sugere o problema de lidar com a complexidade cultural, com aquilo que, do ponto de vista de categorias bem organizadas, parece ser desordem, mas que não pode ser adequadamente incorporado na classificação existente nem ignorado. Assim, (I) implica uma perda de confiança nas grandes narrativas de progresso e iluminismo, centrais à modernidade ocidental, sendo substituídas pela ênfase na contingência, na incoerência e na ambivalência com uma crescente consciência da multicodificação, da hibridização e do sincretismo cultural; (II) há a democratização e popularização de formas de conhecimento e de produção e difusão cultural que antes eram previamente monopolizadas ou controladas por grupos estabelecidos, criando uma sensibilidade aos anteriormente excluídos de classificações existentes. Desta forma, temos uma apreciação pela particularidade legítima do saber local e de perspectivas externas (feminismo e pós-colonialismo) em um processo acompanhado pela ampliação do que é considerado relevante no estudo da vida social e cultural no sentido de incluir perspectivas minoritárias, com uma ênfase na pluralidade, em histórias contestadas e irreconciliáveis em oposição a uma História unificada e unidirecional, sendo neste sentido que Vattimo (1988) fala de “fim da história”, entendendo um fluxo histórico unificado e singular nascendo do Ocidente, para o qual todas as demais civilizações, tradições culturais e Estados-nação inevitavelmente deverão fluir.

GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL:

17. Se o termo globalização refere-se ao processo pelo qual o mundo é cada vez mais visto como “um só lugar” e às formas pelas quais nos conscientizamos disto, as mudanças culturais tematizadas sob a bandeira do pós-moderno apontam na direção oposta. Featherstone (1996) entende que a globalização não implica que há, ou haverá, uma sociedade ou cultura mundial unificada, mas que é possível referir-se ao desenvolvimento de uma cultura global em um sentido menos totalizante considerando-se dois aspectos do processo de globalização:
(I) no sentido de “terceiras culturas”, conjuntos de práticas, corpos de conhecimento, convenções e estilos de vida que se desenvolveram de forma crescentemente independente dos Estados-nações. O processo de globalização é desigual, sendo que nos bairros das cidades mundiais é que veremos pessoas trabalhando em um ambiente que depende de meios avançados de comunicação que superam as separações entre tempo e espaço (análise deste aspecto na pág. 25).
(II) no sentido do globo como um espaço delimitado, finito e cognoscível, representando tanto o limite quanto o espaço comum delimitado, com a produção de um choque de culturas como resultado do aumento da intensidade de contato e da comunicação entre nações e outros agentes.

18. Com isso, o autor considera que as mudanças que ocorrem na atual fase de globalização intensificada estariam provocando reações que procuram redescobrir a particularidade, o localismo e a diferença, que geram uma noção dos limites dos projetos culturalmente unificadores, ordenadores e integradores associados à modernidade ocidental. Neste sentido, argumenta que a globalização produz o pós-modernismo.

19. Featherstone (1996) critica a tese de homogeneização cultural, sugerindo algumas possibilidades:

(I) delinear algumas das estratégias de absorção/assimilação/resistência que as culturas periféricas podem adotar diante de imagens e bens culturais e de massa originados nos centros metropolitanos. O autor entende que as interações cultura local/cultura de mercado são normalmente mediadas pelo Estado-nação que, no processo de criar uma identidade nacional, educará e empregará seus próprios intermediários e especialistas culturais. Neste sentido, é provável que surjam diversas formas de hibridização ou crioulização em que os significados de bens, informações e imagens de origem externa são retrabalhadas , sintetizadas e fundidas com tradições culturais e formas de vida existentes. Em relação aos efeitos da televisão, o autor entende a necessidade de ir além das formulações simplificadas opostas que destacam manipulação ou resistência das audiências. De um lado, manipulação e resistência, de outro, homogeneização e fragmentação. Neste sentido, os recursos globais são frequentemente indigenizados e sincretizados, produzindo uma fusão e identificações particulares que sustentam a noção do local.

(II) ver as formas pelas quais as corporações transnacionais cada vez mais dirigem às diversas partes do globo uma publicidade planejada sob medida para mercados e audiências diferenciadas.

20. Featherstone (1996) entende que as diversas combinações e fusões de processos aparentemente opostos e incompatíveis como homogeneização e fragmentação, globalização e localização, universalismo e particularismo, apontam para os problemas nas tentativas de conceber o global em termos de um esquema singular integrado e unificado. Segundo Appadurai (1990), a ordem global deve ser entendida como “complexa, justaposta e disjuntiva”, ou seja, envolve conjuntos de fluxos não-isomórficos de pessoas, tecnologias, finanças, imagens e informações midiáticas e idéias.

21. A cidade mundial é um ponto importante onde se cruzam e convergem os diversos fluxos de pessoas, bens, tecnologias, informação e imagens, em que encontramos a justaposição de ricos e pobres, os novos profissionais da classe média e os sem-teto e uma variedade de outras identificações étnicas, tradicionais e de classe, onde pessoas do centro e da periferia se encontram no mesmo espaço (Londres, Paris, Nova York, Los Angeles, Bangkok, Rio de Janeiro, Cidade do México, São Paulo e Manila). A primeira cidade multicultural teria se desenvolvido durante a colonização, como Rio de Janeiro, Calcutá ou Cingapura. O autor reivindica uma noção que adote uma concepção global do moderno que focalize a dimensão espacial, a relação geográfica entre centro e periferia em que as primeiras sociedades multirraciais e multiculturais estavam na periferia e não no centro, foi lá que primeiramente ocorreram a diversidade, o sincretismo e o deslocamento. O processo de intensificação dos fluxos de pessoas das ex-colônias para os centros metropolitanos no período pós-guerra nos fez perceber o aspecto colonial do desenvolvimento da modernidade e da questão da identidade cultural.

22. Featherstone (1996) argumenta que os problemas de tentar viver com identidades múltiplas ajudam a gerar discursos intermináveis sobre o processo de encontrar ou construir uma identidade coerente. O autor destaca argumentos que enfatizam a busca de uma identidade coletiva forte, uma nova forma de comunidade, no interior de sociedades modernas, ao invés de produzir um individualismo crescentemente estreito e uma preocupação narcisista com a identidade individual: (1) o processo de desenvolvimento da modernidade para a pós-modernidade implica um movimento do individualismo ao coletivismo, da racionalidade para a emocionalidade, que traz um novo tribalismo, proporcionando um forte sentido de localismo e identificação emocional (Maffesoli, 1995). Neste sentido, trata-se de identificações temporárias na medida em que as pessoas necessariamente continuarão se movendo através do fluxo infindável de socialidade para estabelecer novos laços (Bauman, 1991, 1992); (2) processo de marketing global da indústria do turismo, com locais em contato com outro conjunto de locais na localidade turística sendo altamente regulado e ritualizado, da mesma forma que pós-turistas mais sofisticados estão mais interessados na parafernália dos bastidores e na construção do espetáculo e do cenário, ou então “selvageria representada ou encenada”. As tribos não têm recursos de poder suficientes para manipular o grau de abertura ou fechamento das fronteiras de seu território nos seus próprios termos.

OBSERVAÇÕES FINAIS:

23. Todas as teorias globalizantes são auto-representações do particular dominante (King): problema da localização do teórico: escreve de um lugar particular e dentro de uma tradição de discurso particular.

24. Na medida em que membros do “resto” vão cada vez mais viver no Ocidente e conseguem ser ouvidos, podemos esperar muitos outros relatos que desafiam as “auto-representações do particular dominante”. Entretanto, por mais que seja importante o movimento em direção à desconceitualização, resta o problema da reconceitualização, da possibilidade de construir modelos gerais do globo mais abstratos, em nível mais alto. Alguns pontos ganham relevância:

(I) A nossa conceitualização do globo, sendo mais adequado representar o processo de globalização como um amontoado, uma congérie ou um agregado. Desta forma, a cultura global consiste em amontoados, congéries e agregados de particularidades justapostas no mesmo campo, no mesmo espaço delimitado, em que o fato de que não se encaixam nem querem se encaixar torna-se notável, constituindo uma fonte de problemas práticos.

(II) Tendências sistêmicas da vida social, derivadas do poder expansivo e integrador de processos econômicos e dos esforços hegemônicos de determinados Estados-nação ou blocos: necessidade de conhecimento prático modelado de forma sistemática que possa gerar informações tecnicamente úteis e um planejamento racional. Apesar de certos aspectos do nosso mundo se tornarem passíveis de uma análise sistêmica, a relação entre sistema e cultura, embora as culturas sejam plurais e crioulas em termos de suas origens, o fato de elas se identificarem como tal depende de outros processos.

(III) Elias argumenta que nas situações em que grupos estabelecidos estão firmes na situação de controle, as relações com grupos externos são mais hierárquicas e o grupo dominante é capaz de colonizar o mais fraco com seu próprio padrão de conduta. Os estabelecidos desenvolvem uma “imagem de nós” coletiva baseada no sentindo de superioridade e de “carisma de grupo”, uma imagem inseparável da imposição e internalização no sentido de “desgraça de grupo”, o estigma de desvalorização e inferioridade por parte do grupo externo. Os “forasteiros” são normalmente classificados como “sujos, moralmente indignos de confiança e preguiçosos”. Ao mesmo tempo, essa fase colonizadora da relação entre estabelecidos e forasteiros pode sofrer um deslocamento de interdependência e de equilíbrio relativo de poder para uma segunda fase de “democratização funcional”. Nesta fase, as pessoas se envolvem em redes mais densas e mais longas de interdependências que o grupo estabelecido dificilmente pode controlar, muito modelos são considerados injustos para com a particularidade e a complexidade, ficando sujeitos à crítica e à rejeição. Desta forma, se desenvolve um interesse na construção de modelos e teorias que possam incorporar noções de sincretismo, complexidade e padrões aparentemente aleatórios e arbitrários.

25. Featherstone (1996) deixa claro o caráter especulativo das considerações finais, salientando a dificuldade de utilizar modelos do tipo estabelecidos/forasteiros em situações em que há um número crescente de participantes do “jogo global” e as fronteiras entre as coletividades podem ser ultrapassadas ou ignoradas, mas talvez sugiram que não deve haver precipitação no sentido de dispensar por completo as teorias das relações sociais.

REFERÊNCIA:
FEATHERSTONE, Mike. Localismo, globalismo e identidade cultural. In: Sociedade e
Estado, v. XI, nº 1, 9-42, jan.-jun., 1996.

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