Mediante a impossibilidade de estar presente em dois lugares ao mesmo tempo, disponibilizo as conclusões do estudo realizado entre 2006 e 2007 sobre a carceragem da Vila Amélia. Tirando pequenos detalhes referentes aos números aferidos, ainda é um diagnóstico infelizmente atual.
1. Sistema de informações pouco confiável no Setor de Custódia da 151ª Delegacia de Polícia Civil
A base de informações geradas pelo Sistema Geral de Detentos / Controle de Carceragem da 151ª Delegacia de Polícia para os “Relatórios de Acautelados – Individual” é incompleta e de baixa confiabilidade.
É possível que o contingente de custodiados seja maior do que o número de relatórios gerados pelo sistema, considerando que pelo menos dois indivíduos estavam desde data anterior a 25/05/2006 na carceragem da Vila Amélia e seus relatórios não constavam entre os emitidos nesta mesma data para a realização do estudo de caso.
As principais lacunas de informações encontradas nos relatórios referem-se aos tópicos: (a) situação jurídica - se custodiado ou já condenado - dos indivíduos (31% dos relatórios); (b) local de residência à época da custódia (26,55% dos relatórios); (c) Vara Criminal que responde ao processo (12,25% dos relatórios).
A ausência dessas informações diminui a precisão de análise para questões importantes inerentes aos objetivos do estudo de caso, o que foi, em parte, compensado com a realização de entrevistas individuais envolvendo 63 custodiados (52%) em um universo de 121.
2. Ausência de condições mínimas para custódia de indivíduos na carceragem da Vila Amélia: violação dos direitos humanos básicos
A insalubridade da carceragem não propicia as condições mínimas necessárias para a custódia de indivíduos e provoca, de forma mais freqüente, doenças respiratórias, surtos de sarna e condições de existência que ferem o estabelecido por tratados internacionais de garantia dos direitos humanos assinados pelo Brasil.
A superlotação caracteriza a ilegalidade da carceragem da Vila Amélia, tendo em vista que não há o cumprimento do espaço mínimo de seis metros quadrados estabelecido pela Lei de Execuções Penais.
Além disso, há o convívio de indivíduos que ainda respondem processos sob a custódia do Estado com outros que já estão sentenciados, condenados, e deveriam estar cumprindo pena no sistema penitenciário e não em uma carceragem ilegal de delegacia, como no caso da 151ª Delegacia de Polícia Civil.
Há consumo de drogas ilícitas (maconha e cocaína) e entrada de telefones celulares, através dos “faxinas” - o canal de comunicação entre os custodiados e o policial lotado como chefe do setor de custódia da 151ª Delegacia de Polícia Civil - ou sendo arremessados por cima do baixo muro, caindo no pátio interno da carceragem.
O fato de apenas um policial civil estar responsável pela custódia de um grande número de indivíduos - que varia de 100 a 150 - pode explicar a facilidade para a entrada de drogas na carceragem da Vila Amélia, além de gerar um problema de segurança pública local, pois os indivíduos custodiados não fogem, em sua maioria, por que não querem ou não estão organizados para tal ação.
O atendimento jurídico aos custodiados é prejudicado pela inexistência de um local adequado que possa ser utilizado para esse fim tanto por defensores públicos quanto por advogados particulares.
A esse fato soma-se a falta de infra-estrutura e de pessoal da Defensoria Pública na região: o Fórum da Comarca de Nova Friburgo, por exemplo, só dispõe de um defensor público criminal sem qualquer assessoria que não seja de estagiários, voluntários; e nas demais Comarcas, o defensor público está distante e sem condições de viajar para prestar a devida assistência ao custodiado que responde ao processo em outras Varas Criminais fora do município de Nova Friburgo.
Os obstáculos que os custodiados enfrentam para receber a assistência jurídica adequada são enormes, sendo que aqueles que não passaram por processos de ruptura familiar podem ser considerados privilegiados por estarem sendo informados constantemente por seus familiares sobre o andamento do processo, bem como contando com a assistência familiar para fornecimento de itens de higiene pessoal e limpeza das celas – como sabão em pó e vassouras -, o que configura uma completa ausência do Estado na garantia de condições mínimas para requerer a custódia desses
indivíduos nas instalações da carceragem da Vila Amélia.
Por se tratar de uma carceragem concentradora o ideal seria que um defensor público estivesse especificamente designado para atender a essa estrutura, o que reflete a falta de integração entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo no estado do Rio de Janeiro, mais especificamente a Secretaria de Segurança Pública.
Não há atendimento médico-odontológico na carceragem da Vila Amélia, sendo difíceis até os encaminhamentos ao Hospital Municipal Raul Sertã para casos de emergência, sendo que os custodiados estão distantes do momento em que possam contar com psicólogos ou assistentes sociais, gerando um quadro de completo abandono, um “depósito de gente”.
Os custodiados também não desenvolvem qualquer atividade laborativa ou educacional, permanecendo, em média, 23 horas por dia trancados nas celas com direito a apenas uma hora de banho de sol.
3. Jovens de baixa escolaridade e baixa renda estão custodiados na carceragem da Vila Amélia
O perfil dos custodiados é de jovens entre 18 e 35 anos (67%), de baixa escolaridade (25,6% são analfabetos e 60,3% não terminaram o ensino fundamental), pobres, que estavam, em média, a oito meses e meio na carceragem da Vila Amélia.
Os custodiados estão enquadrados criminalmente, de forma predominante, em delitos relacionados ao tráfico de drogas (35,6%) e a crimes contra o patrimônio (22,3%) e contra a vida (19,9%), que totalizam 77,8% dos casos que estavam na carceragem da Vila Amélia em 25/05/2006.
O sentimento de marginalidade social e econômica é intensificado nesses indivíduos durante o tempo de custódia, devido às condições de abandono e desatenção propiciadas pelo Estado o que provoca situações de revolta ou resignação perante a situação em que se encontravam.
Os custodiados na carceragem da Vila Amélia têm em mente a repulsa e falta de interesse que a sociedade tem para com eles e identificam que o futuro que lhes espera fora da carceragem, caso sejam absolvidos, passa pelo preconceito, derivado do estereótipo de “ex-encarcerados”, com ampliação das dificuldades de inclusão no tecido social já presentes antes de sua custódia.
4. Uma carceragem concentradora regional
A carceragem da Vila Amélia concentra indivíduos custodiados de diferentes municípios, independentemente de estarem ou não dentro dos limites da 11ª AISP e principalmente da região Centro-Norte Fluminense, configurando um quadro de gestão caótica da administração penitenciária no estado do Rio de Janeiro.
A concentração pode ser melhor observada pelo tópico “Delegacia de Origem do custodiado” (3.1.2 do presente estudo de caso) que apresenta apenas dois relatórios (1,7%) sem as informações referentes.
Por este tópico, verifica-se que 42,1% (51 indivíduos) dos custodiados na
carceragem da Vila Amélia em 25/05/2006 tinham seu registro de ocorrência criminal na 151ª Delegacia de Polícia Civil, enquanto 36,4% (44 indivíduos) estavam com registro de ocorrência em Delegacias de Polícia Civil de municípios que compõem a 11ª AISP. Eram 24 custodiados (19,8%) com registros de ocorrência em Delegacias de Polícia que estão fora da 11ª AISP.
Entretanto, outros tópicos desse estudo de caso também mostram a tendência de carceragem concentradora da Vila Amélia. Um deles é a “Vara Criminal em que o custodiado responde o processo” (3.1.2), que apresentava de 12,25% de relatórios sem a informação correspondente.
O outro tópico é o “Local de residência” (3.1.2), que apresentava 26,55% dos relatórios sem a informação. Os dois gráficos a seguir indicam a mesma tendência concentradora da carceragem da Vila Amélia, apesar de serem menos confiáveis por conta dos relatórios sem as informações.
5. Projeto “Delegacia Legal” no Centro-Norte Fluminense: incompleto e sem a necessária discussão com a população local
A apresentação do projeto “Delegacia Legal” pelo governo do estado do Rio de Janeiro, através da Secretaria de Segurança Pública, no município de Nova Friburgo, foi caracterizada pela pontualidade (foram cinco tentativas) e pela falta de diálogo com a sociedade local no período de 2001 e 2006.
Em nenhum momento o governo do estado do Rio de Janeiro procurou promover um debate regional entre os municípios que compõem a 11ª AISP a fim de buscar a melhor solução para implementação do projeto “Delegacia Legal” em sua plenitude (construção de Delegacia Legal em cada município e de uma casa de custódia que comportasse os indivíduos que estivessem custodiados derivados de registros de ocorrência das delegacias).
O governo do estado do Rio de Janeiro atribuiu, de forma unilateral, desde 2001, que o município de Nova Friburgo abrigaria a estrutura de casa de custódia regional na região Centro-Norte Fluminense, com o argumento principal de ser o município que mais gerava custodiados entre todos os que fazem parte da 11ª AISP, além de apontar o município como cidade pólo regional.
Ao perceber resistências na sociedade civil de Nova Friburgo inerentes ao ônus político de implantação de uma casa de custódia, desde 2001, o governo do estado do Rio de Janeiro recuava em relação às suas pretensões, postergando-a para um momento seguinte. Nesse mesmo período, o governo construía as estruturas de “Delegacia Legal nos municípios do entorno de Nova Friburgo”.
No início do ano 2006, quando a carceragem da Vila Amélia já apresentava um quadro caótico, promoveu um processo de “chantagem política” com a população de Nova Friburgo determinando, também de forma unilateral, que se não fosse construída a casa de custódia no município, não haveria a finalização das obras já iniciadas (e paradas desde então) para construção das estruturas de “Delegacia Legal”, de
Delegacia Especial de Atendimento a Mulher (DEAM) e do Centro de Polícia Técnica.
O poder público municipal se ausentou do debate, muito por conta do ônus político envolvido na questão e pela resistência da sociedade local. No mesmo período desse processo, desenvolvia-se pela Prefeitura Municipal de Nova Friburgo (PMNF) a construção do Plano Diretor Participativo.
O governo do estado do Rio de Janeiro não buscou o diálogo com o poder público municipal sequer para discutir a possibilidade de delimitação de uma área para construção da casa de custódia que pretendia implantar.
Esse processo de “chantagem política” culminou em um aumento da resistência da sociedade civil de Nova Friburgo em relação a proposta apresentada pelo governo do estado do Rio de Janeiro, pela quinta vez em cinco anos, em debate ocorrido na Câmara Municipal de Vereadores de Nova Friburgo em 28/04/2006.
6. Uma postura reativa da sociedade civil de Nova Friburgo frente a estrutura invisível da carceragem da Vila Amélia
A invisibilidade da carceragem da Vila Amélia pode ser caracterizada mediante o desconhecimento de grande parcela da população da existência dessa estrutura a apenas cinco minutos do centro da cidade.
A sociedade civil de Nova Friburgo não reconhece a carceragem da Vila Amélia como um problema de segurança pública local, muito menos assume sua permissividade em relação à violação de direitos humanos dos indivíduos que se encontram custodiados nela.
Ao mesmo tempo, a sociedade civil de Nova Friburgo adota uma postura reativa frente ao problema na medida que somente se mobiliza no momento em que o governo do estado do Rio de Janeiro aparece com a proposta de implantação de casa de custódia.
A resistência da sociedade civil de Nova Friburgo, por outro lado, se materializou em um movimento denominado “Presídio Não!”, formado por lideranças do segmento turístico e sindical, baseado em informações da grande mídia e fortalecimento do medo coletivo em relação à população carcerária, com discursos relacionando a casa de custódia a uma suposta migração de “bandidos” para a cidade, por exemplo, com prejuízo para o turismo local.
O movimento “Presídio Não!’ foi a última reação da sociedade civil de Nova Friburgo à proposta de instalação de uma casa de custódia por parte do governo do estado do Rio de Janeiro - de forma unilateral e sem diálogo com a população -, caracterizado pela ausência de propostas alternativas para a solução do problema da carceragem da Vila Amélia que funciona como uma custódia regional sem ter as mínimas condições para tal.
Em nenhum momento, a sociedade civil de Nova Friburgo teve uma postura pró-ativa perante o problema social da carceragem da Vila Amélia, em grande parte por não reconhecer essa estrutura de cárcere no centro da cidade como um problema ou mesmo sequer enxergá-la.
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