1. Sen (2000) distingue entre duas atitudes gerais sobre o processo de desenvolvimento: (1) a que considera o desenvolvimento como um processo “feroz”, com muito “sangue, suor e lágrimas”, que requer negligenciar várias preocupações vistas como “frouxas”, tais como redes de segurança social para proteger os muito pobres, o fornecimento de serviços sociais para a população, o afastamento de diretrizes institucionais inflexíveis em resposta a dificuldades identificadas e o favorecimento de direitos políticos e civis e o “luxo” da democracia. Tudo isso pode ser favorecido depois do desenvolvimento; e (2) uma perspectiva alternativa, que o vê como um processo amigável que compreende a “froxidão” que a outra visão recrimina.
2. OS PAPÉIS CONSTITUTIVO E INSTRUMENTAL DA LIBERDADE: a abordagem de Sen (2000) tenta ver o desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam, consideradas (1) fim primordial, o papel constitutivo, que se relaciona com a importância da liberdade substantiva no enriquecimento da vida humana, incluindo capacidades elementares (ter condições de evitar privações) e liberdades associadas (ler/fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão) para expandir essas e outras liberdades básicas; e (2) o principal meio do desenvolvimento, seu papel instrumental, que concerne ao modo como diferentes tipos de direitos, oportunidades e intitulamentos contribuem para a expansão da liberdade humana em geral e, assim, para a promoção do desenvolvimento. A importância da liberdade humana como objetivo do desenvolvimento deve ser distinguida da eficácia instrumental da liberdade de diferentes tipos na promoção da liberdade humana. Desta forma, a eficácia da liberdade como instrumento reside no fato de que diferentes tipos de liberdade apresentam inter-relação entre si, e um tipo de liberdade pode contribuir imensamente para promover liberdades de outros tipos. Com isso, os dois papéis estão ligados por relações empíricas, que associam um tipo de liberdade a outros.
3. LIBERDADES INSTRUMENTAIS: Sen (2000) identifica cinco tipos distintos de liberdade em uma perspectiva instrumental, que tendem a contribuir para a capacidade geral da pessoa viver mais livremente, além de complementar umas às outras. O autor também destaca a importância de considerar os encadeamentos empíricos que vinculam os tipos distintos de liberdade um ao outro, reforçando sua importância conjunta.Os cinco tipos são: (1) liberdades políticas, que são as oportunidades que as pessoas têm para determinar quem deve governar e com base em que princípios, além da possibilidade de fiscalizar e criticar as autoridades, de ter liberdade de expressão política e uma imprensa sem censura, de ter a liberdade de escolher entre diferentes partidos políticos, incluindo os direitos políticos associados às democracias; (2) facilidades econômicas, oportunidades que os indivíduos têm para utilizar recursos econômicos com propósitos de consumo, produção ou troca, que dependem dos recursos disponíveis e das condições de troca, bem como o modo como as rendas adicionais são distribuídas e a disponibilidade de financiamento; (3) oportunidades sociais, as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde, que influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor, que são importantes para a condução da vida privada e para uma participação mais efetiva em atividades econômicas e políticas; (4) garantias de transparência que se referem às necessidades de sinceridade que as pessoas podem esperar, ou seja, a liberdade de lidar uns com os outros sob garantias de dessegredo e clareza, incluindo o direito à revelação, têm o papel instrumental de inibir a corrupção, a irresponsabilidade financeira e as transações ilícitas; (5) segurança protetora, que proporcione umas rede de segurança social, inclui disposições institucionais fixas, como benefícios aos desempregados e suplementos de renda regulamentares para indigentes, bem como medidas ad hoc, como distribuição de alimentos em crises de fome coletiva ou empregos públicos de emergência para gerar renda para os necessitados.
4. INTER-RELAÇÕES E COMPLEMENTARIDADE: da mesma forma que o crescimento econômico pode ajudar elevando rendas privadas e possibilitando ao Estado financiar a seguridade social e a intervenção governamental ativa, sua contribuição também deve ser julgada pela expansão de serviços sociais. Da mesma forma, a criação de oportunidades sociais por meio de serviços como educação e saúde pública e desenvolvimento de uma imprensa livre e ativa pode contribuir para o desenvolvimento econômico e para uma redução significativa das taxas de mortalidade.
5. DIFERENTES ASPECTOS DO CONTRASTE ENTRE A INDIA E A CHINA: o papel central das liberdades individuais no processo de desenvolvimento torna importante o exame de seus determinantes, sendo necessário prestar atenção nas influências sociais, inclusive das ações do Estado, para assegurar e expandir a liberdade do indivíduo. As liberdades individuais são influenciadas tanto pela garantia social de liberdades, tolerância e possibilidade de troca e transações quanto do apoio público substancial no fornecimento das facilidades cruciais para formação e aproveitamento das capacidades humanas.
6. DISPOSIÇÕES SOCIAIS MEDIADAS PELO CRESCIMENTO: com base em análises estatísticas de Sudhir Anand e Martin Ravallion, Sen (2000) mostra que a expectativa de vida tem uma correlação significamente positiva com o PNB per capita, mas essa relação funciona sobretudo por meio do impacto do PNB sobre (1) as rendas, especificamente dos pobres e (2) os gastos públicos com serviços de saúde em especial. Isso indica que a relação entre expectativa de vida e crescimento do PNB tende a funcionar particularmente por meio do dispêndio público com serviços de saúde e por meio do êxito na eliminação da pobreza. Neste sentido, o autor destaca que o impacto do crescimento econômico depende muito do modo como seus frutos são aproveitados. O autor aponta dois contrastes inter-relacionados: (1) para economias de crescimento econômico elevado: entre aquelas com grande êxito no aumento da duração e qualidade de vida e as sem um êxito comparável nesses outros campos; (2) para economias com grande êxito no aumento da duração e qualidade de vida: entre as com grande êxito em termos de elevado crescimento econômico e as sem muito êxito na obtenção de elevado crescimento econômico.
7. PROVISÃO PÚBLICA, RENDAS BAIXAS E CUSTOS RELATIVOS: o processo conduzido pelo custeio público funciona dando a prioridade à provisão de serviços sociais que reduzem a mortalidade e melhoram a qualidade de vida. As variações na expectativa de vida relacionam-se a diversas oportunidades sociais que são centrais para o desenvolvimento. O financiamento de processos conduzidos pelo custeio público pode ser feita por meio da economia dos custos relativos na medida em que os serviços sociais relevantes são trabalho-intensivos, mais baratos nas economias mais pobres onde os salários são baixos. Sen (2000) destaca que o processo conduzido pelo custeio público é uma receita para a rápida realização de uma qualidade de vida melhor e permanece como argumento para passar a realizações mais amplas que incluem o crescimento econômico e a elevação das características clássicas da qualidade de vida.
8. REDUÇÃO DA MORTALIDADE NA GRÃ-BRETANHA NO SÉCULO XX: a longevidade na Grã-Bretanha aumentou rapidamente influenciada em parte por estratégias de programas sociais com dois períodos de expansão notavelmente rápida durante as duas guerras mundiais. A rápida elevação reside em mudanças no grau de compartilhamento social durante as décadas de guerra e nos pronunciados aumentos no custeio público de serviços sociais.
9. DEMOCRACIA E INCENTIVOS POLÍTICOS: o autor fala sobre a relação entre liberdade política e direitos civis e a liberdade para evitar desastres econômicos, comprovada pelo fato de que nas democracias não ocorrem fomes coletivas, indicando que a liberdade política na forma de disposições democráticas ajuda a salvaguardar a liberdade econômica e a liberdade de sobreviver.
10. OBSERVAÇÃO FINAL: a idéia básica que Sen (2000) desenvolve é de que a expansão da liberdade humana é o principal fim e meio do desenvolvimento, sendo que as capacidades individuais dependem de disposições econômicas, sociais e políticas. Neste sentido, os papéis instrumentais incluem componentes distintos inter-relacionados como facilidades econômicas, liberdades políticas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora, que possuem fortes encadeamentos entre si, podendo se dar em diferentes direções. O processo de desenvolvimento é influenciado por essas inter-relações, existindo a necessidade de desenvolver e sustentar uma pluralidade de instituições, como sistemas democráticos, mecanismos legais, estruturas de mercado, provisão de serviços de educação e saúde, facilidades para a mídia e outros tipos de comunicação, que incorporam iniciativas privadas e disposições públicas, além estruturas mescladas como organizações não-governamentais e entidades cooperativas. Desta forma, a perspectiva da liberdade é central para os fins e os meios do desenvolvimento e as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas, dada a oportunidade, na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas, mas são papéis de sustentação, e não de entrega sob encomenda.
REFERÊNCIA:
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, S. Paulo: Cia. das Letras, 2000 (Cap. II).
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