1. Costa (2003) procura analisar o processo de construção de esferas públicas locais ao longo do processo de democratização brasileiro, sublinhando o papel dos movimentos sociais e dos atores da sociedade civil em suas conexões com os demais atores locais. Neste sentido, procura estabelecer os contornos de um modelo de análise da formação da vontade política no âmbito municipal.
2. ABORDAGEM COMPARATIVA DAS ESFERAS PÚBLICAS LOCAIS: Uberlândia, Juiz de Fora e Governador Valadares tiveram experiências administrativas do tipo participativo, governos peemedebistas entre 1983 e 1988, que induziram mudanças nos padrões de organização da população e nas formas locais de intermediação de interesses sociais. O principal instrumento foi o incremento das relações entre o governo municipal e as associações de moradores, que tinham garantido o monopólio da representação distrital, que desaguava nos Conselhos Comunitários, também constituído por outras associações locais. A partir de 1989, com os novos prefeitos, essas experiências deixam de existir sendo que poucas associações de moradores conseguem sobreviver a tais mudanças políticas e acaba desarticulando-se. Nesses contextos, também emergem organizações da sociedade civil (movimentos negro, de mulheres, “sem-casa”, ambientalista) que tentavam tematizar questões como discriminação racial e de gênero, falta de moradia e degradação do meio-ambiente, com sucesso.
3. Considerando essas flutuações político-administrativas e as mudanças nos perfis associativos destas cidades, Costa (2003) examina transformações substantivas nas esferas públicas municipais considerando quatro campos constitutivos:
(I) estrutura e formas de operação da mídia local, caracterizada pela concentração e favorecimento de grupos políticos e econômicos consolidados, com a existência de pequenos conglomerados locais que controlam diferentes formas de mídia (rádios AM e FM, televisões e jornais), sendo que Costa (2003) identifica três conjuntos de transformações, a saber: (a) ampliação do espectro de questões coberto pelo noticiário; (b) profissionalização da mídia; (c) expansão das atividades de prestação de serviços;
(II) esfera pública parlamentar e estatal: vereadores concentram seus esforços na negociação direta com o executivo e na intermediação de demandas tópicas por melhorias urbanas apresentadas por cidadãos individuais ou grupos organizados. A atividade propriamente legislativa e a discussão de temas de alcance geral são pouco valorizadas. Mesmo restrita aos momentos de votação e discussão de projetos de seu interesse direto, a presença de participantes de movimentos ambientalistas, negros, mulheres, moradores passam a transformar os legislativos, nessas ocasiões, num fórum de relevância pública;
(III) espaço público vinculado aos grupos organizados: por meio de trabalho de relações públicas, de eventos públicos e de instrumentos próprios de divulgação contribuem para a construção das esferas públicas locais, mesmo que exista uma segmentação entre o diversificado conjunto de atores sociais (movimentos X associações X grupos de interesse). Costa (2003) sistematiza os canais de acesso dos atores da sociedade civil à mídia, a partir das seguintes possibilidades: (a) oferta de informações especializadas; (b) utilização da mídia como “prestadora de serviços”; (c) produção de eventos espetaculares; (d) utilização dos conflitos de interesses entre as elites locais. Além disso, possuem instrumentos próprios de comunicação;
(IV) espaços comunicativos primários: o autor percebe os espaços de convivência em torno dos locais de moradia como esferas de sociabilidade vitalizadas, com a formação de contextos de mediação entre o mundo da intimidade e da família e a cidade que se estende para além dos limites do bairro. As formas de interação mais simples são representadas (a) pelo conhecimento superficial e encontros casuais (ponto de ônibus, locadora de vídeo, filas de supermercados), ocasiões em que os vizinhos podem se cumprimentar e trocar algumas frases; (b) por formas duradouras de contato (auto-ajuda); e (c) ocupação do tempo livre comum (visitas domiciliares recíprocas). A estrutura organizacional mais elaborada é apresentada por grupos especializados funcionalmente e dotados de alguma institucionalidade (clubes de mães, grupos de jovens, associações de moradores), com alguns exemplos de continuidade e regularidade, observando-se a existência de redes de comunicação interpessoal estruturadas e disseminadas. Costa (2003) destaca o papel de algumas pessoas com militância múltipla, que promovem o intercâmbio contínuo entre as diferentes iniciativas existentes no bairro, mantendo ativa a vida associativa local.
4. CONSTITUIÇÃO DA VONTADE POLÍTICA NO ESPAÇO MUNICIPAL: Costa (2003) destaca como regularidades dos contextos pesquisados: (1) mídia local, criação de possibilidades efetivas de divulgação e comunicação para os novos atores coletivos; (2) esfera pública ligada aos grupos organizados, crescimento significativo da presença dos atores no núcleo visível da esfera pública (no período da participação induzida: institucionalização imobilizadora e mecanismo de cooptação política); (3) legislativo, processo de constituição da vontade política que orienta as decisões obedece à dinâmica da tematização pública de problemas e critérios clientelistas intransparentes. Trata-se de elementos para refletir acerca dos limites de um “projeto” de democratização capitaneado pelo Estado e centrado, unicamente, nas transformações das arenas institucionais. Neste sentido, o “arejamento” da esfera pública através da ampliação das competências institucionais dos “atores da sociedade civil” pode apresentar conseqüências danosas como a indução ao surgimento de atores que, apesar de serem formalmente delegados da sociedade civil, apresentam-se desvinculados dos anseios e expectativas políticas da população. Desta forma, a redução da esfera pública à sua dimensão institucional ofusca a visualização das regiões de articulação entre os processos comunicativos de reprodução cultural e as formas de consolidação institucional da democracia, na medida em que os atores da sociedade civil são transformados em atores intermediadores de interesses políticos.
REFERÊNCIA:
COSTA, Sérgio. As cores de Ercília. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003 (Cap. 4)
(II) esfera pública parlamentar e estatal: vereadores concentram seus esforços na negociação direta com o executivo e na intermediação de demandas tópicas por melhorias urbanas apresentadas por cidadãos individuais ou grupos organizados. A atividade propriamente legislativa e a discussão de temas de alcance geral são pouco valorizadas. Mesmo restrita aos momentos de votação e discussão de projetos de seu interesse direto, a presença de participantes de movimentos ambientalistas, negros, mulheres, moradores passam a transformar os legislativos, nessas ocasiões, num fórum de relevância pública;
(III) espaço público vinculado aos grupos organizados: por meio de trabalho de relações públicas, de eventos públicos e de instrumentos próprios de divulgação contribuem para a construção das esferas públicas locais, mesmo que exista uma segmentação entre o diversificado conjunto de atores sociais (movimentos X associações X grupos de interesse). Costa (2003) sistematiza os canais de acesso dos atores da sociedade civil à mídia, a partir das seguintes possibilidades: (a) oferta de informações especializadas; (b) utilização da mídia como “prestadora de serviços”; (c) produção de eventos espetaculares; (d) utilização dos conflitos de interesses entre as elites locais. Além disso, possuem instrumentos próprios de comunicação;
(IV) espaços comunicativos primários: o autor percebe os espaços de convivência em torno dos locais de moradia como esferas de sociabilidade vitalizadas, com a formação de contextos de mediação entre o mundo da intimidade e da família e a cidade que se estende para além dos limites do bairro. As formas de interação mais simples são representadas (a) pelo conhecimento superficial e encontros casuais (ponto de ônibus, locadora de vídeo, filas de supermercados), ocasiões em que os vizinhos podem se cumprimentar e trocar algumas frases; (b) por formas duradouras de contato (auto-ajuda); e (c) ocupação do tempo livre comum (visitas domiciliares recíprocas). A estrutura organizacional mais elaborada é apresentada por grupos especializados funcionalmente e dotados de alguma institucionalidade (clubes de mães, grupos de jovens, associações de moradores), com alguns exemplos de continuidade e regularidade, observando-se a existência de redes de comunicação interpessoal estruturadas e disseminadas. Costa (2003) destaca o papel de algumas pessoas com militância múltipla, que promovem o intercâmbio contínuo entre as diferentes iniciativas existentes no bairro, mantendo ativa a vida associativa local.
4. CONSTITUIÇÃO DA VONTADE POLÍTICA NO ESPAÇO MUNICIPAL: Costa (2003) destaca como regularidades dos contextos pesquisados: (1) mídia local, criação de possibilidades efetivas de divulgação e comunicação para os novos atores coletivos; (2) esfera pública ligada aos grupos organizados, crescimento significativo da presença dos atores no núcleo visível da esfera pública (no período da participação induzida: institucionalização imobilizadora e mecanismo de cooptação política); (3) legislativo, processo de constituição da vontade política que orienta as decisões obedece à dinâmica da tematização pública de problemas e critérios clientelistas intransparentes. Trata-se de elementos para refletir acerca dos limites de um “projeto” de democratização capitaneado pelo Estado e centrado, unicamente, nas transformações das arenas institucionais. Neste sentido, o “arejamento” da esfera pública através da ampliação das competências institucionais dos “atores da sociedade civil” pode apresentar conseqüências danosas como a indução ao surgimento de atores que, apesar de serem formalmente delegados da sociedade civil, apresentam-se desvinculados dos anseios e expectativas políticas da população. Desta forma, a redução da esfera pública à sua dimensão institucional ofusca a visualização das regiões de articulação entre os processos comunicativos de reprodução cultural e as formas de consolidação institucional da democracia, na medida em que os atores da sociedade civil são transformados em atores intermediadores de interesses políticos.
REFERÊNCIA:
COSTA, Sérgio. As cores de Ercília. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003 (Cap. 4)
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