quinta-feira, 21 de junho de 2012

Fragmentos orgânicos #4


O uso das práticas de consumo como forma de “participação na esfera pública” e “ação política” constitui questão emergente para a investigação das ciências sociais contemporâneas. Estas questões se somam aos temas recorrentemente pesquisados nos Estudos do Consumo, como destacado por Portilho (2008): a reprodução material e simbólica, a construção, fortalecimento e marcação de identidades, a distinção social, a comunicação, o pertencimento, a cidadania e a sociabilidade. Por isso, pretendo contribuir com as pesquisas empíricas sobre práticas de consumo nas ciências sociais brasileiras e, mais especificamente, com aquelas relativas às práticas de compra de alimentos orgânicos[1].
Além disso, posso destacar o renovado interesse das ciências sociais pela participação social na medida em que o campo do consumo traz para o cotidiano uma agenda ambiental e política. Alexander (1995) observa uma transição no padrão de ação política, ao compreender a deflação das ações “radical-coletivistas”, características dos movimentos sociais das décadas de 1960/70, e a emergência de ações “romântico-individualistas” na vida privada, a partir da década de 1990. Estas formas emergentes de ação política seriam mais realistas e pragmáticas, pois enfatizam a ação de indivíduos reais, e não de sujeitos históricos coletivos, como as categorias “nação”, “classe social” ou “movimentos sociais”.
Na interface entre consumo e sustentabilidade, as ações políticas do tipo “romântico-individualistas” podem ser interpretadas como parte dos processos de ambientalização e politização do consumo e da vida privada e cotidiana em curso nas sociedades contemporâneas. Uma auto-atribuição de responsabilidades individuais (EDEN, 1993) inerente a estes processos é reforçada e fortalecida por estímulos e cobranças dos mercados, Estados, organizações não governamentais, opinião pública e mídia para os indivíduos considerarem variáveis ambientais nas suas preocupações e experiências cotidianas, negociando, ética e politicamente, suas escolhas e ações (PORTILHO, 2005).
De acordo com Portilho (2005), a ambientalização e a politização do consumo são processos que se caracterizam pela ambigüidade, compreendendo limitações para o enfrentamento da crise ambiental, tais como (a) o fato dos consumidores representarem um grupo latente de grandes dimensões e de difícil organização, configurando um público genérico e de difícil acesso; (b) a possibilidade de reforçar a oposição entre interesses individuais e coletivos; (c) as restrições econômicas; (d) a racionalização do cotidiano; (e) as controvérsias científicas acerca do que é mais sustentável e o controle sobre a vida diária, que podem gerar dependência do conhecimento dos especialistas; e (f) a possibilidade de manifestação da lógica do “carona”, segundo a qual os indivíduos tendem a não participar, esperando que os demais se empenhem (OLSON, 1971 apud PORTILHO, 2005).
Apesar das limitações, Portilho (2005) se volta para as possibilidades de ação política no campo do consumo. A autora entende que a superação dos problemas socioambientais só pode ser obtida por intermédio da ação coletiva, que depende da formação de uma identidade e um sentimento de pertencimento e solidariedade a um grupo social. Por meio destes sentimentos, os membros de um grupo latente e indefinido como os consumidores podem apresentar-se vinculados a outros grupos ou redes sociais, decidindo, assim, participar de ações coletivas e recusando a lógica do “carona”.
Apesar do potencial para deflagrar ações coletivas na esfera do consumo, com esta pesquisa procuro entender como os processos de ambientalização e politização do consumo se desenvolvem, assim como são vividos e experimentados na vida privada e cotidiana, por meio da observação das práticas de compra com as quais os consumidores se percebem enquanto atores sociais situados
entre o anonimato e a vontade de exercer um papel político, entre as preocupações cotidianas da esfera privada e a vontade de participar de uma esfera pública mais ampla, negociando os custos e benefícios desta participação. Trata-se de pessoas que, por diversas razões, usam o consumo como forma de ação política e, em alguns casos, não parecem se interessar pela participação em movimentos institucionalizados, evitando explicitamente esta forma de participação (PORTILHO, 2008, p. 3).


[1] Conforme apontado em Portilho & Castañeda (2008), apesar da lacuna de conhecimento produzido sobre o uso dos alimentos orgânicos pelos consumidores, alguns estudos se dedicaram à análise da construção e normalização do mercado de produtos orgânicos (FONSECA, 1999 e 2005) e do movimento social de agricultura orgânica (DAROLT, 2000). A maioria das pesquisas sobre consumidores de alimentos orgânicos se volta para a análise do perfil e das motivações (RUCINSKY & BRADENBURG, 2002; MORO & GUIVANT, 2006), da disponibilidade para pagar (ROPKE, 1999), das estratégias de fortalecimento da relação entre produtores e consumidores (DAROLT & CONSTANTY, 2007) e do papel destes consumidores de orgânicos para o desenvolvimento rural sustentável (DAROLT, 2005).
                                                                                                                                                

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