terça-feira, 19 de junho de 2012

Fragmentos orgânicos #3


Uma análise do consumo nas ciências sociais ainda enfrenta muitas dificuldades de cunho epistemológico. No entanto, o maior obstáculo a ser superado é o bias produtivista desta área de conhecimento, ou seja, o “consumo” ainda aparece como um tema irrelevante em relação à “produção”, considerada predominante inclusive na maioria das próprias análises sobre “consumo”, que desconsideram a exterioridade deste campo em relação à “produção” (BARBOSA & CAMPBELL, 2006).
Uma crítica consistente deste bias encontra-se na relação que Campbell (2001) estabelece entre a ética romântica e o espírito do consumismo moderno, enfatizando, assim, a anterioridade das revoluções do comércio e do consumo em relação à revolução industrial. Campbell (2001) compreende a revolução do consumo como destino da ética protestante por ter sido capitaneada por uma classe média comercial ou burguesia nascente, setor da sociedade inglesa com forte tradição puritana. O autor aponta como elemento central desta revolução a evidente impossibilidade da burguesia nascente (puritana, com arraigados valores de trabalho e frugalidade) construir imitações de uma aristocracia (com seus condenáveis valores de luxo, ociosidade e indulgência) que considerava desprezível. Neste sentido, foram inovações culturais (leitura de romances, estilo gótico e culto ao amor romântico, entre outras) que possibilitaram a emergência desta burguesia nascente como formadora do gosto da sociedade, dando “expressão a valores e atitudes muito diferentes dos que há muito caracterizavam o estilo de vida da elite inglesa” (CAMPBELL, 2001, p. 54).
Desta forma, o autor considera a relevância das três dinâmicas de mudança social e não apenas da variante produtiva e industrial.
Neste ponto, cabe destacar como o termo “consumo” é considerado neste trabalho. Nas  sociedades contemporâneas, a tentativa de uma definição conceitual universal acaba levando a uma miríade de possibilidades. Barbosa & Campbell (2006, p. 26) entendem que o consumo compreende
ao mesmo tempo um processo social que diz respeito a múltiplas formas de provisão de bens e serviços e a diferentes formas de acesso a esses mesmos bens e serviços; um mecanismo social percebido pelas ciências sociais como produtor de sentido e de identidades, independentemente da aquisição de um bem; uma estratégia utilizada no cotidiano pelos mais diferentes grupos sociais para definir diversas situações em termos de direitos, estilos de vida e identidades; e uma categoria central na definição da sociedade contemporânea.
Uma definição mais restrita, como a perspectiva das teorias das práticas desenvolvida por Alan Warde (2005), mostra que o termo “consumo” envolve um processo em que os agentes estão engajados em atos de apropriação e apreciação de bens, serviços, desempenhos, informações ou ambientes, comprados ou não. Desta forma, o consumo é um conjunto de práticas nas quais os agentes participam, apresentando algum grau de discernimento para atender a propósitos diversos, sejam eles utilitários, expressivos ou contemplativos, entre outros.
Outro termo que deve ser explicado nesta introdução é “consumidor”, diferentementedo uso corrente na ciência econômica. Na ciência econômica, a “teoria do consumidor” desenvolvida pela economia neoclássica do século XIX, atribui soberania a um consumidor indiferenciado, partindo do princípio de que os indivíduos sabem o que é melhor para si e tomam decisões sem restrições com base no maior bem-estar possível para satisfazer preferências. A partir dos anos 1930, esta teoria foi suplantada pela idéia de consumo agregado, de Keynes e Kalecki, que desconsidera o consumidor. Entretanto, no final dos anos 1970, o consumidor volta às análises econômicas com os estudos de dinâmica tecnológica que valorizam o consumo como elemento dinâmico da economia. Começa, então, um processo de revalorização da demanda e dos mercados. Esta nota foi desenvolvida com base nas anotações efetuadas durante a disciplina Teoria Econômica, ministrada pelo Prof. Dr. Renato Maluf no segundo semestre de 2008 no CPDA/UFRRJ.
 Assim, Warde (2005) rejeita a idéia de que as pessoas encaram os momentos de consumo como atores racionais soberanos ou como ingênuos manipulados. Este autor considera que a organização das práticas e os momentos de consumo se impõem frente aos indivíduos. Assim, nas ciências sociais, os “consumidores” podem ser entendidos como indivíduos que possuem direitos e deveres, bem como cidadãos que interagem com o mercado.
O termo “consumidor” se refere àqueles indivíduos que participam de práticas de compra, ou seja, aqueles agentes sociais que desempenhavam práticas de compra de alimentos orgânicos nos locais de aquisição que freqüentei em Nova Friburgo/RJ, durante o exercício etnográfico. Deste modo, como participantes em práticas de compra, os consumidores criam e fortalecem identidades e sentimentos de pertencimento.
Além disso, alguns consumidores passam a perceber certas práticas como, por exemplo, a compra de alimentos orgânicos ou a racionalização no uso doméstico cotidiano de bens e serviços, como água, energia, uso do automóvel, separação de resíduos (PORTILHO & CASTAÑEDA, 2009), enquanto possibilidades de ação política para a melhoria ambiental do planeta. Certas práticas cotidianas são frequentemente referenciadas pelo Estado, pelas empresas e pelas organizações não governamentais, especialmente por intermédio dos meios de comunicação, como sendo social e ambientalmente responsáveis. Um exemplo detalhado encontra-se nas “dicas” do Instituto Akatu para o Consumo Consciente, (http://www.akatu.org.br/consumo_consciente/dicas, acesso em 21/01/2010 às 08h e 42 min).
Com isso, estes consumidores acreditam que podem contribuir por meio de ações na esfera do consumo e da vida cotidiana a fim de enfrentar o agravamento dos problemas socioambientais globais.



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