Uma análise do consumo nas ciências sociais ainda enfrenta muitas
dificuldades de cunho epistemológico. No entanto, o maior obstáculo a ser
superado é o bias produtivista desta
área de conhecimento, ou seja, o “consumo” ainda aparece como um tema
irrelevante em relação à “produção”, considerada predominante inclusive na
maioria das próprias análises sobre “consumo”, que desconsideram a
exterioridade deste campo em relação à “produção” (BARBOSA & CAMPBELL,
2006).
Uma
crítica consistente deste bias
encontra-se na relação que Campbell (2001) estabelece entre a ética romântica e
o espírito do consumismo moderno, enfatizando, assim, a anterioridade das
revoluções do comércio e do consumo em relação à revolução industrial. Campbell (2001) compreende a revolução do
consumo como destino da ética protestante por ter sido capitaneada por uma
classe média comercial ou burguesia nascente, setor da sociedade inglesa com
forte tradição puritana. O autor aponta como elemento central desta revolução a
evidente impossibilidade da burguesia nascente (puritana, com arraigados
valores de trabalho e frugalidade) construir imitações de uma aristocracia (com
seus condenáveis valores de luxo, ociosidade e indulgência) que considerava
desprezível. Neste sentido, foram inovações culturais (leitura de romances,
estilo gótico e culto ao amor romântico, entre outras) que possibilitaram a
emergência desta burguesia nascente como formadora do gosto da sociedade, dando
“expressão a valores e atitudes muito diferentes dos que há muito
caracterizavam o estilo de vida da elite inglesa” (CAMPBELL, 2001, p. 54).
Desta forma, o autor considera a relevância das três dinâmicas de mudança
social e não apenas da variante produtiva e industrial.
Neste
ponto, cabe destacar como o termo “consumo” é considerado neste trabalho.
Nas sociedades contemporâneas, a
tentativa de uma definição conceitual universal acaba levando a uma miríade de
possibilidades. Barbosa & Campbell (2006, p. 26) entendem que o consumo compreende
ao
mesmo tempo um processo social que diz respeito a múltiplas formas de provisão
de bens e serviços e a diferentes formas de acesso a esses mesmos bens e
serviços; um mecanismo social percebido pelas ciências sociais como produtor de
sentido e de identidades, independentemente da aquisição de um bem; uma
estratégia utilizada no cotidiano pelos mais diferentes grupos sociais para
definir diversas situações em termos de direitos, estilos de vida e
identidades; e uma categoria central na definição da sociedade contemporânea.
Uma
definição mais restrita, como a perspectiva das teorias das práticas
desenvolvida por Alan Warde (2005), mostra que o termo “consumo” envolve um
processo em que os agentes estão engajados em atos de apropriação e apreciação
de bens, serviços, desempenhos, informações ou ambientes, comprados ou não.
Desta forma, o consumo é um conjunto de práticas nas quais os agentes
participam, apresentando algum grau de discernimento para atender a propósitos
diversos, sejam eles utilitários, expressivos ou contemplativos, entre outros.
Outro termo que deve ser explicado nesta introdução é
“consumidor”, diferentementedo uso corrente na ciência
econômica. Na ciência econômica, a “teoria do
consumidor” desenvolvida pela economia neoclássica do século XIX, atribui
soberania a um consumidor indiferenciado, partindo do princípio de que os
indivíduos sabem o que é melhor para si e tomam decisões sem restrições com
base no maior bem-estar possível para satisfazer preferências. A partir dos
anos 1930, esta teoria foi suplantada pela idéia de consumo agregado, de Keynes
e Kalecki, que desconsidera o consumidor. Entretanto, no final dos anos 1970, o
consumidor volta às análises econômicas com os estudos de dinâmica tecnológica
que valorizam o consumo como elemento dinâmico da economia. Começa, então, um
processo de revalorização da demanda e dos mercados. Esta nota foi desenvolvida
com base nas anotações efetuadas durante a disciplina Teoria Econômica,
ministrada pelo Prof. Dr. Renato Maluf no segundo semestre de 2008 no
CPDA/UFRRJ.
Assim, Warde (2005) rejeita a idéia de que as pessoas encaram os momentos de consumo
como atores racionais soberanos ou como ingênuos manipulados. Este autor
considera que a organização das práticas e os momentos de consumo se impõem
frente aos indivíduos. Assim, nas ciências sociais, os “consumidores” podem ser
entendidos como indivíduos que possuem direitos e deveres, bem como cidadãos
que interagem com o mercado.
O termo “consumidor” se refere àqueles
indivíduos que participam de práticas de compra, ou seja, aqueles agentes
sociais que desempenhavam práticas de compra de alimentos orgânicos nos locais
de aquisição que freqüentei em Nova Friburgo/RJ, durante o exercício
etnográfico. Deste modo, como participantes em práticas de compra, os
consumidores criam e fortalecem identidades e sentimentos de pertencimento.
Além
disso, alguns consumidores passam a perceber certas
práticas como, por exemplo, a compra de alimentos orgânicos ou a racionalização
no uso doméstico cotidiano de bens e serviços,
como água, energia, uso do automóvel, separação de resíduos (PORTILHO &
CASTAÑEDA, 2009), enquanto possibilidades de ação política para a melhoria
ambiental do planeta. Certas práticas cotidianas são frequentemente referenciadas pelo
Estado, pelas empresas e pelas organizações não governamentais, especialmente
por intermédio dos meios de comunicação, como sendo social e ambientalmente
responsáveis. Um exemplo detalhado encontra-se nas “dicas” do Instituto Akatu
para o Consumo Consciente, (http://www.akatu.org.br/consumo_consciente/dicas, acesso
em 21/01/2010 às 08h e 42 min).
Com isso, estes consumidores
acreditam que podem contribuir por meio de ações na esfera do consumo e da vida
cotidiana a fim de enfrentar o agravamento dos problemas socioambientais globais.
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