O uso das
práticas de consumo como forma de “participação na esfera pública” e “ação
política” constitui questão emergente para a investigação das ciências sociais
contemporâneas. Estas questões se somam aos temas recorrentemente pesquisados nos
Estudos do Consumo, como destacado por Portilho (2008): a reprodução material e
simbólica, a construção, fortalecimento e marcação de identidades, a distinção
social, a comunicação, o pertencimento, a cidadania e a sociabilidade. Por
isso, pretendo contribuir com as pesquisas empíricas sobre práticas de consumo nas ciências
sociais brasileiras e, mais especificamente, com aquelas relativas às práticas
de compra de alimentos orgânicos[1].
Além disso, posso destacar o renovado interesse das ciências sociais pela
participação social na medida em que o campo do consumo traz para o cotidiano
uma agenda ambiental e política. Alexander (1995) observa uma transição no
padrão de ação política, ao compreender a deflação das ações
“radical-coletivistas”, características dos movimentos sociais das décadas de
1960/70, e a emergência de ações “romântico-individualistas” na vida privada, a
partir da década de 1990. Estas formas emergentes de ação política seriam mais
realistas e pragmáticas, pois enfatizam a ação de indivíduos reais, e não de
sujeitos históricos coletivos, como as categorias “nação”, “classe social” ou “movimentos
sociais”.
Na interface entre consumo e sustentabilidade, as
ações políticas do tipo “romântico-individualistas” podem
ser interpretadas como parte dos processos de ambientalização
e politização do consumo e da vida privada e cotidiana em curso nas sociedades
contemporâneas. Uma auto-atribuição de responsabilidades individuais (EDEN,
1993) inerente a estes processos é reforçada e fortalecida por estímulos e
cobranças dos mercados, Estados, organizações não governamentais,
opinião pública e mídia para os indivíduos considerarem
variáveis ambientais nas suas preocupações e experiências cotidianas,
negociando, ética e politicamente, suas escolhas e ações (PORTILHO, 2005).
De acordo com Portilho (2005), a
ambientalização e a politização do consumo são processos que se caracterizam
pela ambigüidade, compreendendo limitações para o enfrentamento da crise
ambiental, tais como (a) o fato dos consumidores representarem um grupo latente
de grandes dimensões e de difícil organização, configurando um público genérico
e de difícil acesso; (b) a possibilidade de reforçar a oposição entre interesses
individuais e coletivos; (c) as restrições econômicas; (d) a racionalização do
cotidiano; (e) as controvérsias científicas acerca do que é mais sustentável e
o controle sobre a vida diária, que podem gerar dependência do conhecimento dos
especialistas; e (f) a possibilidade de manifestação da lógica do “carona”,
segundo a qual os indivíduos tendem a não participar, esperando que os demais
se empenhem (OLSON, 1971 apud
PORTILHO, 2005).
Apesar das limitações, Portilho (2005) se
volta para as possibilidades de ação política no campo do consumo. A autora
entende que a superação dos problemas socioambientais só pode ser obtida por
intermédio da ação coletiva, que depende da formação de uma identidade e um
sentimento de pertencimento e solidariedade a um grupo social. Por meio destes
sentimentos, os membros de um grupo latente e indefinido como os consumidores
podem apresentar-se vinculados a outros grupos ou redes sociais, decidindo,
assim, participar de ações coletivas e recusando a lógica do “carona”.
Apesar do potencial para deflagrar ações coletivas na
esfera do consumo, com esta pesquisa procuro entender como os processos de
ambientalização e politização do consumo se desenvolvem, assim como são vividos
e experimentados na vida privada e cotidiana, por meio da observação das
práticas de compra com as quais os consumidores se percebem enquanto atores
sociais situados
entre o anonimato e a vontade de exercer um papel
político, entre as preocupações cotidianas da esfera privada e a vontade de
participar de uma esfera pública mais ampla, negociando os custos e benefícios
desta participação. Trata-se de pessoas que, por diversas razões, usam o
consumo como forma de ação política e, em alguns casos, não parecem se
interessar pela participação em movimentos institucionalizados, evitando
explicitamente esta forma de participação (PORTILHO, 2008, p. 3).
[1] Conforme apontado em Portilho &
Castañeda (2008), apesar da lacuna de conhecimento produzido sobre o uso dos
alimentos orgânicos pelos consumidores, alguns estudos se dedicaram à análise
da construção e normalização do mercado de produtos orgânicos (FONSECA, 1999 e
2005) e do movimento social de agricultura orgânica (DAROLT, 2000). A maioria
das pesquisas sobre consumidores de alimentos orgânicos se volta para a análise
do perfil e das motivações (RUCINSKY & BRADENBURG, 2002; MORO &
GUIVANT, 2006), da disponibilidade para pagar (ROPKE, 1999), das estratégias de
fortalecimento da relação entre produtores e consumidores (DAROLT &
CONSTANTY, 2007) e do papel destes consumidores
de orgânicos para o desenvolvimento rural sustentável (DAROLT, 2005).