O caráter dinâmico da modernidade e de suas instituições se relaciona com a separação tempo-espaço, o desenvolvimento de mecanismos de desencaixe e a apropriação reflexiva do conhecimento — com os quais um conhecimento sistemático sobre a vida social passa a fazer parte da reprodução do sistema — o que desloca a vida social da fixidez da tradição (GIDDENS, 1991). Neste sentido, uma apropriação reflexiva do conhecimento se amplia para incorporar grandes extensões do tempo-espaço por meio de mecanismos de desencaixe que retiram as relações sociais da situacionalidade de locais específicos.
Desta forma, as atividades locais passam, cada vez mais, a ser influenciadas por acontecimentos globais. Reflexivamente, uma alta modernidade, aberta e contingente, passa a ser mediada pela noção de risco e as experiências cotidianas dos sujeitos passam a ser consideradas como mudanças e adaptações frente a processos de invasão, ajustamento e reajustamento de um mundo globalizado. Com isso, as práticas sociais passam a ser examinadas e reformuladas por informações renovadas sobre elas mesmas, o que provoca uma alteração de seu caráter.
Neste sentido, a modernidade “não é uma adoção do novo por si só, mas a suposição da reflexividade indiscriminada — que, é claro, inclui a reflexão sobre a natureza da própria reflexão” (GIDDENS, 1991, p. 39). A reflexividade social do conhecimento passa a organizar as práticas sociais como cálculos de vantagem e risco em que um conhecimento perito cria e reproduz um universo de eventos resultante de sua auto-implementação reflexiva e continuada. Desta forma, um futuro aberto se estrutura na confiança em sistemas abstratos ao mesmo tempo em que a confiança pessoal passa por um processo de auto-questionamento e auto-descoberta cada vez mais relacionados com a reflexividade da modernidade.
Por outro lado, Giddens (1997) entende a tradição como um processo ativo, social e interpretativo que organiza a memória coletiva como uma prática ritual com conteúdo normativo ou moral e, com isso, proporciona vinculação. Para o autor, a modernidade passa a ser compulsiva quando o âmago do espírito capitalista se torna uma urgência motivacional. A partir daí, a tradição aparece como repetição e compulsão, ou seja, uma influência emocional do passado sobre o presente em que a incapacidade de escapar do passado se torna uma compulsão.
Giddens (1997) entende que a globalização e a tradição relacionam-se em sentidos opostos no espaço-tempo, pois a primeira é entendida como ação à distância, ausência e reestruturação do espaço, ao contrário da última. A globalização seria um processo sem direção definida, o que leva o autor a descartar a idéia de imperialismo unilateral ocidental e afirmar a emergência de uma sociedade pós-tradicional como a primeira sociedade global.
Desta forma, Alexander (1995) procura entender as condições sociais e os sentimentos públicos de retorno aos temas modernistas, que acompanham um revigoramento do mercado e da democracia em uma escala global e o surgimento de novas utopias. Para o autor, as teorias sociais contemporâneas vêm se tornando sensíveis à reconvergência dos antigos regimes mundiais (capitalismo e socialismo), à complexidade das antigas sociedades e aos particularismos das atuais, apesar do perigo de uma constante amnésia teórica .
Neste sentido, a perspectiva neo-moderna de Alexander (1995) enfatiza o ressurgimento do universalismo como uma teoria social viável no decorrer dos anos 1980. O triunfo da “direita” com a derrota do comunismo foi determinante para isso ao desestabilizar muitos intelectuais, criando um senso de iminência e convicção de uma nova e diferente teoria social. Por outro lado, o sucesso de economias de mercado capitalistas no “terceiro mundo” revigorou o mercado capitalista, simbólica e objetivamente, enquanto as críticas aos autoritarismos e ditaduras do Terceiro Mundo se intensificaram.
O período iniciado nos anos 1990 remete às mais dramáticas transformações sociais no espaço e no tempo — como a transição do comunismo para o capitalismo — bem como à convergência do pensamento histórico e social. Com isso, aumentam as dificuldades para que os cientistas sociais expliquem os problemas sociais contemporâneos por meio da natureza capitalista da sociedade.
Beck (2002) entende que a primeira modernidade, baseada em Estados-Nação, onde as relações, as redes sociais e as comunidades se desenvolviam em um sentido territorial com pautas coletivas de vida relacionadas às idéias de progresso e controle, pleno emprego e exploração da natureza, vêm tomando a forma de uma segunda modernidade, cuja base está em processos inter-relacionados de globalização, individualização, revolução dos gêneros, subemprego e riscos globais, como a crise ecológica e o colapso dos mercados financeiros globais. Nesta segunda modernidade, o desafio teórico e político da sociedade é responder, ao mesmo tempo, a estes processos vistos como conseqüências imprevistas da vitória de uma época de modernização simples, linear e industrial, baseada no Estado-Nação.
Neste sentido, uma mudança radical nas sociedades contemporâneas pode ser percebida naquilo que Beck (2002) entende como uma transição, da primeira para a segunda modernidade, um processo que abre uma esfera para que as pessoas elejam novas e inesperadas formas sociais, linhas de conflito e forças sociais e políticas.
Deste modo, a modernidade não pode ser mais apenas o capitalismo, a racionalização ou a diferenciação funcional, conforme preconizado por autores clássicos como Marx, Weber e Durkheim, mas também uma dinâmica da liberdade política, cidadania e sociedade civil em um mundo de certezas tradicionais que perece ao ser substituído por um individualismo legalmente sancionado para todos. A mudança paradigmática de uma modernização reflexiva geraria uma sociedade de risco global (BECK, 2002) e um mundo bipolar de perigos e riscos como conseqüências da pluralização da modernidade e da inserção do mundo não-ocidental em uma segunda modernidade de múltiplas modernidades.
A estrutura da comunidade e a identidade perdem sua ontologia com a democratização da esfera da cultura, que transforma os fundamentos da família, das relações de gênero, do amor, da sexualidade e da intimidade. Por outro lado, as declarações sobre liberdade passam a desafiar as bases da vida cotidiana e da política global, pois conceitos e fórmulas da primeira modernidade se mostram inadequados nas condições de uma democracia radicalizada.
Beck (2002) observa a formação de um individualismo cooperativo ou altruísta, no qual viver só significa viver socialmente na medida em que as pessoas se mostram mais adequadas ao futuro do que instituições sociais ou representantes políticos, que se tornam mais dependentes do consentimento.
O sufrágio universal, a difusão da educação e das conquistas de proteção social e legal, a crescente dependência da ciência em todas as circunstâncias e decisões em conjunto, a reavaliação do imperativo de trabalhar e a crescente disponibilidade de alternativas levam a uma democratização latente da ação corporativa e uma desintegração ou erosão do poder das instituições. Na modernização reflexiva, a melhoria de bem-estar e o aumento dos perigos se tornam mutuamente condicionados e, como consumidor e consciência, a opinião pública se torna uma espécie de “padre confidente de um setor empresarial pecador” (BECK, 2002, p. 160).
* Este texto é parte integrante de CASTAÑEDA, Marcelo. Ambientalização e politização da vida cotidiana: uma etnografia do engajamento em práticas de consumo de alimentos orgânicos. Projeto de Mestrado, Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ, qualificado em maio, 2009.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALEXANDER, J. Modern, ante, post, and neo: how intellectuals have coded, narreted, and explained the “crisis of our times”. In: Alexander, J. Fin-de-siècle social theory: relativism, reduction, and the problem of reason. Londres: Verso, 1995.
BECK, U. La sociedad del risco global. Madrid: Sieglo XXI de Espana Editores S.A., 2002.
GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.
___. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: GIDDENS, A. et. alii. Modernização reflexivel: politica, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997.
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