Alexander (1995) propõe a perspectiva teórica neo-moderna como uma possibilidade de mudança social crítica, não dogmática e reflexiva, que seja ao mesmo tempo, mito e ciência, narrativa e explicação.
O autor entende que um senso de instabilidade da eminente transitoriedade do mundo introduz o mito na teoria social. Da mesma forma, percebe a teoria neomoderna como uma metalinguagem que orienta as pessoas a viver ao teorizar sobre o passado, o presente e o futuro em um caminho não-racional, na medida em que considera que todo período histórico precisa de uma narrativa que defina o passado nos termos do presente e sugira um futuro diferente e muito melhor que o período contemporâneo.
Assim, uma teoria geral da mudança social não se origina na cognição, mas em uma existência com significado, que pode ser interpretada como uma ideologia ou estrutura de significado – um sistema simbólico que não explica o mundo apenas de uma forma racional, mas interpreta-o a fim de prover significado e motivações.
Ao considerar que o papel do intelectual é interpretar o mundo, fazer distinções e identificar o tempo precedente a fim de produzir narrativas históricas sobre seu próprio tempo, Alexander (1995) pensa a modernidade a partir de um código binário que envolve o sagrado e o profano, em uma perspectiva arqueológica de investigação do presente.
Desta forma, o autor define quatro períodos teórico-ideológicos do pensamento social, a partir do pós-Segunda Guerra Mundial, atribuindo um código binário distinto a cada um, por meio de uma estrutura sagrado/profano (que contém sempre o elemento sagrado seguido do profano).
O primeiro período se inicia no pós-Segunda Guerra Mundial com predomínio da teoria da modernização e a ideologia do liberalismo romântico, com um código moderno/tradicional.
A partir da década de 1960, um código socialista/capitalista passa a caracterizar outro período, em que predominam as teorias anti-modernização e a ideologia do radicalismo heróico.
Em meados dos anos 1970, a teoria pós-moderna e a ideologia da indiferença cômica passam a predominar em um período caracterizado pelo código pós-moderno/moderno.
Finalmente, a teoria da neo-modernização e a ideologia da reconvergência, com um código democratização-mercado/nacionalismo, passam a predominar a partir dos anos 1990, o que caracterizaria, portanto, o período atual.
A perspectiva teórica neo-moderna enfatiza uma narrativa emancipatória do mercado, inscrita por diversos intelectuais, entre um novo passado — da sociedade anti-mercado — e um novo presente e futuro — da transição de mercado e expansão completa do capitalismo. Ao se apropriarem das idéias do mercado de forma menos restritiva e mais coletivista, Alexander (1995) observa uma diferença entre os intelectuais da década de 1990 e os intelectuais esquerdistas dos períodos anti-modernização e pós-moderno, que predominaram entre os anos 1960 e 1980. Desta forma, o renascimento e a redefinição da sociologia econômica, através das redes econômicas, evidencia um ressurgimento neo-moderno da teoria de mercado.
Em um sentido neo-moderno, a ação econômica transforma a imagem do mercado em uma relação social e interativa, que muito pouco se assemelha a um mercado capitalista explorador, na medida em que a narrativa heróica reaparece por meio de movimentos sociais com uma ampla variedade de motivações para construir novos direitos e formas de ação. O renascimento de teorizações sobre a democracia e a sociedade civil são fundamentais para manter um estado democrático.
Neste sentido, a análise de Wilkinson (2006) sobre as estratégias rurais frente à marginalização e apropriação geradas pela industrialização dos sistemas agro-alimentares parece traduzir um exemplo desta perspectiva ao evidenciar um processo de endogeneização, pelo qual tanto o mercado, quanto os movimentos sociais se retroalimentam por meio de uma “dialética sem síntese”. O autor considera que as críticas dos movimentos sociais da década de 1960 foram fundamentais para o ressurgimento da contestação, seja por reconhecimento ou por redistribuição.
Desta forma, no atual contexto de globalização e mudanças institucionais, Wilkinson (2006) entende que o mercado, e não mais o Estado, passa a ser o objetivo central de movimentos sociais econômicos multifacetados (como o Comércio Justo, Fair Trade), os orgânicos, Slow Food e os mecanismos de governança e regulação ou certificação que caracterizam este momento da relação entre os movimentos sociais e os mercados), que correm os riscos da exclusão e cooptação ao envolver circuitos alternativos, convencionais e campanhas políticas como estratégias de mobilização. Por sua perspectiva de reposicionamento permanente, estes movimentos sociais passam a redefinir o mercado e os valores em jogo.
O neo-modernismo que caracteriza a mais recente fase da teoria social pós-modernização representa o “novo espírito dos tempos em um caminho mais imaginativo”, com o reaparecimento de uma teoria social dos mercados, positiva, como a “forma teórica individualística, moldura quase-romântica da teoria da escolha racional” (ALEXANDER, 1995, p. 32).
No entanto, alguns problemas surgem na tentativa de estabelecer uma teoria neo-moderna, tais como a linearidade e a racionalidade das teorias de mercado, desmentidas pela história, ou a incapacidade das teorias da sociedade civil em teorizar empiricamente sobre uma vida cultural, apresentada normativamente por elas como “anti-civil”. Por isso, Alexander (1995) alerta que, para entender as estruturas das sociedades contemporâneas, a teoria social neo-moderna deve evitar três tendências que remetem às idéias iniciais da teoria da modernização.
A teoria da modernização concebia as sociedades como sistemas coerentemente organizados com subsistemas interdependentes, determinados por dois tipos de sistemas sociais, tradicional e moderno. O moderno representava a organização social e cultural das sociedades ocidentais, individualistas, democráticas, capitalistas, científicas, seculares e estáveis, com divisão do trabalho doméstico por gênero. A evolução histórica da modernidade envolvia industrialização, democratização pela lei, secularização e ciência através da educação (ALEXANDER, 1995).
A primeira é a que considera a democracia, a lei e o mercado como inevitabilidades históricas com resultados lineares ou como panacéias sociais para problemas de subsistemas ou grupos não-econômicos. Diferentemente, o autor entende a democracia, a lei e o mercado como requisitos funcionais para a realização de competências sociais e aquisição de recursos.
Cabe destacar que, para Alexander (1995), as diferenciações culturais e sociais remetem a modelos de tipo-ideal e dependem de fatores como aspirações normativas, posições estratégicas, poder de grupos particulares e história. Este autor entende o pluralismo dos sistemas sociais e a multidimensionalidade das causas das mudanças de tal forma que, para ele, os grupos e os subsistemas sociais que dirigem os movimentos de diferenciação serão dominantes e subjugarão os demais em seu nome.
A segunda é o conceito analítico de sociedade civil, que remete a uma época heróica das revoluções democráticas. Ao considerar a globalização como uma dialética entre a indigência e o cosmopolitismo, com assimetrias culturais e políticas entre regiões mais ou menos desenvolvidas, Alexander (1995) sugere a idealização de um conceito de “sociedade anti-civil”, como processo de “descivilização”, polarização e violência, com a possibilidade de resultados tipicamente modernos.
A terceira é a construção moral de códigos e narrativas em teorias totalizantes, que o autor sugere evitar para as novas teorias sociais manterem descentramento e reflexividade auto-consciente em suas dimensões ideológicas.
A teoria neomoderna sugere que as sociedades contemporâneas possuam e devam aspirar a uma zona política distintiva, uma espécie de campo institucional de domínio universal que transcenda o mercado econômico. Com isso, possibilita entender uma transição no padrão de ação política nas sociedades contemporâneas — das ações radical-coletivistas, no período de anti-modernização dos anos 1960/1970, para as ações romântico-individualístas, no período de neo-modernização a partir dos anos 1990. Alexander (1995) entende este ponto de referência empírico comum como um código familiar que permite narrar à história de maneira teleológica, fortalecendo o drama da democracia.
Por fim, a reconvergência neo-moderna torna-se importante ao enfatizar o (re)ssurgimento de uma narrativa emancipatória do mercado no contexto capitalista global das sociedades contemporâneas. Alexander (1995) observa o aparecimento de novas abordagens na teoria social, dando chaves de interpretação que possibilitam considerar a esfera do consumo como propícia para as ações políticas de tipo romântico-individualistas.
Desta forma, a transição do padrão de ação política — das ações radical-coletivistas, dos anos 1960/70, para as ações romântico-individualistas, a partir dos anos 1990 — também oferece uma lente interpretativa para analisar as mudanças na esfera do consumo e da vida cotidiana.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ALEXANDER, J. Modern, ante, post, and neo: how intellectuals have coded, narreted, and explained the “crisis of our times”. In: Alexander, J. Fin-de-siècle social theory: relativism, reduction, and the problem of reason. Londres: Verso, 1995.
* Este texto é parte integrante de CASTAÑEDA, Marcelo. Ambientalização e politização da vida cotidiana: uma etnografia do engajamento em práticas de consumo de alimentos orgânicos. Projeto de Mestrado, Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ, qualificado em maio, 2009.
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