quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Por um segundo, letra de música, Gonzaguinha

Por um segundo
Num sorriso teu
Fez-se festa infinita em minha vida
E a estrada longa, inteira
Num giro da mente eu vi

Por um segundo
Em um beijo teu
Tive todo universo em meu corpo
E eu fui dono das estrelas
Guardei no peito pra dois

Manso riacho nos levando
Abraço calmo e quente, corrente aumentando
Mergulhar sem fim

Por um segundo
Um segundo só
Explodiu o nosso amor por sobre o mundo
E nos fomos só a alegria
Depois do silêncio então
Morrer...

sábado, 19 de dezembro de 2009

apenas uma mensagem de força, fé e esperança...

Como muitas pessoas gostaram, compartilho com quem visitar este blog nesta época do ano... (brinde)

Prezad@s,

Nesta época do ano muita gente envia e-mails "cheios de graça" ou, ainda, cartões com umas mensagens mais ou menos padronizadas do tipo "um feliz natal e um próspero ano novo", com mensagens bonitas e tal. Bem, eu quero desejar isso também para vocês com esta mensagem, mais escrita e não menos animada! De certo, esta mensagem foi enviada apenas para algumas pessoas da enorme lista que possuo. Não preciso ter pudor de dizer que foi encaminhada para um grupo heterogêneo de pessoas que eu adoro por diferentes motivos!

Também aproveito para pedir que vocês atualizem meu endereço eletrônico, que passa a ser este (celocastaneda@yahoo.com.br).

Mais uma mudança de e-mail, cara? Sim, 2010 inicia uma nova década, então e-mail novo (espero que ele dure a década...rs...). Como vocês que recebem esta mensagem são atualmente as pessoas que mais me importam manter contato, essa atualização cabe aqui também.

Para quem procura viver um dia de cada vez como eu (e procurar não significa conseguir...), as datas especiais se tornam apenas mais um destes dias. Também como não tenho férias há bastante tempo e mais uma vez estarei trabalhando nesta época do ano, onde grande parte apenas comemora e tal, o especial será curtir cada dia bem focado. Eu gosto do que faço hoje, isso facilita demais as coisas e não me faz adotar um comportamento de coitadinho...

Para mim, esta época de Natal e reveillon traduz um momento de agradecimento e de desejos. Agradecer por estar mais um ano entre vocês e desejar novos objetivos e metas para o ano que se aproxima. O ano de 2009 foi muito tranquilo: poucos conflitos (não que eu não goste, mas quase não aconteceram...), muitos (re)encontros, novas amizades e relações de confiança, conquistas importantes para mim (e não é isso que importa?).

Se eu pudesse escolher o ano da minha curta vida (sim, ainda sou bem "novinho"...), não teria dúvidas. Entretanto, o ano vai passar, está quase acabando...

Mas, a vida não para, ela continua, e dias melhores virão, e piores também. O importante é ter pessoas especiais como vocês por perto, é saber pedir ajuda quando preciso (e eu adoro pedir ajuda hoje em dia...), é ter humildade (mas não se humilhar nem ser falso; portanto, se conhecer é necessário, pois quem não se conhece minimamente não é humilde...), aceitar, ao invés de desesperar, quando não existe alternativa e ter a coragem para seguir em frente... o resto não me pertence, não depende apenas de mim. Certeza que tenho? Que com vocês fica mais fácil, bem mais tranqüilo!

Gonzaguinha, o falecido cantor ainda muito presente, em seus "Caminhos do Coração" cantava que "toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas / E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá / E é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar / É tão bonito quando a gente pisa firme nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos / É tão bonito quando a gente vai à vida nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração". É por aí...

2010 tá chegando, volto pro Rio, cabeça erguida, pé no chão, começo uma nova fase e os desafios que vierem certamente ficarão mais bacanas e tranqüilos de superar com vocês! Se conseguir ir levando um dia de cada vez, aprendi com minha experiência de vida, que fica bem mais fácil. Então, por que procurar os grandes planos de um futuro distante se este momento "à frente" se constrói hoje?

Por isso, como Renato Russo cantava, hoje eu "já não me preocupo se eu não sei porque, às vezes o que eu vejo quase ninguém vê, eu sei que você sabe quase sem querer, que eu vejo o mesmo que você"!

Bom, não queria escrever um artigo, e essa "simples mensagem" já está ficando longa demais. Isso tudo, misturado e confuso para muitos, é só para dizer que vocês são especiais demais para mim e eu não poderia ter tido esse ano maravilhoso sem que vocês fizessem parte de minha vida. Só isso! Até porque tenho que escrever uma dissertação de mestrado, né? Então, deixa eu ir, e como está dando tudo muito certo demais, lá para final de fevereiro estarei convidando vocês para a defesa. Até!

Um grande abraço em todos!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

COP-15: quem ainda bate palma pra maluco sambar?

Acompanhei o desenrolar desta COP-15 pelo Twitter e confesso que desde que soube dessa conferência sobre meio ambiente que reuniu os chefes de estado não acreditei que tinha pinta de servir para alguma coisa de bom (entendendo “bom” como juízo de valor para um avanço no combate ao agravamento da crise ambiental, colocada nos termos vagos de sempre...).

Afinal, reunir os chefes de estado de todo mundo em Coppenhagen (é assim que escreve?) durante duas semanas não levou, não leva e não levará a qualquer avanço concreto na questão ambiental. Aliás, em qualquer local que se realize algo do tipo ao menos reforçará as possibilidades de protesto coletivo em tempos de globalização.

O protesto fora da conferência é o que há de melhor, pois o que se “realiza” dentro é nada mais que um belo(?) exercício de representação, um teatro calculado milimetricamente...

Para quem gosta deste tipo de teatro pernicioso, simula-se até uma frustração pela incapacidade de dar conta dos assuntos que o evento dizia se propor (sim, “dizia”, pois com o tempo eu vou deixando de bater palma pra maluco sambar...).

Isso me mostra, mais uma vez, como estão (ou seriam?) decadentes as instituições modernas e a necessidade que se coloca em torno de novos formatos de negociação e diálogo para as emergentes questões globais como a idéia abstrata de crise ambiental.

Quero dizer, com isso, que o modelo de diálogo transnacional ainda está muito longe de configurar um ponto para se chegar a um consenso. Afinal, se o mundo mudou, porque as formas de negociação permanecem as mesmas? Será que ainda teremos mais 10 ou 15 anos para uma nova rodada de fracassos?

Acredito na importância do diálogo transnacional, mas não de forma espasmódica como acontece desde a década de 1970, em Estocolmo (aliás, é vizinha da capital dinamarquesa...), passando pela RIO92’, muito menos em encontros curtos envolvendo mais de 150 perspectivas diferentes como nessa COP-15.

Fica parecendo difícil desde o início não?

Como se sabe que nada se resolverá, além de uma diretriz vaga e geral, nenhum chefe de estado vai acenar com o que pode de fato fazer e se comprometer (aliás, vai se comprometer representando quem, se não houve discussão no seu país?).

Mas isso já estava vislumbrado em várias análises que foram taxadas de pessimistas...

Ora, surpresa seria algo conduzido desta forma dar certo, ou seja, produzir resoluções de alcance global (e que fossem cumpridas pelos países que a assinassem, não como o Protocolo de Kioto, uma fraude...).

Por que não tornar a discussão em torno da crise ambiental permanente, com encontros freqüentes (do tipo trimestral ou semestral no âmbito global)? Será que o problema não é tão grave quanto nos passam? (Afinal, se os riscos são graves, inadiáveis porque os encontros não são permanentes?)

Por que, estabelecida esta freqüência, não envolver as diversas e diferentes sociedades civis dos estados nacionais (que, mesmo com globalização, ainda persistem e, em certos casos, se fortalecem), aprofundando cada tópico e conseguindo assim posições mais próximas do que cada país pode propor?

Fico pensando aqui no caso brasileiro...

Se as leis que nossos legisladores criam, não “pegam”... Imaginem a dificuldade de adotar um compromisso de Lula (por maior que seja a popularidade do presidente) frente a uma esfera global. Difícil, bem difícil de acreditar!

O que proponho como nova forma de diálogo transnacional da questão ambiental não é nenhuma caixa de Pandora. Simplesmente, aceno com aquela velha máxima: se algo não funcionou durante 30 anos, não é agora que vai funcionar, então por que não mudar?

E olha que estou aqui a escrever sobre apenas um ponto de vista, que considera a premissa de que os chefes de estado não configuram uma esfera pública global...

Por que os manifestantes ficam do lado de fora?

Encontros de cúpula não levam a qualquer lugar além da cúpula...

E tome Renato Russo, rindo em seu túmulo...

“Tenho medo de lhe dizer o que eu quero tanto
Tenho medo e eu sei porquê:
Estamos esperando
Quem é o inimigo?
Quem é você?
Nos defendemos tanto tanto sem saber
Porque lutar”

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O desafio para a eficácia da comunicação em prol da sustentabilidade planetária*

Os campos do consumo e da vida cotidiana, atualmente, remetem a uma espécie de purgatório global de questões ambientais. Isso faz sentido quando analisamos as estratégias e peças de comunicação ou os produtos simbólicos midiáticos que incentivam algumas mudanças individuais cotidianas “simples” (serão mesmo simples?) como forma de enfrentar a complexa “crise ambiental” e gerar um contexto de possibilidades para a sustentabilidade planetária.

Este artigoinsightreflexão possui um argumentoprovocação aberto a trocas virtuaisreaisatuais futuras que contribuam para a maior eficácia da comunicação em promover a realização de uma (ainda) utopia sustentável. Inicialmente, parto das seguintes questõesincômodos:

1) As comunicações contemporâneas que procuram promover sustentabilidade estão em sintonia com as práticas sociais cotidianas de indivíduosconsumidorescidadãos, considerando que, predominantemente, posicionam o campo de consumo como uma esfera de ação de indivíduospecadoresculpados que conspiram contra a redenção mundial “necessária” para salvar o planeta?

2) A elaboração de campanhas publicitárias e produtos simbólicos midiáticos que pretendem promover sustentabilidade considera, por exemplo, a produção de identidade, hostilidade, distinção e reconhecimento social, entre outros, pelos indivíduosconsumidorescidadãos como dimensões inerentes ao campo do consumo?

3) Os indivíduosconsumidorescidadãos são heróis, vilões ou nenhum dos dois?

No atual contexto de “crise ambiental”, fica evidente a mudança de status dos indivíduosconsumidorescidadãos. Se, até a década de 1980, éramos (!?) meras vítimasmanipuladas pelos meios de comunicação e publicitários, atualmente aparecemos (!?) como pecadoresresponsáveis pela reversão do agravamento da crise ambiental na recente cruzada mundial empreendida pelos governos, pelas empresas e organizações não governamentais em prol da salvação ou sustentabilidade planetária.

Essa transição pode ser percebida se observarmos que “nunca antes neste” planeta se comunicou tanto — e, geralmente, de maneira urgente, obrigatória, necessária, moralista e global — sobre as ações “simples” que cada indivíduoconsumidorcidadão podedeve adotar a fim de salvar o planeta em que habita.

Um resultado desse processo, iniciado no Brasil a partir da RIO92, pode ser percebido tanto no consenso sobre (o aumento d’) a gravidade da “crise ambiental” e da inércia de ação em uma esfera macroglobalinstitucional, quanto no aumento de dilemas dos indivíduosconsumidorescidadãos nas microesferas da vida cotidiana.

“Todos nós” estamos imersos nesse fogo ardente criado em torno de indivíduosconsumidorescidadãos que somos, não?

Dessa forma, será que a visão mais holísticareflexiva de que estamos todos juntos nesta canoa furada não significa romper com certo maniqueísmo entre “bom” e “mau” que é “necessário” para manter a ordem, pelo menos a cosmológica, tão cara ao mundo ocidental? Ao mesmo tempo, será que a nova (des)ordem mundial já não está fazendo isso na prática (e na marra...) ao mostrar que, como canta Caetano, “alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial”?

Não tenho as respostas agora, felizmente (!), mas ficarei satisfeito se conseguir gerar uma reflexão em indivíduosconsumidorescidadãosprofissionais atuantes no mercado de comunicação, mesmo que discordem do argumento (isso faz parte!). Dada a importância desses indivíduosconsumidorescidadãosprofissionais (que imagino que sejam vocês, leitores deste artigo) em um contexto de “crise ambiental” global, acredito que a reflexão vale a pena. Afinal, quem produz as comunicações deste teatro messiânicoeletrônicomaniqueístacontemporâneo?

Ora, o segmento de comunicação já procura entender as práticas cotidianas dos indivíduosconsumidorescidadãos para a comunicação de mercado em setores como alimentação, bebidas, higiene e limpeza, entre outros. Isso acontece com a incorporação de metodologias inerentes à antropologia, em especial a etnografia e a observação participante, que parecem ser as “bolas da vez”. Essa incorporaçãoapropriação não constitui novidade. As principais “inovações” de marketing e comunicação derivam das ciências sociais, seja na interpretação dos dados quantitativos ou na realização de pesquisas comportamentais que ocorreu até a década de 1970, passando pela realização de grupos focais e valorização simbólica nas décadas de 1980 e 1990.

Logo, por que não pensar também no (atualmente badalado) etnomarketing das práticas cotidianas de consumo relacionadas ao agravamento da “crise ambiental”? Trata-se de uma provocação consciente em prol do planeta. Da mesma forma, por que não aplicar conceitos (ou seriam modas?), como “comunicação integrada”, “total” ou “global”, na promoção da sustentabilidade planetária?

Onde quis chegar com este artigoinsightreflexão?

(1) Na importância dos profissionais de comunicação e marketing; e

(2) na existência de um descompasso entre a comunicação de ações em prol da sustentabilidade planetária e da vida cotidiana dos indivíduosconsumidorescidadãos que recebem essas mensagens.

Afinal, quando se comunica uma mensagem de forma equivocada, o indivíduoconsumidorcidadãoreceptor — que não é burro nem idiota — não “compra” a ideia e, no caso em tela, não a coloca em prática. Quem comunica já sabe disso. Então, não está na hora de mudar a comunicação para esses indivíduosconsumidorescidadãos? Ou é melhor continuar a “enxugar o gelo”?

Certamente, não serão as peças de comunicação ou os produtos simbólicos midiáticos que resolverão a “crise ambiental”, muito menos os indivíduosconsumidorescidadãos, mas, pelo menos, as comunicações em prol de um mundo sustentável podem se transformar em uma frente de luta eficaz para as tais “mudanças nos estilos de vida”. Se, com isso, os debates transnacionais e intersetoriais em uma esfera pública ampla e ampliada se tornarem uma prática contínua em vez de pontuais encontros globais midiatizados, quem sabe as luzes no fim do túnel se tornem a esperança de que “dias melhores virão”?

* Artigo publicado no Ciclo Comunicar Sustentabilidade, site Nós da Comunicação, disponível em http://www.nosdacomunicacao.com/panorama_interna.asp?panorama=137&tipo=G

sábado, 12 de dezembro de 2009

Capaz, letra de música, Kleiton & Kledir

Em tempos de COP-15...

Capaz que o mundo um dia vá se acabar
Capaz que a lua vá deixar de girar
Capaz que até a luz do sol vá sumir
Capaz que exista vida em outro lugar
Marcianos, gente verde, sei lá
Capaz
Eu nunca vi um disco voador
Aliás
Se o mundo fosse mesmo acabar
Eu acho que iam anunciar
E até vender pra televisão
E mais
A grana acabou outra vez
Não sei se chego até o fim do mês
Por isso tanto faz, tanto fez
Capaz que é ruim passar debaixo de escada
Gato preto, encruzilhada...
Capaz
No creo en brujas, pero las hay
Capaz que o homem tenha ido na lua
Que eu vá estar andando na rua
E caia um meteoro em cima de mim
Aliás, se o mundo fosse mesmo acabar
Eu acho que iam anunciar
E até vender pra televisão
E mais
Tem sempre alguém que leva algum
Pra nós aqui não sobra nenhum
Por isso deixa o barco correr.

O que ando ouvindo demais...

Eu falo para algumas pessoas que só consigo produzir hoje em dia ouvindo música. É como se fosse minha birita. "Onde o que sou se afoga, meu fumo, minha ioga, você é minha droga".

Um bom exemplo foi a prova que era parte do processo seletivo para o doutorado, com duração de 27 horas (isso mesmo, foi esse tempo todo que durou, sendo que consegui dormir umas três horas, o que me ajudou muito, considerando que o Beto Guedes canta que "todo sono é sagrado e alimenta de horizontes o tempo acordado de vivier).

Essa prova foi feita ao som de Chico Buarque e Caetano Veloso. Devo a eles boa parte da inspiração e da nota que recebi.

Estou nos meus quatro dias de descanso, para depois ter apenas mais quatro: 24, 25 e 31/12, além do dia 1/1, quando trabalhar faz mal a saúde... então vou escrever bastante para não perder o ritmo.

Escrever o que eu quero e como quero é bem melhor, se bem venho exercitando essa tal liberdade na vida acadêmica que tô trilhando. Mas aqui neste espaço blog eu escrevo se rumo, sem direção, desordenado como meu pensamento... "caminhando contra o vento"... e agora ouço U2 ("one love, we need to share it").

Parei de postar os escritos e fichamentos porque a partir de agora é tudo voltado para a tal da dissertação, ou seja, só posso postar depois que entregar a versão definitiva, o que deve acontecer até no máximo a primeira semana de fevereiro. Logo, até lá não contem comigo (namorada inclusive, essa tem que ser valorizada, porque aturar um ocupado total como eu hoje em dia, caramba! Viva as namoradas compreensivas e libertárias! Um viva sincero!). Em compensação, a partir de fevereiro, contem comigo para o que der e vier (nem tanto, mas quase...).

Ando bastante caridoso. Esse lance de disponibilizar, socializar conhecimento, surgiu de uma pilha que uma colega de graduação na UERJ (que não vejo há tempos...) me colocou sobre socializar conhecimento.

Como não ia usar os fichamentos que tanto me ajudaram no CPDA, ao menos no curto prazo (e como acho que o longo prazo não me pertence muito...), decidi disponibilizar.

As reações variaram do "você é impressionante" a "você é doido", passando pelo "valeu!"... nada além do esperado.

Mas escrevo para falar que Legião Urbana e Renato Russo é que andam impulsionando a elaboração desta dissertação. Voltei a ouvir direto esse som, anos 80 e 90, uma banda simples (guitarra, bateria, baixo), um compositor genial.

Sim, Renato Russo estava muito a frente deste tempo em que vivemos hoje, talvez o nosso tempo esteja se aproximando do que ele enxergava na sua considerada e considerável "loucura". O cara era "o cara" bem antes do Lula ser.

Mas morreu, virou mito (tudo bem que o Lula seja mito em vida...).

O que dizer de passagens como "disciplina é liberdade, compaixão é fortaleza, ter bondade é ter coregam" de tempos em que "parece cocaína, mas é só tristeza"? E o enigmático final desta música ("Há tempos")?

"Lá vem casa tem um poço mas a água é muito limpa".

Epa! Eu quero a água desse poço! Quero água limpa, sem medo de que ela acabe!

Não, não creio que Renato Russo não era anti-ecológico (até porque naquele tempo em que viveu a patrulha era menos intensa... essa tal de governamentalidade...), mas essa água é outra... esse poço de conhecimento que não acaba quando bebemos sua água, mas renova-se.

Nosso pudor é que faz com que preservemos o "nosso" conhecimento acumulado... e quando morremos, laçarão os livros que não escrevemos?

E a leitura de contexto que "Quase sem querer" representa (como bem assinalado por ML Sussekind)?

"Já não me preocupo se eu não sei porque, às vezes o que eu vejo quase ninguém vê, eu sei que você sabe quase sem querer, que eu vejo o mesmo que você" deveria constar nas ementas de metodologia e epistemologia...

Não vou aqui discorrer muito mais, o que me embala hoje é uma banda que já morreu, um gênio que se foi, mas os gênios deixam seus legados, são malditos enquanto vivem e mitificados quando mortos...

Vou tentar arrumar um tempo para escrever sobre uma interpretação particular (como todas as que estão aqui expostas) da bela notícia sobre o orçamento de R$ 6,5 milhões que o PT gastará para realizar seu congresso ano que vem. Para um partido com uma dívida de R$ 35 milhões, nada mal aumentar em 18% seu passivo...

E o importante é seguir, mesmo que na contramão...

#Apetitosos, Luís Fernando Veríssimo...

Esta "coisa" abaixo é uma sequencia de tweets postados pelo grande escritor hoje pela manhã... desta vez, viramos comida na imaginação do grande escritor... será? Sei lá... mas vale a pena a leitura, a viagem e a reflexão, por que não?

À idéia de q não somos mais q uma erupção passageira em um planeta menor se antepôs a convicção de q o Universo existe para a gente existir

O fato de a Terra estar na distância exata do Sol para haver vida como a nossa é apenas uma amostra dessa grande deferência conosco

Um pouquinho mais perto ou um pouquinho mais longe e nem você, eu ou qualquer outro mamífero seria possível

Somos a razão de tudo, o resto é cenário ou sistema de apoio.

E não fazemos feio entre os mamíferos. Nenhuma outra espécie com a mesma proporção de peso e volume se iguala à nossa.

Nosso habitat natural é o planeta todo, independentemente de clima e vegetação.

Somos a primeira espécie da História a controlar a produção do seu próprio alimento e a sobreviver fora do seu ecossistema de nascença

E o que a nossa sociabilidade não conseguiu, a técnica garantiu.

Mutações que decretariam o fim de outra espécie em poucas gerações, na espécie humana são corrigidas ou compensadas pela técnica.

Exemplo: a visão.

Enxergamos menos q nossos antepassados caçadores, mas vemos muito mais, graças à oftalmologia e todas as técnicas de percepção incrementada

Mas nosso sucesso tem um preço.

Chegamos aonde estamos consumindo tudo à nossa volta e hoje somos tantos que também nos transformamos em recursos consumíveis

Em breve a carne humana superará em valor calórico todas as outras fontes de alimento disponíveis sobre a Terra

E 10 mil anos ingerindo comida cultivada, mesmo com a maioria só comendo para subsistir, nos tornaram cada vez mais apetitosos e nutritivos

Gente já é o principal exemplo de recurso subexplorado do planeta.

E as leis da evolução são impiedosas: comunidades virais e bacteriológicas se transformam para nos incluir, cada vez mais, na sua dieta

Afinal, estamos ali, aos bilhões, literalmente dando sopa.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Se o povo tá na merda, tira o povo da merda!

Dizem que hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos, como referência à famosa declaração. Quem dera que fosse uma prática diária esses tais direitos humanos... aliás, sempre que se comemora um dia como esse de hoje, específico como esse também existe das mulheres, do meio ambiente e, aqui no Brasil, da consciência negra, me vem a mente de que fora deste dia, nada do que se comemora acontece...

Mas vamos que vamos! É preciso seguir em frente, né?

Faz tempo que não escrevo aqui, assim da forma mais solta que escrevo agora. Não é uma postagem de algo que escrevi academicamente, ou então nada muito direcionado, nem mesmo uma espécie de compilagem de tweets como aquele post sobre o panetone. Trata-se tão somente de escrever o que me vem à mente.

E olha que tem muita coisa nessa minha mente!

Essa questão do Arruda, do DF, do DEM, se expulsa ou não expulsa, e o cara acaba se desligando para não gerar constrangimento (para ele, né?) é um pouco do melhor que a política brasileira pode me oferecer hoje. Pô, torno a repetir que está para nascer um político que assuma seus atos!

O Lula disse hoje, em São Luís do Maranhão, cujo prefeito é do PSDB, que não importa o partido: se o povo estiver na merda, vai tirar o povo da merda. Além de ser verdade, afinal durante o seu governo ele acabou dando umas migalhas que nunca antes neste país foram dadas ao povo brasileiro, ao falar isso, o presidente mostra sua melhor face, aquele ser sincero, que Caetano chama de grosseiro.

Para arrematar, além dos aplausos entusiasmados, ainda completou dizendo que os jornais iam dar o maior destaque (ele sabe como ninguém disso... e por isso fala...) e que esses jornalões brasileiros falam muito mais besteiras do que ele. Foi mais ou menos isso que assisti no Youtube (http://ow.ly/KMi9)...

Aliás estes jornalões são bem fajutos, pois fazem exatamente o que o presidente deseja! Que imprensa mais amestrada... ai ai ai... E os petistas históricos ainda vêm com esse papo bobo de que a mídia é isso, a grande mídia é aquilo... Me perdoem, mas a mída brasileira e Lula andam juntos... Parece um time de volei, em que a mídia é o "levantador" e Lula o "ponta", aquele que dá aquela cortada pancadão perfeito.

Mesmo sendo fã de Caetano, gosto dessa grosseria sincera que o Lula demonstra de vez em quando. Prefiro essa atitude do que aquele cinismo do "nada sei" que ele faz uso sempre que explode uma "bomba" debaixo do seu colo, como se não explodisse seu bucho da mesma forma.

Aqui no Brasil, roubar é atitude naturalizada pelo povo em relação aos políticos. É algo de conhecimento público: a pessoa se elege, vai roubar e vai ganhar dinheiro de tudo quanto é jeito. Infelizmente é assim que pensa o brasileiro médio (que não existe, mas que tem muita gente que pensa assim neste país, ah, isso tem!). O que o povo parece estar começando a sacar é que os políticos ladrões proliferantes estão a fazer uso do dinheiro que deveria retornar para ele em serviços como educação, saúde, cultura, segurança. Ao invés disso, tome-se castelos, mansões, vidas de luxo, orgias... mas "nós também podemos ser caretas", já cantava a vaca profana de Caetano.

A questão que quero pontuar é que, apesar dos pesares, Lula é e, se bobearem, ainda será por muuuuito tempo o melhor presidente que o Brasil já teve. Em vários sentidos: não veio da academia, é popular, fala o que pensa quando pode, diz que não sabe quando está enrolado, representa bem o país lá fora e muito mais o governo aqui dentro, consegue emprestar dinheiro ao efe eme IH, consegue dar uma esmola aos pobres (como nunca antes neste país) e muito dinheiro aos altos investidores das finança globalizada brasileiros (ah, eu vou escrever também de um jeito bacana que dê procês entendê! Afinal, se Lula pode, eu posso!), é sortudo a beça (vide a descoberta do pré-sal e as "trapalhadas" do DEM) e politicamente inteligente pra cacete (basta ver a manutenção da política econômica de FHC, que deve estar se mordendo, e ficará até sua morte, a se manter a sua altíssima rejeição que não lhe permite nem mesmo falar muito em público...). Deve ter algo que esteja esquecendo, que os lulistas mais fanáticos cansam de despejar na minha caixa de e-mails.

Isso tudo e o fato de possuir cerca de 70% de aprovação (e os mais fanáticos vão dizer: "pô, é 72% seu babaca!") faz com que Lula consiga eleger hoje até mesmo um poste. Conseguirá eleger Dilma daqui a 11 meses?

Parece que sim, se nada afetar a popularidade de Lula, até eu ganho do Serra ano que vem! Afinal, o que Serra teria a oferecer de bacana pros caras que tão na merda e para aqueles que estão nadando em rios de dinheiro?

Alguém que lide tão bem com esse paradoxo quanto Lula, ainda está para aparecer na cena política brasileira. Além disso, Serra não tem diferencial em relação a qualquer um que Lula benzer.

Mas, em 11 meses muita coisa pode acontecer com a popularidade de Lula.

Uma coisa não me sai da cabeça, por isso escrevo uma hipótese: até que ponto Lula não alimenta notícias de jornal com belos factóides e ganha terreno para novos factóides como esse de hoje?

Para pensar...

É a mesma coisa do marketing do ilícito, aproveitando que o presidente comparou a corrupção brasileira ao baseadinho que se fuma escondido da família: será que as fotos de apreensões de drogas como cocaína, maconha, crack e ecstasy não estimulam o consumo dos usuários e daqueles potenciais usuários?

Enfim, o terreno da especulação pode me satisfazer...

Foi bom voltar a escrever aqui... espero voltar em breve, lembrando que gosto de Lula, mas admiro Caetano!

Por que não?

sábado, 5 de dezembro de 2009

Esfera pública, sociedade civil e politização da vida cotidiana (e do consumo)*

A associação entre o esgotamento das energias utópicas da sociedade do trabalho e a deterioração das relações de cooperação com base no trabalho abstrato é marcante na análise de Habermas (1987) sobre a crise do Estado social nas sociedades contemporâneas.

Com o deslocamento da utopia, do conceito de trabalho para o de comunicação, Habermas (1987) observa que uma consciência de atualidade funde continuamente os pensamentos históricos e utópicos e estimula a autoconfiança da modernidade ao desvendar algumas das ilusões sobre seu auto-entendimento, tais como (1) a simbiose entre o controle racional da natureza e a mobilização das energias sociais em projetos de vida racional; e (2) os projetos de totalidade concreta das possibilidades futuras de vida. Na medida em que, para o autor, o conteúdo utópico se reduz a uma formalidade intersubjetiva intacta, as condições de realização das possibilidades concretas de uma vida melhor e menos ameaçada se apresentam, apenas normativamente, de acordo com as necessidades, as idéias e as iniciativas de cada um dos próprios participantes.

Ao considerar que as sociedades modernas possuem recursos de poder, de dinheiro e de solidariedade para satisfazer suas necessidades no exercício do governo, o autor compreende a possibilidade de um novo equilíbrio através de um modelo constituído por estes três recursos em arenas sobrepostas.

Para Habermas (1987), estas arenas se caracterizam da seguinte forma: (1) na arena do poder, as elites políticas concretizam suas resoluções no aparelho estatal; (2) na do dinheiro, os grupos anônimos e atores coletivos se influenciam, formam coalizões, controlam o acesso aos meios de produção e de comunicação, além de delimitar um campo para resolver as questões políticas; e (3) na da sociedade civil organizada, baseada na solidariedade, os fluxos de comunicação determinam a forma de cultura política, rivalizando em torno da hegemonia cultural com o apoio de diferentes definições da realidade.

No modelo de Habermas (1987), a sociedade civil encontra-se na arena da solidariedade, sendo caracterizada por lutas, quase sempre latentes e desenvolvidas nos microdomínios da comunicação cotidiana, em torno da definição da integridade e da autonomia dos estilos de vida. O autor identifica a solidariedade como meio para a formação política de uma vontade que influencia na demarcação de fronteiras e no intercâmbio entre as áreas da vida comunicativamente estruturadas da sociedade civil, de um lado, e do Estado e da Economia, de outro.

Esta perspectiva permite que Habermas (1987) defenda a continuidade do Estado social por meio de uma combinação entre poder e autolimitação, mediada por esferas públicas autônomas, de uma forma que possibilite tornar os mecanismos de autorregulação do Estado e da economia sensíveis aos resultados orientados-a-fins do que seria, para ele, uma formação radicalmente democrática da vontade coletiva.

Neste sentido, Canclini (1995) parte das articulações e mudanças recentes da sociedade civil para explicar a queda da participação, o desinteresse das maiorias pelas formas tradicionais de representação e o reordenamento do público e do privado. Para ele, a esfera pública é reconstituída por meio da tensão entre a subordinação ao Estado e a dissolução na sociedade civil, pois consiste em um espaço heterodoxo de fortalecimento dos significados e tradições — papel do Estado — ao mesmo tempo em que novas forças podem associar diferentes significados aos mesmos conceitos — papel da sociedade civil.

O principal desafio passa pela revitalização do Estado como representante do interesse público, ou seja, árbitro e garantidor de que as necessidades coletivas de informação, recreação e inovação não sejam subordinadas à rentabilidade comercial (CANCLINI, 1995). O autor propõe uma redefinição internacional do público ao entender que a esfera pública não se esgota no campo das interações políticas, nem no âmbito nacional, mas abarca as atividades de um conjunto de atores nacionais e internacionais capazes de influenciar na organização do sentido coletivo e nas bases de desempenho dos cidadãos.

Torna-se interessante perceber que, mesmo apontando a convergência dos vários interesses e estratégias dos segmentos da sociedade civil em acusar o Estado pelas mazelas sociais, supondo que a situação melhoraria se este cedesse iniciativas e poder àqueles segmentos, Canclini (1995, p. 29-30) destaca a reestruturação dos vínculos entre consumo e cidadania como uma forma de explorar saídas para a crise da participação, das manifestações públicas e do voto popular:

"A sociedade civil, nova fonte de certezas neste tempo de incertezas, parece outro conceito totalizador destinado a negar o heterogêneo e desintegrado conjunto de vozes que circulam pelas nações. (...) A aproximação entre a cidadania, a comunicação de massas e o consumo tem, entre outros fins, reconhecer estes novos cenários de constituição do público e mostrar que para viver em sociedades democráticas é indispensável reconhecer que o mercado de opiniões cidadãs inclui tanta variedade e dissonância como os mercados de roupa e entretenimento".

Entretanto, Canclini (1995) levanta dúvidas sobre a efetividade da sociedade civil, pelo fato de os partidos, sindicatos e movimentos sociais preferirem, cada vez mais, a negociação ao enfrentamento e, ainda, soluções setoriais e individuais à democratização política e redistribuição dos bens materiais e simbólicos. Para o autor, as alianças com forças corruptas, como o narcotráfico e as máfias, também contribuem para o fracasso dos movimentos populares e a aceitação resignada da exploração primitiva nos mercados informais.

O autor destaca que a história recente da América Latina parece apresentar um desejo de comunidade que se deposita cada vez menos em entidades macrossociais, como a nação ou as classes, se dirigindo a grupos religiosos e étnicos, conglomerados desportivos, solidariedades geracionais e interesses midiáticos, entre outros.

Uma “característica comum destas ‘comunidades’ atomizadas é que se concentram em torno de consumos simbólicos mais que em relação aos processos produtivos” (CANCLINI, 1995, p. 196). Com isso, as sociedades civis são cada vez menos comunidades nacionais, unidades territoriais, lingüísticas e políticas, e, por outro lado, se tornam, cada vez mais, comunidades hermenêuticas de consumidores, ou seja, um conjunto de pessoas que compartilham gostos e acordos de leitura de certos bens gastronômicos, esportivos e musicais, entre outros, que fornecem identidades compartilhadas.

Da mesma forma que as conseqüências de uma crescente participação através do consumo sobre a cidadania não são generalizáveis, as críticas apocalípticas ao consumismo que assinalam uma tendência para a organização individualista dos consumos, que aliena os cidadãos das suas condições comuns de desigualdade e da solidariedade coletiva, também não encontram eco. Para Canclini (1995, p. 196), “a expansão das comunicações e do consumo geram associações de consumidores e lutas sociais, ainda marginais, mas melhor informados sobre as condições nacionais e internacionais”.

Neste sentido, a expansão das Sociedades de Consumo apresenta uma ambigüidade entre a dissolução, morte ou declínio da política e a emergência de uma nova cultura política (PORTILHO, 2005). Esta autora mostra, por exemplo, que o deslocamento da questão ambiental para a esfera do consumo tem sido analisado de duas formas diferentes: de um lado, a despolitização ou uma redução do cidadão à condição de consumidor , de outro, a politização ou uma possibilidade de retorno do consumidor à esfera da cidadania.

Desta forma, de um lado, a autora entende o deslocamento como fortalecimento dos mecanismos de desintegração social e declínio da dimensão política e do espaço público, reduzindo os vínculos de solidariedade e participação na esfera pública, bem como as bases de sustentação física do planeta. Trata-se de um mecanismo de despolitização da questão ambiental que transfere a responsabilidade do Estado e do setor produtivo para a esfera privada.

De outro, Portilho (2005) compreende uma oportunidade de politização das práticas de consumo, entendido como extensão de novas práticas políticas que surgem no seio da radicalização da modernidade. Logo, o deslocamento pode ser interpretado também como possibilidade agregadora/emancipatória, fortalecendo o interesse e a participação individual e coletiva nos dilemas e decisões políticas cotidianos ao trazer a questão ambiental para a agenda privada.

No caso da sociedade civil brasileira, vale destacar a análise de Costa (2002), que a entende como um contexto de ação para um amplo conjunto de atores que não querem ser assimilados ao aparelho de Estado ou às estruturas partidárias. As associações da sociedade civil constituem uma força propulsora de transformações permanentes da estrutura institucional, atenuando as inevitáveis tensões entre a lei e a ordem.

Desta forma, na esfera pública brasileira, o termo sociedade civil remete “ao contexto na topografia social, marcado por relações de solidariedade e cooperação e não se restringe assim a um somatório de organizações, trata-se de uma teia de interações” na qual as organizações da sociedade civil consistem nos “nódulos nesse contexto de interações que se distinguem dos grupos de interesse que atuam na esfera política e econômica” (COSTA, 2002, p. 62). O autor observa um condicionamento mútuo entre a sociedade civil e o espaço público, onde a construção e a consolidação da sociedade civil dependem da vigência de direitos civis básicos e da existência de um espaço público minimamente poroso.

Para Costa (2002, p. 63), esta condição se relaciona com a vitalidade e a possibilidade de influência da sociedade civil no Brasil, especialmente porque “este espaço representa a arena privilegiada de atuação política dos atores da sociedade civil, constituindo, ainda, a arena de difusão dos conteúdos simbólicos e das visões de mundo diferenciadas que alimentam as identidades de tais atores. Assim, sociedade civil e espaço público se condicionam mutuamente”.

Neste ponto, a análise de Hirschman (1983) sobre os ciclos de comportamento coletivo configura um aporte teórico interessante para entender a dinâmica que este autor propõe para caracterizar os movimentos coletivos entre as esferas pública e privada, bem como iniciar uma espécie de fundação dos alicerces da ponte entre consumo e cidadania, que será abordada adiante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CANCLINI, N. G. Consumidores y ciudadanos - conflictos multiculturales de la globalización. México: Editorial Grijalbo, 1995.
COSTA, S. As cores de Ercília — esfera pública, democracia, configurações pós-nacionais. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002.
HABERMAS, J. A nova intransparência – a crise do Estado de Bem-Estar Social e o esgotamento das energias utópicas. In: Novos Estudos CEBRAP. n.18, set./1987.
HIRSCHMAN, A. De consumidor a cidadão: atividades privadas e participação na vida pública. São Paulo, Brasiliense, 1983.
PORTILHO, F. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo, Ed. Cortez, 2005.

* Este texto é parte integrante de: CASTAÑEDA, Marcelo. Ambientalização e politização da vida cotidiana: uma etnografia do engajamento em práticas de consumo de alimentos orgânicos. Projeto de mestrado, Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ, qualificado em maio, 2009.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Sociedade pós-tradicional: destruição da natureza e destradicionalização *

O final do século XX representa um período de transição para a emergência de uma sociedade pós-tradicional que seria uma extensão das instituições modernas e dos processos de mudança intencional, em um contexto de radicalização da modernidade. Com isso, Giddens (1997) destaca que a escolha possível passa a ser a de decidir como ser e agir, de forma que as escolhas ativas levariam à autonomia.

Uma sociedade pós-tradicional caracteriza-se por uma natureza transfigurada pela intervenção humana, transformada em socialização da natureza por mecanismos de desincorporificação derivados de uma intensificação da especialização descentralizada. Outra característica é a perda de autoridade da ciência, com conseqüências libertadoras e perturbadoras na medida em que a compulsividade torna-se uma confiança congelada, ou seja, um compromisso sem objeto e uma simples urgência repetitiva.

Desta forma, a especialização substitui a tradição e a reflexividade social da modernidade subverte a razão. Giddens (1991, p. 40) enxerga um “mundo que é inteiramente constituído através de conhecimento reflexivamente aplicado, mas onde, ao mesmo tempo, não podemos nunca estar seguros de que qualquer elemento dado deste conhecimento não será revisado”.

Giddens (1996) observa uma transformação da intimidade associada à reflexividade da modernidade, entendida como uma relação dialética e complexa entre tendências globalizantes e eventos localizados na esfera cotidiana, que implica na construção do sujeito como um projeto reflexivo, pelo qual os indivíduos encontram suas identidades entre as estratégias e as opções dos sistemas abstratos.

Em contextos personalizados, a auto-realização fundamentada em confiança básica só se estabelece com uma abertura do eu para o outro. Deste modo, a formação de laços pessoais e eróticos em relacionamentos passa a ser orientada por uma reciprocidade entre a auto-revelação e a preocupação com auto-satisfação, que é parte de uma apropriação positiva da invasão da vida cotidiana por influências globalizadas.

O autor entende que as condições atuais da modernidade provocam ativismo — ao invés de privatismo — ao considerar a reflexividade e as oportunidades abertas para a organização coletiva nos Estados-Nação modernos em uma ordem globalizante.

"Imprevisibilidade, incerteza artificial, fragmentação: estas formam apenas um lado da moeda da ordem globalizante. No outro lado, estão os valores compartilhados que advêm de uma situação de interdependência global, organizada pela aceitação cosmopolita da diferença. Um mundo sem outros é um mundo no qual – por uma questão de princípio – todos nós partilhamos de interesses comuns, da mesma forma que defrontamos com riscos comuns (...) Uma ética de uma sociedade pós-tradicional globalizante implica o reconhecimento da santidade da vida humana e o direito universal à felicidade e à auto-realização – ligado à obrigação de promover a solidariedade cosmopolita e a uma postura de respeito perante ações e seres não-humanos, atuais e futuros. Longe de vivermos o desaparecimento de valores universais, talvez esta seja a primeira vez na história da humanidade em que esses valores apresentam um verdadeiro ponto de apoio" (GIDDENS, 1996, p. 286).

Nesta perspectiva, não existem soluções naturalizadas para os problemas sociais, apesar de uma tendência de naturalização da sociedade, pois a interdependência global e a socialização da natureza devem ser cada vez mais consideradas na resolução dos problemas sociais. Giddens (1996) percebe o signo positivo de um caráter distópico dos riscos de grandes conseqüências na medida em que complicações reflexivas apenas confirmam que as dificuldades de uma civilização científico-tecnológica não podem mais se resolver pela introdução de mais ciência e tecnologia.

Apesar disso, os debates ambientais contemporâneos se baseiam em uma lógica de natureza controlada, denotando um potencial revelador dos problemas ecológicos sobre a confiança da civilização moderna no que se refere ao controle e ao progresso econômico enquanto formas de repressão dos dilemas existenciais básicos da vida.

Diferentemente, Giddens (1996) interpreta as questões ecológicas pelas lentes da modernização reflexiva em um contexto de globalização, destradicionalização, destruição da natureza, avanço da ciência e crescimento econômico que coloca problemas morais, antes ocultos, na naturalidade da natureza e que hoje afloram em riscos associados à incerteza artificial, comprometendo uma orientação para o controle da modernidade simples.

Assim, a “política ecológica é uma política de perdas – a perda da natureza e da tradição –, mas também é uma política de recuperação” (GIDDENS, 1996, p. 257), pois o autor acredita que, individualmente, uma humanidade coletiva pode remoralizar as vidas por meio de uma aceitação positiva da incerteza artificial. Como expressão material dos limites da modernidade, a política ambiental torna-se fundamental para a renovação política, pois a restauração do ambiente danificado não pode mais ser entendida como um fim em si mesmo.

Considerando a situação do indivíduo enquanto sujeito e corpo de uma natureza que esmorece, Giddens (1996) destaca a exigência de construção contínua do sujeito em uma sociedade pós-tradicional. Neste sentido, as escolhas alimentares, por exemplo, objeto deste estudo, passam a se relacionar com a organização de um futuro pessoal com base em um conhecimento médico e dietético reflexivamente disponível. Quando o sujeito e o corpo deixam de ser “natureza”, os indivíduos precisam negociar suas condições de vida no contexto de novas formas de informação disponíveis.

Por fim, cabe destacar que este autor contribui para uma análise da esfera do consumo wm relação com a questão ambiental contemporânea por meio de suas considerações sobre a construção contínua do sujeito em uma sociedade pós-tradicional e sobre o papel da política ambiental para a renovação política. Desta forma, o consumo de alimentos orgânicos como forma de ação política torna-se um objeto que permite entender a possibilidade de ativismo apontada por Giddens (1996) no âmbito da vida cotidiana dos Estados-Nação em um contexto de reflexividade de uma ordem global.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GIDDENS, A. Para além da esquerda e da direita: o futuro da política radical. São Paulo: UNESP, 1996.

___. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: GIDDENS, A. et. alii. Modernização reflexivel: politica, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997.

* Este texto é parte integrante de: CASTAÑEDA, Marcelo. Ambientalização e politização da vida cotidiana: uma etnografia do engajamento em práticas de consumo de alimentos orgânicos. Projeto de mestrado, Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ, qualificado em maio, 2009.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Neo-modernismo: o mito democrático em uma teoria social dos mercados*

Alexander (1995) propõe a perspectiva teórica neo-moderna como uma possibilidade de mudança social crítica, não dogmática e reflexiva, que seja ao mesmo tempo, mito e ciência, narrativa e explicação.

O autor entende que um senso de instabilidade da eminente transitoriedade do mundo introduz o mito na teoria social. Da mesma forma, percebe a teoria neomoderna como uma metalinguagem que orienta as pessoas a viver ao teorizar sobre o passado, o presente e o futuro em um caminho não-racional, na medida em que considera que todo período histórico precisa de uma narrativa que defina o passado nos termos do presente e sugira um futuro diferente e muito melhor que o período contemporâneo.

Assim, uma teoria geral da mudança social não se origina na cognição, mas em uma existência com significado, que pode ser interpretada como uma ideologia ou estrutura de significado – um sistema simbólico que não explica o mundo apenas de uma forma racional, mas interpreta-o a fim de prover significado e motivações.

Ao considerar que o papel do intelectual é interpretar o mundo, fazer distinções e identificar o tempo precedente a fim de produzir narrativas históricas sobre seu próprio tempo, Alexander (1995) pensa a modernidade a partir de um código binário que envolve o sagrado e o profano, em uma perspectiva arqueológica de investigação do presente.

Desta forma, o autor define quatro períodos teórico-ideológicos do pensamento social, a partir do pós-Segunda Guerra Mundial, atribuindo um código binário distinto a cada um, por meio de uma estrutura sagrado/profano (que contém sempre o elemento sagrado seguido do profano).

O primeiro período se inicia no pós-Segunda Guerra Mundial com predomínio da teoria da modernização e a ideologia do liberalismo romântico, com um código moderno/tradicional.

A partir da década de 1960, um código socialista/capitalista passa a caracterizar outro período, em que predominam as teorias anti-modernização e a ideologia do radicalismo heróico.

Em meados dos anos 1970, a teoria pós-moderna e a ideologia da indiferença cômica passam a predominar em um período caracterizado pelo código pós-moderno/moderno.

Finalmente, a teoria da neo-modernização e a ideologia da reconvergência, com um código democratização-mercado/nacionalismo, passam a predominar a partir dos anos 1990, o que caracterizaria, portanto, o período atual.

A perspectiva teórica neo-moderna enfatiza uma narrativa emancipatória do mercado, inscrita por diversos intelectuais, entre um novo passado — da sociedade anti-mercado — e um novo presente e futuro — da transição de mercado e expansão completa do capitalismo. Ao se apropriarem das idéias do mercado de forma menos restritiva e mais coletivista, Alexander (1995) observa uma diferença entre os intelectuais da década de 1990 e os intelectuais esquerdistas dos períodos anti-modernização e pós-moderno, que predominaram entre os anos 1960 e 1980. Desta forma, o renascimento e a redefinição da sociologia econômica, através das redes econômicas, evidencia um ressurgimento neo-moderno da teoria de mercado.

Em um sentido neo-moderno, a ação econômica transforma a imagem do mercado em uma relação social e interativa, que muito pouco se assemelha a um mercado capitalista explorador, na medida em que a narrativa heróica reaparece por meio de movimentos sociais com uma ampla variedade de motivações para construir novos direitos e formas de ação. O renascimento de teorizações sobre a democracia e a sociedade civil são fundamentais para manter um estado democrático.

Neste sentido, a análise de Wilkinson (2006) sobre as estratégias rurais frente à marginalização e apropriação geradas pela industrialização dos sistemas agro-alimentares parece traduzir um exemplo desta perspectiva ao evidenciar um processo de endogeneização, pelo qual tanto o mercado, quanto os movimentos sociais se retroalimentam por meio de uma “dialética sem síntese”. O autor considera que as críticas dos movimentos sociais da década de 1960 foram fundamentais para o ressurgimento da contestação, seja por reconhecimento ou por redistribuição.

Desta forma, no atual contexto de globalização e mudanças institucionais, Wilkinson (2006) entende que o mercado, e não mais o Estado, passa a ser o objetivo central de movimentos sociais econômicos multifacetados (como o Comércio Justo, Fair Trade), os orgânicos, Slow Food e os mecanismos de governança e regulação ou certificação que caracterizam este momento da relação entre os movimentos sociais e os mercados), que correm os riscos da exclusão e cooptação ao envolver circuitos alternativos, convencionais e campanhas políticas como estratégias de mobilização. Por sua perspectiva de reposicionamento permanente, estes movimentos sociais passam a redefinir o mercado e os valores em jogo.

O neo-modernismo que caracteriza a mais recente fase da teoria social pós-modernização representa o “novo espírito dos tempos em um caminho mais imaginativo”, com o reaparecimento de uma teoria social dos mercados, positiva, como a “forma teórica individualística, moldura quase-romântica da teoria da escolha racional” (ALEXANDER, 1995, p. 32).

No entanto, alguns problemas surgem na tentativa de estabelecer uma teoria neo-moderna, tais como a linearidade e a racionalidade das teorias de mercado, desmentidas pela história, ou a incapacidade das teorias da sociedade civil em teorizar empiricamente sobre uma vida cultural, apresentada normativamente por elas como “anti-civil”. Por isso, Alexander (1995) alerta que, para entender as estruturas das sociedades contemporâneas, a teoria social neo-moderna deve evitar três tendências que remetem às idéias iniciais da teoria da modernização.

A teoria da modernização concebia as sociedades como sistemas coerentemente organizados com subsistemas interdependentes, determinados por dois tipos de sistemas sociais, tradicional e moderno. O moderno representava a organização social e cultural das sociedades ocidentais, individualistas, democráticas, capitalistas, científicas, seculares e estáveis, com divisão do trabalho doméstico por gênero. A evolução histórica da modernidade envolvia industrialização, democratização pela lei, secularização e ciência através da educação (ALEXANDER, 1995).

A primeira é a que considera a democracia, a lei e o mercado como inevitabilidades históricas com resultados lineares ou como panacéias sociais para problemas de subsistemas ou grupos não-econômicos. Diferentemente, o autor entende a democracia, a lei e o mercado como requisitos funcionais para a realização de competências sociais e aquisição de recursos.

Cabe destacar que, para Alexander (1995), as diferenciações culturais e sociais remetem a modelos de tipo-ideal e dependem de fatores como aspirações normativas, posições estratégicas, poder de grupos particulares e história. Este autor entende o pluralismo dos sistemas sociais e a multidimensionalidade das causas das mudanças de tal forma que, para ele, os grupos e os subsistemas sociais que dirigem os movimentos de diferenciação serão dominantes e subjugarão os demais em seu nome.

A segunda é o conceito analítico de sociedade civil, que remete a uma época heróica das revoluções democráticas. Ao considerar a globalização como uma dialética entre a indigência e o cosmopolitismo, com assimetrias culturais e políticas entre regiões mais ou menos desenvolvidas, Alexander (1995) sugere a idealização de um conceito de “sociedade anti-civil”, como processo de “descivilização”, polarização e violência, com a possibilidade de resultados tipicamente modernos.

A terceira é a construção moral de códigos e narrativas em teorias totalizantes, que o autor sugere evitar para as novas teorias sociais manterem descentramento e reflexividade auto-consciente em suas dimensões ideológicas.

A teoria neomoderna sugere que as sociedades contemporâneas possuam e devam aspirar a uma zona política distintiva, uma espécie de campo institucional de domínio universal que transcenda o mercado econômico. Com isso, possibilita entender uma transição no padrão de ação política nas sociedades contemporâneas — das ações radical-coletivistas, no período de anti-modernização dos anos 1960/1970, para as ações romântico-individualístas, no período de neo-modernização a partir dos anos 1990. Alexander (1995) entende este ponto de referência empírico comum como um código familiar que permite narrar à história de maneira teleológica, fortalecendo o drama da democracia.

Por fim, a reconvergência neo-moderna torna-se importante ao enfatizar o (re)ssurgimento de uma narrativa emancipatória do mercado no contexto capitalista global das sociedades contemporâneas. Alexander (1995) observa o aparecimento de novas abordagens na teoria social, dando chaves de interpretação que possibilitam considerar a esfera do consumo como propícia para as ações políticas de tipo romântico-individualistas.

Desta forma, a transição do padrão de ação política — das ações radical-coletivistas, dos anos 1960/70, para as ações romântico-individualistas, a partir dos anos 1990 — também oferece uma lente interpretativa para analisar as mudanças na esfera do consumo e da vida cotidiana.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ALEXANDER, J. Modern, ante, post, and neo: how intellectuals have coded, narreted, and explained the “crisis of our times”. In: Alexander, J. Fin-de-siècle social theory: relativism, reduction, and the problem of reason. Londres: Verso, 1995.

* Este texto é parte integrante de CASTAÑEDA, Marcelo. Ambientalização e politização da vida cotidiana: uma etnografia do engajamento em práticas de consumo de alimentos orgânicos. Projeto de Mestrado, Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ, qualificado em maio, 2009.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Transições e permanências da modernidade nas teorias sociais contemporâneas*

O caráter dinâmico da modernidade e de suas instituições se relaciona com a separação tempo-espaço, o desenvolvimento de mecanismos de desencaixe e a apropriação reflexiva do conhecimento — com os quais um conhecimento sistemático sobre a vida social passa a fazer parte da reprodução do sistema — o que desloca a vida social da fixidez da tradição (GIDDENS, 1991). Neste sentido, uma apropriação reflexiva do conhecimento se amplia para incorporar grandes extensões do tempo-espaço por meio de mecanismos de desencaixe que retiram as relações sociais da situacionalidade de locais específicos.

Desta forma, as atividades locais passam, cada vez mais, a ser influenciadas por acontecimentos globais. Reflexivamente, uma alta modernidade, aberta e contingente, passa a ser mediada pela noção de risco e as experiências cotidianas dos sujeitos passam a ser consideradas como mudanças e adaptações frente a processos de invasão, ajustamento e reajustamento de um mundo globalizado. Com isso, as práticas sociais passam a ser examinadas e reformuladas por informações renovadas sobre elas mesmas, o que provoca uma alteração de seu caráter.

Neste sentido, a modernidade “não é uma adoção do novo por si só, mas a suposição da reflexividade indiscriminada — que, é claro, inclui a reflexão sobre a natureza da própria reflexão” (GIDDENS, 1991, p. 39). A reflexividade social do conhecimento passa a organizar as práticas sociais como cálculos de vantagem e risco em que um conhecimento perito cria e reproduz um universo de eventos resultante de sua auto-implementação reflexiva e continuada. Desta forma, um futuro aberto se estrutura na confiança em sistemas abstratos ao mesmo tempo em que a confiança pessoal passa por um processo de auto-questionamento e auto-descoberta cada vez mais relacionados com a reflexividade da modernidade.

Por outro lado, Giddens (1997) entende a tradição como um processo ativo, social e interpretativo que organiza a memória coletiva como uma prática ritual com conteúdo normativo ou moral e, com isso, proporciona vinculação. Para o autor, a modernidade passa a ser compulsiva quando o âmago do espírito capitalista se torna uma urgência motivacional. A partir daí, a tradição aparece como repetição e compulsão, ou seja, uma influência emocional do passado sobre o presente em que a incapacidade de escapar do passado se torna uma compulsão.

Giddens (1997) entende que a globalização e a tradição relacionam-se em sentidos opostos no espaço-tempo, pois a primeira é entendida como ação à distância, ausência e reestruturação do espaço, ao contrário da última. A globalização seria um processo sem direção definida, o que leva o autor a descartar a idéia de imperialismo unilateral ocidental e afirmar a emergência de uma sociedade pós-tradicional como a primeira sociedade global.

Desta forma, Alexander (1995) procura entender as condições sociais e os sentimentos públicos de retorno aos temas modernistas, que acompanham um revigoramento do mercado e da democracia em uma escala global e o surgimento de novas utopias. Para o autor, as teorias sociais contemporâneas vêm se tornando sensíveis à reconvergência dos antigos regimes mundiais (capitalismo e socialismo), à complexidade das antigas sociedades e aos particularismos das atuais, apesar do perigo de uma constante amnésia teórica .

Neste sentido, a perspectiva neo-moderna de Alexander (1995) enfatiza o ressurgimento do universalismo como uma teoria social viável no decorrer dos anos 1980. O triunfo da “direita” com a derrota do comunismo foi determinante para isso ao desestabilizar muitos intelectuais, criando um senso de iminência e convicção de uma nova e diferente teoria social. Por outro lado, o sucesso de economias de mercado capitalistas no “terceiro mundo” revigorou o mercado capitalista, simbólica e objetivamente, enquanto as críticas aos autoritarismos e ditaduras do Terceiro Mundo se intensificaram.

O período iniciado nos anos 1990 remete às mais dramáticas transformações sociais no espaço e no tempo — como a transição do comunismo para o capitalismo — bem como à convergência do pensamento histórico e social. Com isso, aumentam as dificuldades para que os cientistas sociais expliquem os problemas sociais contemporâneos por meio da natureza capitalista da sociedade.

Beck (2002) entende que a primeira modernidade, baseada em Estados-Nação, onde as relações, as redes sociais e as comunidades se desenvolviam em um sentido territorial com pautas coletivas de vida relacionadas às idéias de progresso e controle, pleno emprego e exploração da natureza, vêm tomando a forma de uma segunda modernidade, cuja base está em processos inter-relacionados de globalização, individualização, revolução dos gêneros, subemprego e riscos globais, como a crise ecológica e o colapso dos mercados financeiros globais. Nesta segunda modernidade, o desafio teórico e político da sociedade é responder, ao mesmo tempo, a estes processos vistos como conseqüências imprevistas da vitória de uma época de modernização simples, linear e industrial, baseada no Estado-Nação.

Neste sentido, uma mudança radical nas sociedades contemporâneas pode ser percebida naquilo que Beck (2002) entende como uma transição, da primeira para a segunda modernidade, um processo que abre uma esfera para que as pessoas elejam novas e inesperadas formas sociais, linhas de conflito e forças sociais e políticas.

Deste modo, a modernidade não pode ser mais apenas o capitalismo, a racionalização ou a diferenciação funcional, conforme preconizado por autores clássicos como Marx, Weber e Durkheim, mas também uma dinâmica da liberdade política, cidadania e sociedade civil em um mundo de certezas tradicionais que perece ao ser substituído por um individualismo legalmente sancionado para todos. A mudança paradigmática de uma modernização reflexiva geraria uma sociedade de risco global (BECK, 2002) e um mundo bipolar de perigos e riscos como conseqüências da pluralização da modernidade e da inserção do mundo não-ocidental em uma segunda modernidade de múltiplas modernidades.

A estrutura da comunidade e a identidade perdem sua ontologia com a democratização da esfera da cultura, que transforma os fundamentos da família, das relações de gênero, do amor, da sexualidade e da intimidade. Por outro lado, as declarações sobre liberdade passam a desafiar as bases da vida cotidiana e da política global, pois conceitos e fórmulas da primeira modernidade se mostram inadequados nas condições de uma democracia radicalizada.

Beck (2002) observa a formação de um individualismo cooperativo ou altruísta, no qual viver só significa viver socialmente na medida em que as pessoas se mostram mais adequadas ao futuro do que instituições sociais ou representantes políticos, que se tornam mais dependentes do consentimento.

O sufrágio universal, a difusão da educação e das conquistas de proteção social e legal, a crescente dependência da ciência em todas as circunstâncias e decisões em conjunto, a reavaliação do imperativo de trabalhar e a crescente disponibilidade de alternativas levam a uma democratização latente da ação corporativa e uma desintegração ou erosão do poder das instituições. Na modernização reflexiva, a melhoria de bem-estar e o aumento dos perigos se tornam mutuamente condicionados e, como consumidor e consciência, a opinião pública se torna uma espécie de “padre confidente de um setor empresarial pecador” (BECK, 2002, p. 160).

* Este texto é parte integrante de CASTAÑEDA, Marcelo. Ambientalização e politização da vida cotidiana: uma etnografia do engajamento em práticas de consumo de alimentos orgânicos. Projeto de Mestrado, Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ, qualificado em maio, 2009.

Se usar este texto, faça de forma moderada, citando a referência ou este blog.
Usar em excesso e escondido, caracteriza compulsão e faz mal à saúde física, mental e espiritual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALEXANDER, J. Modern, ante, post, and neo: how intellectuals have coded, narreted, and explained the “crisis of our times”. In: Alexander, J. Fin-de-siècle social theory: relativism, reduction, and the problem of reason. Londres: Verso, 1995.
BECK, U. La sociedad del risco global. Madrid: Sieglo XXI de Espana Editores S.A., 2002.
GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.
___. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: GIDDENS, A. et. alii. Modernização reflexivel: politica, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

E eu nem gosto de panetone...

As reações à descoberta de um político que é pego com a "boca na botija", como é o caso do governador do DF, José Roberto Arruda (DEM), são cada vez mais previsíveis, variando do "não sei da nada", imortalizado pelo presidente Lula, até o "nego até o fim", mais batido. Arruda ainda tem um precedente, do caso de violação do painel do Senado... e voltou...

Está para ser eleito o político que, quando for pego com a "boca na botija", diga "fui eu sim, fiz sim!". Isso seria um avanço surpreendente!

Muita gente fala da passividade do brasileiro. Se as pessoas não acreditam mais nas instituições políticas estabelecidas, não se sentem passivos nem idiotas. No caso brasileiro, o voto passou a ser um elemento desmobilizador, na medida em que não importa mais quem seja eleito porque o padrão está enraizado. Hirschman (1983) destacou a função perniciosa do voto em regimes democráticos, nos quais mais que democratizar, desmobiliza.

Ao apontar o papel desmobilizador do voto não sugiro qualquer espécie de autoritarismo, mas, ao contrário, a ampliação dos mecanismos democráticos participativos! Ou seja, que as decisões importantes não sejam tomadas de 4 em 4 anos, mas que aconteça uma reaproximação da população na tomada de decisões!

Com o voto não se muda o padrão tecnocrático e distanciado de configuração das políticas publicas e destinação de verbas! O voto se transformou em um instrumento legitimador da falcatrua política. Infelizmente somos levados a crer que é o elemento fundamental da democracia...

Isso não quer dizer que a política morreu. As políticas estão aí, para quem quiser enxergar, em campos diversos da vida social, como no cotidiano!

Uma amiga grita: NÓS TODOS PRECISAMOS MUDAR!

Mas as pessoas mudam: hoje em dia, a esperança de que a mudança institucional resolverá os problemas é muito menor que no início da década de 80! Até que ponto não temos, como Alexander (1995) propõe, uma transição na ação política: dos movimentos radicais-coletivistas para ações romântico-individualistas?

O desafio, a meu ver, é transcender esta "nova" forma de ação política em uma esfera pública renovada com valores diferenciados dos atuais. Entretanto, como fazer esta passagem privado --> público? Mais ainda, como manter aquecido o debate público e as ação coletivas, rompendo com o padrão espasmódico dos protestos na sociedades ocidentais contemporâneas?

Os jovens de hoje não acreditam na política institucional do jeito que talvez "nossos pais" acreditavam... Eu cresci no meio da mudança, sou de 1976...

Aliás, nunca é demais ressaltar que enquanto permanecer a hegemonia machista, homofóbica e racista fica muito complicado e difícil pensar em democracia. Detalhe: essa hegemonia se reflete em cada um de nós! Não é a primazia do indivíduo, até porque não existe indivíduo (fora da racionalidade moderna ocidental...), mas redes de conhecimentos, saberes e subjetividades.

Precisamos quebrar a idéia de indivíduo e deflagar a unimultiplicidade. É outra ruptura necessária, antes de sermos um, somos redes diversas em um...

Um mea culpa: enquanto continuarmos a imputar indolência aos outros, sem assumir que nós, intelectuais, formamos essa indolência nos gabinetes de pesquisa, nada muda, além de estarmos contribuindo para a perpetuação e reforço destes valores atualmente hegemônicos... fica bem complicado de mudar para melhor.

Desta forma, assumir o descrédito das instituições modernas é o primeiro passo na procura de outros mecanismos de governar, produzir conhecimento...

Neste sentido, a Internet é uma possibilidade de ruptura, mesmo com todos os mecanismos de controle já desenvolvidos, ainda é uma saída, pois entendo que não existe um panóptico para além da teoria de Michel Foucault na medida em que existem brechas quando olhamos o mundo que tende ao panóptico...

Vejo que nos resta identificar e aproveitar estas brechas. Uma delas é a internet e o diálogo na rede mostra isso...

"Já não me preocupo se eu não sei porque, às vezes o que eu vejo quase ninguém vê, eu sei que você sabe quase sem querer, que eu vejo o mesmo que você", já cantava Renato Russo com sua (eterna) Legião Urbana.

Vamos seguir e viver!