domingo, 20 de março de 2011

A dualidade urbano/rural na construção de “juventude rural” como ator político*

Resumo:
           
Neste trabalho procuro entender como a noção de “rural” é trabalhada no livro Os jovens estão indo embora? Juventude rural e a construção de um ator político (Castro et ali, 2009). A análise se volta para este fim, sem pretensões de empreender uma análise pormenorizada da obra como um todo. Desta forma, inicialmente faço uma breve apresentação da temática abordada pelo livro, bem como das opções de pesquisa e unidades de análise adotadas pelas autoras. Em seguida, destaco a crítica efetuada por Martins (1986) acerca da dualidade nas análises sociológicas sobre o mundo rural com o intuito de configurar uma lente interpretativa. Feito isso, procuro mostrar que a noção de “rural” na obra escolhida não rompe com a dualidade urbano/rural, explicitando os aspectos do livro que me levaram a esta percepção.

1. A construção da pesquisa e do campo analítico

Os jovens organizados em movimentos sociais rurais — de agricultura familiar, de trabalhadores rurais e de camponeses — formam o campo de análise do livro, que se baseia em uma pesquisa construída a partir da aplicação de questionários e diálogos com participantes de treze eventos, realizados entre 2006 e 2008. Estes participantes se autodenominavam “jovens”, sendo este o critério adotado na obra.
Se não interessa detalhar cada um dos eventos acompanhados por Castro et ali (2009), cabe relacionar os dois tipos principais que constituíram o contexto ou pano de fundo da pesquisa, em especial porque esse aspecto parece configurar um limite ou obstáculo epistemológico para pensar em uma “juventude rural”, ao menos no viés adotado no livro em questão.
Um dos tipos são os eventos[1] de juventude, sendo que nove deles foram organizados pelos movimentos sociais “rurais”:
(1) o II Acampamento da Juventude da Agricultura Familiar da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar-Sul (Fetraf-Sul, Rio Grande do Sul, março de 2006);
(2) o Seminário Jovem Saber (realizado durante o Grito da Terra Brasil Contag, Brasília, maio de 2006);
(3) o I Seminário da Juventude da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), junho de 2006;
(4) o II Congresso Nacional da Pastoral da Juventude Rural (PJR, Brasília, julho de 2006);
(5) o II Seminário Nacional sobre Educação Básica de Nível Médio nas Áreas de Reforma Agrária – Luziânia, MST, setembro de 2006;
(6) o I Seminário do Coletivo Nacional da Juventude da Via Campesina Brasil (Guararema, novembro de 2006);
(7) o I Seminário da Juventude da Fetraf-Sul (Chapecó-SC, fevereiro de 2008);
(8) a Reunião da Comissão Nacional de Jovens da Contag (Brasília, abril de 2008);
(9) o I Encontro Nacional da Juventude do Campo e da Cidade (Via Campesina Brasil, Niterói, agosto de 2008).
Cabe destacar que dos nove eventos acima relacionados, os instrumentos quantitativos (questionários) foram aplicados apenas nos três primeiros, totalizando 1.577 entrevistas. Castro et ali (2009) denominaram esta etapa de 1ª fase da pesquisa.
Ainda entre os eventos de juventude acompanhados durante a pesquisa, dois deles não foram organizados por movimentos sociais, mas
(1) pelo Governo Federal, no caso dos debates no Congresso Nacional para formulação do Plano Nacional de Juventude;
(2) pelo setor empresarial, como a II Jornada de Juventude Rural (Instituto Souza Cruz, Luziânia, 2007).
Não foram aplicados questionários nestes eventos.
Por outro lado, na perspectiva adotada por Castro et ali (2009) os eventos nacionais organizados pelos movimentos sociais rurais constituem outro tipo de evento, sendo que dois deles foram acompanhados:
(1) o V Congresso Nacional do MST (realizado em Brasília-DF, em julho de 2007);
(2) a II Plenária Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Contag (realizada em Luziânia-GO, em outubro de 2007).
Foram aplicados 638 questionários nesta etapa, que foi denominada como 2ª fase da pesquisa.
No geral, o livro assinala uma centralidade da prática política dessa geração de jovens no contexto do desenvolvimento rural atual, marcado por intensa disputa quanto aos seus rumos. Castro (2005) observa que a juventude rural está identificada com o problema social da migração do campo para a cidade em função da imagem de desinteresse e distanciamento do mundo rural por parte dos jovens. Entretanto, Castro et ali (2009) entendem que esta observação é contraditória pelo fato de existirem ações organizativas no interior dos movimentos sociais rurais que são identificadas como “de juventude”, em especial a partir do ano 2000. Daí, a justificativa para empreender a pesquisa na qual se baseia o livro analisado neste trabalho.
A unidade de análise adotada por Castro et ali (2009) compreende os jovens que se organizam nos movimentos sociais rurais, especificamente aqueles que participam de eventos de juventude e eventos nacionais dos movimentos sociais[2], tendo a permanência no “campo” como bandeira de luta. Desta forma, a pesquisa tinha como objetivo entender o que faz o jovem lutar para ficar no “meio rural”, bem como as questões que colaboram para que haja movimentos de juventude distintos. Para tal, as autoras procuraram vivenciar esse processo identitário no âmbito dos movimentos sociais rurais, com ênfase nos encontros nacionais destes movimentos e de juventude.
A partir da consideração de estudos que apontam, nos dias atuais, a tendência da saída de jovens do campo rumo às cidades, Castro et ali (2009) incorporam o consenso em relação às dificuldades enfrentadas pelos jovens no “campo”, sendo que as principais são: o acesso à escola e ao trabalho, bem como a atração do jovem pelo estilo de vida urbano. Como contraponto a este jovem desinteressado pelo campo e atraído pela cidade, a pesquisa se voltou para as iniciativas organizativas que constituem identidade juventude nos movimentos sociais rurais.
No entanto, uma questão parece “aberta” no livro: que a noção de “rural” Castro et ali (2009) adotam na construção da categoria “juventude rural”?
Antes de prosseguir na resposta, torna-se necessário resgatar uma discussão ocorrida no começo da disciplina Rural e ruralidade na sociedade contemporânea. Trata-se de uma breve síntese do artigo As coisas no lugar, do sociólogo José de Souza Martins, que servirá como uma espécie de guia para a análise a ser empreendida na parte final deste trabalho.

2. Da ambigüidade à dualidade: a relação cidade-campo (ou urbano-rural)

            Ao analisar a constituição da sociologia rural, Martins (1986) compreende que a noção de “rural” é elaborada a partir de determinadas condições e circunstâncias sociais, envolvendo a construção da realidade no âmbito do conhecimento sociológico. O autor assinala uma ambigüidade de origem da sociologia, que se manifesta pela convergência de duas óticas antagônicas[3]: a procedência pré-capitalista (comunidade/solidariedade) e a procedência capitalista (cientificismo coisificador). Para Martins (1986), esta ambigüidade não pode ser resolvida no plano estrito do conhecimento, mas no confronto entre este conhecimento e as necessidades de auto-explicação da sociedade que este conhecimento pretende atender.
Na medida em que o campo do conhecimento sociológico envereda pela análise de dicotomias, esta ambigüidade de origem se desdobra em dualidades, onde cada termo desta construção não carrega ambigüidade[4]. Desta maneira, na interpretação da vida social, o mundo — ou seja, cada termo da dualidade, como na dicotomia urbano-rural — passa a parecer ambíguo.
Por isso, o autor entende que a ambigüidade deve configurar como um aspecto fundamental para diagnosticar as descontinuidades da vida social, ao invés da contradição entre os termos dicotômicos. Neste sentido, Martins (1986) entende o “rural” como um objeto socialmente construído.
Ao considerar as conseqüências do uso da sociologia rural para entender uma dada realidade, o autor aponta que o “rural” está sujeito a um processo de superação intencional de natureza técnica, que se traduz na preocupação com a modernização e a difusão de inovações. Isso faz com que o autor considere a sociologia rural como uma expressão da dominação da cidade (“urbano”) sobre o campo (“rural”).
Martins (1986) também critica a concepção evolucionista deste subcampo do conhecimento na medida em que estabelece a superação do rural pelo urbano como uma tendência das transformações sociais, ou seja, um resultado que nega o seu próprio objeto, estabelecendo uma relação tensa com o mesmo. Deste modo, a tensão presente na ambigüidade de origem da sociologia é artificialmente suprimida, apesar de renascer no plano da interferência na realidade, pois entre o objeto construído e o conhecimento que o toma como referência há uma relação de negação.
Com isso, a noção de “rural” configura o produto necessário de um modo de construir a realidade social. Trata-se de um ponto de partida, que não pode ser, ao mesmo tempo, o ponto de chegada. Desta forma, Martins (1986) defende uma sociologia voltada para os processos sociais, remetendo à relação que cada homem trava com os outros e consigo mesmo através da alteração contínua das suas condições de existência e, consequentemente, da alteração contínua das suas relações sociais como produto alienado da sua própria atividade.

3. A manutenção da dualidade urbano/rural na construção da categoria “juventude rural”

A sessão anterior possibilitou a configuração de uma lente interpretativa pela qual o “rural” pode ser entendido como um objeto socialmente construído pela ambigüidade característica da sociologia. Nesta sessão, apresento os elementos que sustentam a seguinte percepção: o livro Os jovens estão indo embora? Juventude rural e a construção de um ator político (Castro et ali, 2009) não supera a dualidade urbano/rural, objeto da crítica de Martins (1986), no que se refere ao uso da noção de “rural”.
Neste sentido, o livro analisado reforça a a noção de “rural” como um dos pares dicotômicos da oposição entre “urbano” e “rural” (Redfield, 1989) ou, com menor intensidade, como parte de um continuum rural/urbano (Pahl, 1966). Além disso, a noção de “rural” é subutilizada e, assim, funciona praticamente como um mero adjetivo da categoria “jovem” na obra em questão, principalmente devido à ausência de contextualização dos sujeitos pesquisados em relação aos seus ambientes de vida.
Uma primeira evidência da naturalização do “rural” como par oposto do “urbano” nesta obra pode ser percebida, por exemplo, pela comparação dos resultados quantitativos derivados dos questionários utilizados como instrumentos de pesquisa em relação à Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios – Pnad (2006 apud Castro et ali, 2009).
O perfil derivado dos questionários evidencia uma juventude que luta por trabalho, renda, terra, educação, lazer e cultura em um “campo” sem acesso a bens e serviços. Se apoiando nos dados da Pnad, as autoras apontam a diferença de condições entre quem vive no “meio rural brasileiro” e quem vive nas cidades. Desta forma, há um reforço da dicotomia/dualidade campo/cidade.
Abramovay (2000) critica a produção de estatísticas no Brasil por conta da associação do meio rural a uma idéia pejorativa de que nele permanecem aqueles que não conseguem se aventurar em direção às cidades, sendo que o declínio dessas regiões é questão de tempo. Neste sentido, o autor identifica um vício de raciocínio na forma de definição das áreas rurais, citando como exemplo a natureza residual da definição de “rural” pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, que corresponde aos remanescentes que ainda não foram atingidos pelas cidades, cuja emancipação passa a ser vista como “urbanização do campo”.
Castro et ali (2009) consideram a classificação oficial de “rural” como um parâmetro da análise dos dados derivados da pesquisa que realizaram sem qualquer problematização sobre o fato de que esta classificação oficial é definida em uma relação de oposição ao “urbano”. Mais além, se essa definição se dá a partir das ausências do “rural” em relação ao “urbano”, acarretando problemas de inconsistência metodológica, as autoras acabam por reforçar a dualidade rural/urbano.
Além da comparação dos dados produzidos pela pesquisa com as estatísticas oficiais, importa aqui destacar que a noção de “rural” como par dicotômico em oposição ao “urbano” fica mais evidente na referência feita ao “duplo enquadramento” dos sujeitos pesquisados como “jovens” e “rurais”, conforme proposto por Wanderley (2007 apud Castro et ali, 2009, p. 39).
Adotando esta perspectiva, as autoras destacam que os “jovens rurais” sofrem com as imagens pejorativas sobre o “mundo rural”, bem como com as conseqüências da desvantagem do “mundo rural” no espaço urbano, em função da associação do imaginário sobre “o mundo rural” ao atraso e da identificação destes jovens como “roceiros”, “peões”, “aqueles que moram mal”. De outro lado, estes jovens sofrem no próprio “meio rural”, na medida em que são deslegitimados por seus pais e adultos em geral.
Desta forma, Castro et ali (2009) trabalham com a idéia de um “jovem rural” genérico, que carrega o peso de uma posição hierárquica de subalteridade. De forma geral — e problemática, no que diz respeito à noção de “rural” —, os “jovens” configuram uma categoria que é percebida como inferior nas relações de hierarquia estabelecidas na família, bem como na sociedade, em um contexto de difíceis condições econômicas e sociais para a pequena produção familiar.
Ainda de acordo com Wanderley (2006 apud Castro et ali, 2009, p. 57) — principal referência das autoras no que diz respeito ao “rural” — o “campo”, antes associado à “lugar parado”, “isolado”, passa a ser valorizado como “espaço de vida”, de moradia, não exclusivamente de trabalho, em oposição à cidade grande e à violência. Nota-se mais uma vez o reforço ao par antagônico urbano/rural, que desconsidera a ambigüidade sociológica assinalada por Martins (1986).
Neste sentido, a definição de “jovem rural” adotada no livro remete àqueles que vivem o momento do ciclo de vida caracterizado pela transição entre infância e idade adulta, no mesmo contexto histórico de outros jovens, mas que possuem a especificidade de terem o meio rural como seu espaço de vida, como marca de sua situação juvenil, embora transitem por espaços urbanos (Wanderley, 2006 apud Castro, 2009).
A questão da especificidade destacada por Wanderley (2006 apud Castro, 2009) merece atenção. A pesquisa na qual o livro se baseia produziu dados derivados de um acompanhamento de eventos nacionais de movimentos sociais “rurais” e de juventude, que, em sua maioria, foram realizados em capitais ou cidades de regiões metropolitanas, ambientes tidos como “urbanos”. Neste sentido, Castro et ali (2009) não explicitaram qualquer preocupação em coletar e/ou apresentar as origens dos jovens pesquisados ou mesmo as especificidades do “meio rural” em que estes jovens se situam, o que até seria possível mediante os instrumentos de pesquisa utilizados — sejam os questionários ou as entrevistas e diálogos que foram empreendidos.
A principal implicação da ausência de informações e dados sobre as origens dos jovens pesquisados e, consequentemente, das especificidades do “meio rural” em que estes jovens se situam, é a impossibilidade de uma contextualização dos ambientes (Ingold, 1992), que foram tratados como “meio rural”, pelos quais os jovens pesquisados se organizam e lutam para permanecer nele.
Neste sentido, a indefinição sobre qual/quais “rural”/“rurais” está/estão sendo tratado/tratados promove uma espécie de generalização das conclusões das autoras, de forma que parece haver um “rural brasileiro” que remete a um todo homogêneo, o que paradoxalmente reforça aquilo que Castro et ali (2009) procuram denunciar, ou seja, a imagem pejorativa do “rural” em relação de oposição ao “urbano”.
A ausência de contextualização do “rural”, presente no livro como um todo, fica evidente quando as autoras explicitam os objetivos da pesquisa, particularmente quando optam por efetuar uma observação do “jovem” em uma determinada realidade — que poderia ser o “rural” (ou, mais adequadamente, os “rurais”). No entanto, a realidade investigada pela pesquisa foi definida como “uma organização de movimento social”, mais especificamente os seus eventos nacionais, implicando como “caminho investigativo uma análise que se debruça sobre a disputa das representações sociais da categoria ‘jovem’” (Castro et ali, 2009, p. 40).
Neste caso, cabe questionar sobre as motivações de se usar a categoria “juventude rural”, tendo em vista que o “rural” funciona como um mero adjetivo genérico em uma análise da juventude atuante em movimentos sociais “rurais”. De outra forma: considerando o interesse do livro em “debater visibilidade e invisibilidade dessa categoria” (idem) — o “jovem” — pode-se questionar até mesmo o sentido de utilizar o adjetivo “rural” junto a essa categoria.
Castro et ali (2009, p. 44) destacam que a “juventude rural brasileira é pouco conhecida”, em especial porque aqueles  identificados como tal são “percebidos como uma população específica, uma minoria da população ‘jovem’ do país”. O argumento prossegue com a apresentação de alguns dados oficiais (Pnad, 2006), bem como uma breve citação de dois estudos anteriores. Arensberg e Kimball (1968 apud Castro et ali, 2009) abordam a “juventude” e o “ser jovem” em uma comunidade rural na Irlanda, enfatizando as relações hierárquicas que envolvem a definição de velho e novo, sendo que os “jovens” só se tornam adultos e respeitados quando assumem a pequena propriedade da família. Por outro lado, o mapeamento de Weisheimer (2005 apud Castro et ali, 2009) sobre a temática “juventude rural” aponta a migração e a invisibilidade como fatores principais dos estudos do tema.
Neste ponto, as autoras assinalam a necessidade de buscar novos caminhos para “dessubstancializar” a categoria “juventude rural”. Cabe destacar a seguinte passagem: “um importante recorte analítico consiste em aprofundar o debate teórico e metodológico sobre diversidade, informado por um olhar que privilegie a interseccionalidade” (Stolcke, 2006 apud Castro et ali, 2009, p. 45).
Fica claro na parte destacada que a opção do livro é de se voltar para a categoria “juventude”, abordando as questões de interseccionalidade, fazendo do “rural” algo dado genericamente em oposição ao “urbano”. Isso não afeta os resultados do estudo, desde que sejam relativizados quanto aos problemas do uso da noção de “rural” e que se considere apenas a unidade de análise proposta pelas autoras, pelo fato de não haver uma contextualização do “rural” (ou dos “rurais”) que justifique seu uso.
Uma evidência a mais pode ser apresentada na continuação da construção textual proposta pelas autoras nesta parte específica do livro, quando falam em

desconstruir a categoria juventude, demonstrando como ela é socialmente representada, e perceber em que medida as diferentes visões sobre os jovens demarcam seus lugares sociais, a maneira como estão situados na família e na sociedade, sem desconsiderar a dimensão histórica e estrutural que a categoria comporta (Castro et ali, 2009, p.45).

Castro et ali (2009) acenam para a dificuldade de ir além do referencial urbano acerca do tema “juventude rural”[5]. Neste sentido, assinalam que antigas maneiras de denominar populações não-urbanas — não-pensadas/classificadas originalmente como urbanas — levam a uma reflexão sobre as repartições existentes no senso comum e no meio acadêmico acerca da juventude rural. Desta forma, as autoras chamam atenção para a necessidade de perceber as transformações da juventude a fim de obter um melhor entendimento de práticas e significados distintos do que seja “ser jovem” em diferentes contextos e grupos.
Trata-se de um desafio na construção de análises e pesquisas que optem por descrever e indicar um panorama mais complexo e variado do que possa ser entendido como “juventude rural” ou “jovem rural”. Entretanto, este desafio não foi superado por Castro et ali (2009) na medida em que naturalizaram a noção de “rural”, como mostrado anteriormente.
No entanto, destaco a contribuição das autoras no que diz respeito à análise de um processo social específico relacionado com o “rural”, mas que não pode ser analisado como pertinente à categoria “juventude rural”. Trata-se do engajamento político de jovens que atuam nos movimentos sociais “rurais”, em particular daqueles que participam de eventos nacionais de movimentos sociais ou de juventude.
Castro et ali (2009) chamam atenção para a necessidade de considerar as modificações e transformações nos processos de luta política e conquista de direitos ao acesso a terra. No que diz respeito ao entendimento do papel dos jovens em muitos espaços de atuação política, como os eventos pesquisados no livro, as autoras parecem ter conseguido um avanço significativo em decorrência da pesquisa.
Daí, outro ponto problemático a salientar, ainda em decorrência da frágil contextualização do “rural” neste livro, remete ao uso das categorias “jovem” e “jovem rural” de forma indiscriminada. Em muitas passagens do livro, Castro et ali (2009) constroem a categoria “juventude rural” de forma que fica parecendo — gerando ambigüidade na interpretação — que os “jovens rurais” são aqueles engajados em movimentos sociais rurais, participantes dos eventos que foram pesquisados e analisados.
Cabe destacar, também como ponto “positivo”, que o tema da participação política dos jovens nos movimentos sociais é abordado a partir do resgate do conceito de geração em Mannheim (1993 apud Castro et ali, 2009), tendo a geração como fio condutor. Neste sentido, não se trata de trabalhar com juventude como corte etário a priori, e sim de que forma as percepções sobre geração contribuem para entendermos a construção da identidade juventude nos movimentos sociais rurais no Brasil.
Por fim, na conclusão do livro, a idéia de um continuum urbano-rural aparece quando Castro et ali (2009, p.191) destacam um “meio rural que se aproxima espacialmente da cidade, mas que enfrenta a hierarquia entre campo e cidade, que permanece reproduzida na sociedade brasileira”. Nesta parte, as autoras reforçam a idéia presente no discurso do desenvolvimento rural — e da sociologia rural, objeto da crítica de Martins (1986) — no sentido de valorizar o “urbano” em detrimento do “rural” na medida em que assinalam uma hierarquia que é vivenciada na diferença de acesso a bens e serviços, expressada também em práticas que estigmatizam o “ser do campo”.
Entretanto, a idéia de dualidade, materializando “urbano” e “rural” como pares opostos, permanece como predominante na primeira das três conclusões[6] de Castro et ali (2009), no que diz respeito às identidades rurais e de juventude dos jovens pesquisados. Os principais aspectos envolvidos na descrição das autoras, e que reforçam a dicotomia urbano/rural, são os seguintes:
·         A singularidade dos jovens rurais está na identificação do local de moradia e/ou atividade.
·         A distância dos espaços escolares.
·         A ausência de distinção em relação ao jovem urbano no que diz respeito à corporalidade e caracterização de padrões estéticos, acarretando uma dupla discriminação: na cidade, por serem vistos como “rurais”, e no campo, por serem vistos como “urbanos”.
·         Uma recente singularização da juventude no “meio rural”, em um contexto que a caracteriza como “problemática” por conta do tema da migração para a cidade. O paradoxo apontado por (Castro et ali, 2009, p. 192) envolve o fortalecimento dos elementos identitários que reforçam laços com o espaço rural como lugar de vida, de trabalho, de relação com a natureza: “um espaço distinto da cidade, que seria melhor se tivesse acesso a bens e serviços que, atualmente, ainda estão restritos ao espaço urbano”.
Dessa forma, na conclusão do livro que é mais se aproxima com o que este trabalho se propõe analisar, “a identidade rural é construída de forma constrativa em relação ao urbano, sem representar ruptura com a cidade” (Castro et ali, 2009, p. 192). Novamente, se reforça a dualidade urbano/rural.

4. Considerações finais

            Nesta parte apenas ressalto, de forma resumida, os principais pontos abordados no desenvolvimento deste trabalho, cujo objetivo foi analisar a noção de “rural” trabalhada no livro Os jovens estão indo embora? Juventude rural e a construção de um ator político (Castro et ali, 2009). A análise se deu a partir da lente interpretativa desenvolvida a partir de Martins (1986), que compreende o “rural” como um objeto socialmente construído pela ambigüidade característica da sociologia.
            No livro analisado, a noção de “rural” não é contextualizada, funcionando como adjetivo da categoria “juventude”, que configura o campo analítico da obra em questão. Esta é a principal ausência do livro no que diz respeito aos objetivos deste trabalho, que acaba por comprometer algumas de suas conclusões e análises. Assim, Castro et ali (2009) reforçam a dualidade urbano/rural, criticada por Martins (1986), bem como, com menos intensidade, um continuum rural-urbano. As principais evidências para tal afirmação podem ser encontradas:
1)      Na comparação dos resultados quantitativos aferidos pela pesquisa com os parâmetros oficiais sem problematizar a construção da noção de “rural” nas estatísticas oficiais (no caso, a Pnad, 2006). Desta forma, reforça-se a idéia de um “rural” que é construído a partir das ausências em relação ao “urbano”, acarretando problemas metodológicos que afetam a análise das autoras.
2)      Nas referências feitas a Wanderley (2006 e 2007 apud Castro et ali, 2009) para tentar caracterizar os “jovens rurais”, reforçando os pares antagônicos da dualidade urbano-rural na medida em que Castro et ali (2009) desconsideram a especificidade dos variados ambientes “rurais” em que vivem os jovens participantes dos eventos nacionais de movimentos sociais “rurais” e de juventude, fazendo com que se tenha a falsa idéia de um “rural brasileiro” homogêneo.
3)      Na inadequação do uso da categoria “juventude rural” mediante o empreendimento de pesquisa que foi realizado. O universo pesquisado permite, adequadamente, uma análise dos jovens participantes de encontros nacionais de movimentos sociais “rurais” e de juventude, mas não uma generalização acerca da “juventude rural” como um todo — ou mesmo como ator político, tendo em vista que a participação em movimentos sociais e em encontros, como os que foram pesquisados, não configura a única forma de ação política da “juventude rural”. Assim, as autoras tomam a parte como todo e não justificam, portanto a utilização da noção de “rural”, presente, por exemplo, no título do livro.
           
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

ABRAMOVAY, R. Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. Texto para discussão n.702. IPEA, 2000.

CASTRO, E.G. Entre ficar e sair: uma etnografia da construção social da categoria jovem rural. Tese de doutorado em Antropologia Social. Rio de Janeiro: PPGAS/MN/UFRJ, 2005.

CASTRO, E.G.; MARTINS, M.; ALMEIDA, S.L.F.; RODRIGUES, M.E.B. & CARVALHO, J.G. Os jovens estão indo embora?: juventude rural e a construção de um ator político. Rio de Janeiro: MAUAD X; Seropédica, RJ: EDUR, 2009.

INGOLD, T. Culture and perception of the environment. In: CROLL, E & PARKIN, D (orgs) Culture, environment and development. Londres: Routledge, 1992, pp. 39-56.

MARTINS, José de Souza. As coisas no lugar. In: MARTINS, José de Souza (org.). Introdução Crítica à Sociologia Rural. São Paulo: Hucitec, 1981.

PAHL, P. The rural-urban continuum. Sociologia Ruralis, vol VI, n. 3-4, 1966.

REDFIELD, R. The little community and peasant society and culture. Chicago: Midway Reprint, 1989.


[1] Castro et ali (2009) assinalam, ainda, o acompanhamento de reuniões das coordenações de juventude dos movimentos sociais.

[2] Neste trabalho, tratarei estes eventos como “eventos nacionais dos movimentos sociais ‘rurais’ e de juventude”, com algumas variações textuais.
[3] Com base na sociologia de Durkheim, Martins (1986) destaca a ambigüidade de origem da sociologia como sendo aquela estabelecida entre, de um lado, os postulados supra-empiricos, secularizados, que definem a concepção de sociedade em torno da noção de solidariedade e da idéia de comunidade; e, de outro, percebe uma forma de ver as situações e os fenômenos sociais que permite tratar a realidade como objetivamente dada, coisificada.

[4] Tomando como referência a sociologia rural, Martins (1986) entende que esta ambigüidade no plano da instrumentalização do conhecimento faz como que a valoração do urbano e a constituição desta disciplina apareçam como resultados de uma crise, diagnosticada a partir de outra ambigüidade que expressa outra crise, para ele “verdadeira”: aquela que cria um conhecimento especial, a sociologia rural, com uma proposta implícita que compreende a urbanização e a superação do rural. Desta forma, a sociologia rural “produz” a crise que lhe dá origem e se propõe como meio de superação dessa crise. O autor mostra como, no plano do conhecimento, a solução da ambigüidade de origem da sociologia preserva a identidade interna no objeto construído, fazendo com que, em cada termo da realidade dual construída não haja qualquer ambigüidade.

[5] Castro et ali (2009) destacam que a categoria juventude rural está associada a uma determinada população rural no Brasil: pequenos produtores pauperizados e sem-terra (agricultura familiar), assentados da reforma agrária, camponeses e trabalhadores rurais assalariados. Neste sentido, ficam “de fora”: filhos de grandes proprietários rurais, bem como outras categorias como indígenas, ribeirinhos, quebradeiras-de-coco, seringueiros e, mais recentemente, jovens quilombolas.

[6] O livro apresenta mais duas conclusões, que não cabem no escopo deste trabalho, a saber: a revelação do perfil de uma juventude que se organiza nos movimentos sociais rurais do Brasil e a configuração da juventude como categoria social e política.

* trabalho produzido como parte da avaliação da disciplina Rural e ruralidade na sociedade contemporânea ministrada por Maria José Carneiro no primeiro semestre de 2010 no CPDA/UFRRJ.

quarta-feira, 16 de março de 2011

A crise do contrato social da modernidade a emergência do fascismo social: a perspectiva de Boaventura*

O contrato social pode ser entendido como grande narrativa da obrigação política moderna ocidental, expressando tensões dialéticas entre a vontade individual e a vontade geral, coletiva; bem como entre o interesse particular e o bem comum. Trata-se de uma metáfora fundadora da racionalidade social e política da modernidade ocidental, com critérios[1] de inclusão/exclusão que legitimam a contratualização das interações econômicas, políticas, sociais e culturais.
A separação entre incluídos e excluídos, legitimada pela possibilidade dos excluídos virem a ser incluídos, configura a lógica operativa deste contrato social, em permanente tensão com sua lógica de legitimação, pois, se sincronicamente, é abrangente e rígida; diacronicamente torna-se um campo de lutas sobre os critérios e os termos da exclusão/inclusão. A gestão controlada das tensões e pressupostos da contratualização social não é resolvida por via contratual, mas por três pressupostos metacontratuais: um regime geral de valores, um sistema comum de medidas e um espaço-tempo privilegiado, estatal e nacional.
Esses três princípios reguladores são congruentes entre si: o regime geral de valores garante o horizonte de expectativas dos cidadãos, assim como o campo de percepção do horizonte das expectativas e convulsões torna-se possível pelo sistema comum de medidas. Assim, a perspectiva e a escala criam campos de visão, mas também de ocultação: a visibilidade de riscos, danos, desvios e vulnerabilidades correspondem à identificação de certas causas, inimigos e agressores, que são geridos pelo espaço-tempo nacional e estatal mediante formas de conflitualidade, negociação e administração próprias.
            A idéia de contrato social torna-se o fundamento ideológico e político da contratualidade real que organiza a sociabilidade e a política nas sociedades modernas. Essa organização contratualizada cria um paradigma sócio-político que produz quatro bens públicos, que se realizam conjuntamente: a legitimidade da governação; o bem-estar econômico e social; a segurança; e a identidade cultural nacional; ou seja, modos diferentes de realizar o bem comum e a vontade geral.
            A prossecução contraditória dos bens públicos, contratualizações e compromissos apontam para três grandes constelações institucionais vazadas no espaço-tempo nacional estatal: a socialização da economia, com o reconhecimento progressivo da luta de classes como elemento de transformação do capitalismo; a politização do Estado, com a expansão da capacidade reguladora do Estado; e a nacionalização da identidade cultural, que reforça critérios de inclusão/exclusão.
Este processo de contratualização social, política e cultural é limitado: (1) pelo caráter colonialista da modernidade ocidental; (2) pelos próprios critérios de inclusão/exclusão, na medida em que a inclusão tem como limite aquilo que excluir, a socialização da economia é obtida à custa de dupla dessocialização (da natureza e dos grupos sociais que o trabalho não deu acesso à cidadania; e da nacionalização da identidade cultural assentada no etnocídio e epistemicídio); e (3) pelas desigualdades articuladas no sistema mundial moderno com diferenças estabelecidas conforme a posição do país — central, periférica e semiperiférica — no sistema mundial.
            Na década de 1990, o paradigma do contrato social atravessa um período de grande turbulência, que Santos (2006) aponta como crise, ou seja, uma espécie de “convulsão epocal” e “transição paradigmática”. Desta forma, os três pressupostos metacontratuais do contrato social da modernidade são afetados.
O regime geral de valores entra em crise frente a crescente fragmentação da sociedade, com a perda de sentido da luta pelo bem comum, assim como por definições alternativas do que seja este bem comum. O poder disciplinar dominante, coexistente com o poder jurídico em declínio, das análises foucaultianas, torna-se crescentemente indisciplinar com a perda de centralidade do Estado e a desorganização do direito oficial, “passando a coexistir com o direito não oficial de múltiplos legisladores fáticos, que pelo poder econômico que comandam, transformam a facilidade em norma, disputando ao Estado o monopólio da violência e do direito” (Santos, 2006, p. 324).
A proliferação caótica dos poderes torna difícil identificar os inimigos e, por vezes, as vítimas. Os valores de liberdade, igualdade, autonomia, subjetividade, justiça e solidariedade da modernidade ocidental permanecem, bem como as antinomias entre eles, mas sujeitos a uma crescente sobrecarga simbólica, um excesso de sentido, que paralisa a eficácia, neutralizando-a.
Esta turbulência é sentida no sistema comum de medidas com a criação de sensações de estranhamento, desfamiliarização, surpresa, perplexidade, invisibilização: “nossas sociedades atravessam um período de bifurcação, situação de instabilidade sistêmica em que uma mudança mínima pode produzir, de modo imprevisível e caótico, transformações qualitativas” (Santos, 2006, p. 325).
A turbulência das escalas destrói seqüências e termos de comparação, reduzindo alternativas e criando impotência, ou promovendo passividade. A estabilidade das escalas parece relativamente reduzida ao mercado e ao consumo, pois estas esferas também passam por mutações radicais de ritmo e explosões de âmbito, conformando transformações constantes da perspectiva sobre os atos de comércio, as mercadorias e os objetos.
Assim, o espaço-tempo nacional estatal encontra-se prestes a perder sua primazia, com a importância crescente dos espaços-tempo global e local, que competem com ele. A desestruturação do espaço-tempo nacional estatal ocorre no nível dos ritmos, durações e temporalidades na medida em que outras temporalidades crescem de importância ou assumem ritmos completamente incompatíveis.
A hegemonia do espaço-tempo nacional estatal passa a enfrentar a concorrência do tempo instantâneo e do tempo glacial. Daí, dois movimentos promovem uma colisão frontal com a temporalidade política e burocrática do Estado: de um lado, o tempo instantâneo do ciberespaço e das globalizações; de outro, o tempo glacial da degradação ecológica, da questão indígena ou da biodiversidade. Neste sentido, Santos (2006) acredita que ambos os movimentos concorrentes de espaços-tempos convergem ao reduzir alternativas, criar impotência e promover passividade.
Os sinais de crise mostram uma nova contratualização que tem pouco a ver com a que foi fundada na idéia moderna e ocidental de contrato social na medida em que (1) é liberal individualista; (2) não tem qualquer estabilidade; e (3) não reconhece o conflito e a luta como elementos estruturais de combate, substituindo-os pelo assentimento passivo e condições supostamente universais consideradas incontornáveis. Assim, a nova contratualização social é um falso contrato, que configura uma mera aparência de compromisso constituído por questões impostas sem discussão ao parceiro mais fraco no contrato, com condições onerosas e inescapáveis.
A crise da contratualização moderna aponta para uma predominância estrutural dos processos de exclusão sobre os processos de inclusão, assumindo duas formas: (1) o pós-contratualismo, processo pelo qual grupos e interesses sociais até agora incluídos no contrato social são excluídos sem qualquer perspectiva de regresso; e (2) o pré-contratualismo, um bloqueamento do acesso à cidadania dos grupos sociais que anteriormente se consideravam candidatos e tinham expectativa de ascender a ela. Essas formas são confundidas no discurso político dominante, bem como nas vivências e inteligibilidades dos grupos atingidos por eles, cujo discurso muitas vezes passa do pré-contratualismo ao pós-contratualismo sem nunca se ter passado pelo contratualismo.
As exclusões produzidas são radicais e inelutáveis: os que sofrem são, de fato, excluídos da sociedade civil e lançados num novo estado de natureza, caracterizado por uma ansiedade permanente em relação ao presente/futuro, com o desgoverno iminente das expectativas e o caos permanente nos atos mais simples de sobrevivência/convivência.
O par pré/pós-contratualismo é, assim, produto de transformações profundas dos três dispositivos operacionais do contrato social: a socialização da economia, a politização do Estado e a nacionalização da identidade cultural. Essas transformações se desdobram em quatro consensos: o econômico liberal[2]; (2) o Estado fraco[3]; (3) o democrático liberal[4]; e (4) o primado do direito e dos tribunais[5]. O efeito cumulativo é a emergência de uma sub-classe de excluídos, eminentemente nos grupos sociais em mobilidade descendente estrutural ou para quem o trabalho deixou de ser uma expectativa realista ou nunca o foi.
O crescimento estrutural da exclusão social e a conseqüente ampliação de estados de natureza configuram aspectos de uma crise paradigmática, sendo que o aumento do nível de desigualdade entre Norte global e Sul global é o indicador mais perturbador do aumento da exclusão global. O maior risco desta crise é a emergência do fascismo social, um regime social e civilizacional diferente do regime político que vigorou na Alemanha e Itália nos anos 1930/40, pois promove a democracia até o ponto de não ser necessário sacrificá-la para promover o capitalismo. Trata-se de um fascismo pluralista, uma forma de regime social e civilizacional que nunca existiu.
Por fim, cabe destacar que as formas de socialibilidade deste tipo fascista são as seguintes:
(1) o apartheid social, com a segregação dos excluídos em uma cartografia urbana dividida entre zonas selvagens e civilizadas, que se transforma em um novo critério geral de sociabilidade em um novo espaço-tempo hegemônico no cotidiano, envolvendo um duplo padrão da ação estatal.
(2) o paraestatal, com a usurpação de prerrogativas estatais (coerção/regulação social) por atores poderosos, com a conivência do Estado, em duas vertentes: o fascismo contratual e o fascismo territorial.
(3) da insegurança, com a manipulação da insegurança das pessoas e grupos sociais vulnerabilizados pela precariedade do trabalho, acarretando elevados níveis de ansiedade e insegurança quanto ao presente/futuro, que baixa o horizonte de expectativas e cria disponibilidade para suportar grandes encargos a fim de obter reduções mínimas dos riscos e da insegurança;
(4) o financeiro, com o comando dos mercados financeiros de valores e de moedas, forma uma economia de cassino, com um tempo-espaço refratário a qualquer intervenção democrática, que, juntamente com uma lógica especulativa, confere um poder discricionário a um capital financeiro que se torna praticamente incontrolável.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
SANTOS,  Boaventura de Sousa. A crise do contrato social da modernidade e a emergência do fascismo social. In: A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006, p. 317-376.



[1] Os três critérios de inclusão/exclusão: (1) inclui apenas indivíduos e suas associações, excluindo a natureza, vista como ameaça ou recurso; (2) uma cidadania territorialmente fundada, que distingue os cidadãos (homens) de todos os outros (mulheres, estrangeiros, imigrantes, minorias/maiorias étnicas), que vivem no estado de natureza; (3) o comércio público dos interesses, com a separação entre público e privado (Santos, 2006).
[2] Santos (2006) caracteriza este consenso pela liberalização dos mercados, desregulamentação, privatização, minimalismo estatal, controle da inflação, primazia das exportações, corte nas despesas sociais, redução do déficit público, concentração do poder mercantil nas grandes empresas multinacionais e do poder financeiro nos grandes bancos transnacionais, apresentando como inovações institucionais novas restrições à regulamentação estatal, novos direitos internacionais de propriedade para investidores estrangeiros e criadores intelectuais, e a subordinação dos Estados Nacionais e agências multilaterais.
[3] O Estado deixa de ser o espelho da sociedade civil para passar a ser seu oposto: a força do Estado passa a ser a causa da fraqueza e da desorganização da sociedade civil
[4] Para Santos (2006), este consenso envolve a promoção internacional de concepções minimalistas de democracia como condição de acesso dos Estados nacionais aos recursos financeiros internacionais, sem preocupação com a soberania do poder estatal, sobretudo na periferia e semiperiferia do sistema mundial, com as funções reguladoras do Estado vistas mais como incapacidades do Estado
[5] Neste consenso, Santos (2006) assinala a total prioridade à propriedade privada, às relações mercantis e ao setor privado, cuja operacionalidade assenta em transações seguras e previsíveis, exigindo um novo quadro jurídico, bem como um novo papel dos tribunais, que se torna mais central, configurando um processo de judicialização da política.


* parte integrante do trabalho final apresentado na disciplina Tópicos Especiais em Políticas Públicas, Estado e Atores Sociais – Estado e Organização de Interesses, ministrada pelo Prof. Dr. Jorge Romano no primeiro semestre de 2010 no CPDA/UFRRJ

terça-feira, 15 de março de 2011

Reflexividade Social e Crise Ambiental: o renascimento não-institucional do político

A teoria da reflexividade social, na perspectiva desenvolvida por autores como Ülrich Beck e Antony Giddens — associada aos conceitos de globalização e destradicionalização, políticas de vida e subpolíticas — também pode fornecer um suporte analítico útil para a compreensão da incorporação de valores nas tomadas de decisão cotidianas.

Giddens (1997) explica as mudanças na ação política de nossos dias, incorporando a categoria “reflexividade”. Desta forma, a crise ambiental parece evidenciar diversos dilemas e oportunidades de recuperação de valores positivos, como a autonomia, a solidariedade e a busca da felicidade e do bem-estar, especialmente quando passa a ser percebida e associada às práticas da vida cotidiana. Neste sentido, o consumo político pode ser compreendido como um novo ativismo, fundamental para a renovação da ação e do escopo da política.

A perspectiva deste autor ajuda a entender o crescimento da importância do papel político dos consumidores como conseqüência de diversos fatores que têm transformado a sociedade nas últimas cinco décadas, como a globalização, a destradicionalização e a reflexividade social (PORTILHO, 2005). Estes acontecimentos são particularmente importantes nos países industrializados (STOLLE et ali, 2005), mas têm um impacto cada vez mais mundial.

Além de um fenômeno econômico, a globalização pode ser entendida também como uma transformação do espaço e do tempo, que está ligada a mudanças nos contextos locais e nas experiências sociais na medida em que "nossas atividades cotidianas são cada vez mais influenciadas por eventos que acontecem do outro lado do mundo. De modo oposto, hábitos dos estilos de vida locais tornaram-se globalmente determinantes. Dessa forma, minha decisão de comprar um determinado artigo de vestuário tem implicações não só para a divisão internacional do trabalho, mas também para os ecossistemas terrestres" (GIDDENS, 1997, p. 13).

Como resultado direto da globalização, Giddens (1997) vislumbra a emergência de uma ordem social pós-tradicional, caracterizada por uma natureza transformada pela intervenção humana em socialização da natureza na medida em que uma intensificação da especialização descentralizada radicaliza os mecanismos de desincorporificação. Além disso, a perda de autoridade da ciência provoca conseqüências libertadoras e perturbadoras, pois a compulsividade torna-se uma confiança congelada, ou seja, um compromisso sem objeto e uma simples urgência repetitiva.

A especialização substitui a tradição e a reflexividade social da modernidade subverte a razão. Giddens (1991, p. 40) enxerga um “mundo que é inteiramente constituído através de conhecimento reflexivamente aplicado, mas onde, ao mesmo tempo, não podemos nunca estar seguros de que qualquer elemento dado deste conhecimento não será revisado”. Se antes, as tradições não precisavam ser justificadas, pois continham sua própria verdade, sendo afirmadas como correta por todos que nela acreditavam, numa sociedade globalizada, ao contrário, as tradições são “descobertas”, sendo necessário oferecer-lhes razões ou justificativas e não simplesmente aceitá-las como dadas.

Estas mudanças refletem o caráter experimental e reflexivo da vida cotidiana. Os indivíduos cada vez mais têm que aprender a refletir e filtrar as informações sobre distintos aspectos rotineiros da vida privada, tomando decisões com base nessas reflexões e não mais na segurança da tradição. As ações cotidianas passam, portanto, a ser monitoradas reflexivamente por conhecimentos especialistas distribuídos na sociedade.

Giddens (1997) aponta uma tendência de mudança da participação política, da esfera pública para a privada, com a constituição de uma nova cultura política. Tal mudança relaciona-se a uma substituição dos canais de participação e influência coletiva por canais individuais.

Neste sentido, muitos problemas coletivos têm sido enfrentados na esfera individual por meio das políticas de vida , que surgem como reações e engajamentos em relação a um mundo em que a tradição deixou de ser tradicional e que a natureza não é mais natural. Elas tratam dos desafios que a humanidade coletiva enfrenta e não apenas das formas que os indivíduos tomam suas decisões frente à variedade de opções que antes não existia. As questões ambientais, por exemplo, "não podem ser entendidas como relacionadas apenas ao meio ambiente. Elas são um sinal e uma expressão da centralidade dos problemas da política de vida. Propõem, com especial vigor, as questões que devemos enfrentar no momento em que o “progresso” se tornou bastante ambíguo, temos novas responsabilidades em relação às futuras gerações e existem dilemas éticos que os mecanismos de crescimento econômico constante nos fazem colocar de lado ou reprimir" (GIDDENS, 1996, p. 108).

A politização do consumo parece estar associada às políticas de vida, sendo que “comprar alimentos orgânicos, por exemplo, pode ou não ter um significado político, que depende da motivação para isso, bem como dos efeitos deste ato” (STOLLE et ali, 2005, p. 254). De certa forma, os indivíduos que se engajam nestas ações estão provavelmente mais bem preparados para as tarefas e responsabilidades mais amplas da cidadania (GIDDENS, 1997). Com isso, a cultura do consumo constitui um campo privilegiado na medida em que nele se situam as reivindicações do sujeito (CAMPBELL, 2006).

Nesta perspectiva, não existem soluções naturalizadas para os problemas sociais. Apesar de uma tendência de naturalização da sociedade, a interdependência global e a socialização da natureza devem ser cada vez mais consideradas na resolução dos problemas sociais. O signo positivo dos riscos de grandes conseqüências encontra-se relacionado com o fato de que complicações reflexivas apenas confirmam que as dificuldades de uma civilização científico-tecnológica não podem mais se resolver pela introdução de mais ciência e tecnologia. Apesar disso, os debates ambientais contemporâneos ainda se baseiam em uma lógica de natureza controlada, denotando um potencial revelador dos problemas ecológicos sobre a confiança da civilização moderna no que se refere ao controle e ao progresso econômico enquanto formas de repressão dos dilemas existenciais básicos da vida.

Giddens (1996) interpreta as questões ecológicas pela lente da modernização reflexiva em um contexto que compreende globalização, destradicionalização, destruição da natureza, avanço da ciência e crescimento econômico. Assim, os problemas morais, que antes estavam ocultos na naturalidade da natureza, hoje afloram em riscos associados à incerteza artificial, comprometendo uma orientação para o controle da modernidade simples.

Assim, a “política ecológica é uma política de perdas — a perda da natureza e da tradição —, mas também é uma política de recuperação” (GIDDENS, 1996, p. 257), pois, individualmente, uma humanidade coletiva pode remoralizar as vidas por meio de uma aceitação positiva da incerteza artificial. Como expressão material dos limites da modernidade, a política ambiental torna-se fundamental para a renovação política, pois a restauração do ambiente danificado não pode mais ser entendida como um fim em si mesmo.

O mundo pode ser percebido como um sistema de auto-ameaças ambiental-industriais que transforma a moralidade, a religião, o fundamentalismo, a desesperança, a tragédia, o suicídio e a morte em um drama universal, caracterizando um teatro da vida real, com a presença de ingredientes como a salvação e a ajuda. Assim, Beck (2002) destaca que, em uma sociedade de risco global, os desafios produzidos pela civilização não podem ser delimitados socialmente.

Os problemas ambientais são inerentes à sociedade e não ao meio ambiente ou ao mundo que nos rodeia. Com isso, Beck (2002) procura superar o dualismo entre sociedade e natureza ao enfatizar a incerteza fabricada — por meio de noções como risco, perigo, efeitos colaterais, seguridade, individualização e globalização — como contraponto às idéias de natureza, de ecologia e de meio ambiente.

A escala e a urgência da crise ambiental podem variar de acordo com percepções e avaliações intra/interculturais na medida em que os perigos só se convertem em questões políticas se as pessoas passam a ter consciência deles, ou seja, são construções sociais que se definem, se ocultam ou se dramatizam estrategicamente na esfera pública. com ajuda de materiais científicos providos pela definição, ocultamento ou dramatização destes perigos. Desta forma, a crise ambiental aparece como um discurso de auto-confrontação que exige a reconsideração das práticas institucionais que o produziram.

A forma direta com que as pessoas falam da natureza e da sua destruição na vida cotidiana parece esconder uma estratégia paradoxal de construção da desconstrução, na medida em que se destrói reflexiva e poderosamente a impressão de que este discurso foi construído, produzindo-se uma aparência de realidade em si. Ao invés de tratar de “problemas do meio ambiente”, Beck (2002) opta por tratar de uma profunda crise institucional da primeira fase da modernidade industrial.

Neste sentido, o advento da crise ambiental e a consciência em relação a uma sociedade de risco global abrem os objetivos da política, que são expandidos, repensados e recompostos. A incompletude do conhecimento e o fato de que o acúmulo de conhecimento apenas supõe mais incerteza caracterizam a tomada de decisões nas atuais condições de incerteza fabricada. Estes aspectos evidenciam uma inter-relação entre os conflitos e as lógicas de distribuição dos bens e dos males produzidos pela sociedade do risco, superando os fundamentos do cálculo de risco .

A sociedade de risco global é, portanto, autocrítica e política e necessita reinventar o diálogo transnacional da política, da democracia e da sociologia para discutir as questões emergentes das sociedades contemporâneas. Beck (2002) descreve uma sociedade individualista e moralista, a partir do momento em que a ética da auto-realização e do sucesso individual se tornou a corrente mais poderosa para escolher, decidir e configurar os indivíduos que desejam ser autores de sua vida e criadores de suas identidades.

Este processo surge, então, como possibilidade de reinvenção da política, caracterizando uma condição universal fundamental da existência humana no período de modernização reflexiva. Em uma era de incerteza e ambivalência, a ameaça constante de desastres de novas magnitudes pode reinventar as instituições políticas e inventar novas formas de ação política em lugares sociais que eram considerados apolíticos. Com isso, a destruição e o protesto passam a ser simbolicamente mediados pela “crise ambiental”, gerando uma nova consciência cultural e uma atuação contra a destruição ambiental que faz com que todo mundo seja seu próprio inimigo.

Beck (2002) identifica a emergência de subpolíticas, à margem e além das instituições políticas dos Estados-Nação, compreendendo políticas diretas, que envolvem a participação individual nas decisões políticas, muitas vezes sem uma proteção jurídica como a que é oferecida por partidos políticos e sindicatos. Com isso, as práticas de compra, entre outras, podem fazer parte de um sentido de participação global que se estabelece na medida em que a política se converte em parte integral da atividade cotidiana e, ao mesmo tempo, se mostra ativamente integrada em uma ordem-desordem cosmopolita.

Assim, em contraposição ao esvaziamento político das instituições tradicionais, assistimos a um renascimento não institucional do político que “permite que os agentes ‘externos’ ao sistema político ou corporativo apareçam no cenário do planejamento social”, uma vez que “não somente os agentes sociais e coletivos, mas também os indivíduos, competem com este último e um com o outro pelo poder de conformação emergente do político” (BECK, 1997, p.34).

Referências bibliográficas:

BECK, Ülrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: GIDDENS, Anthony. et ali. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997, pp. 11-71.

____. La sociedad del risco global. Madrid: Sieglo XXI de Espana Editores S.A., 2002.

CAMPBELL, C. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro, Rocco, 2001.

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.

______. Para além da esquerda e da direita: o futuro da política radical. São Paulo: UNESP, 1996.

______. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: GIDDENS, Anthony. et. alii. Modernização reflexivel: politica, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997.

PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo, Ed. Cortez, 2005.

STOLLE, Dietlind; HOOGHE, Marc & MICHELETTI, Michele. Politics in the supermarket: political consumerism as a form of political participation. International Political Science Review. Vol. 26 (3): 245-269, 2005.


O texto acima foi retirado do seguinte trabalho:

CASTAÑEDA DE ARAUJO, Marcelo. Ambientalização e politização do consumo e da vida cotidiana: uma etnografia das práticas de compra de alimentos orgânicos em Nova Friburgo/RJ. Dissertação de mestrado. CPDA/UFRRJ, Rio de Janeiro, 2010.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Como os cientistas sociais estão analisando os dados qualitativos que coletam?

Nesta tarde, estou apreciando as codifcações de grupos focais sobre beneficiários de projetos de Organizações Não Governamentais, parte qualitativa da pesquisa "Estado, Sociedade e Mercado na Redução das Desigualdades", do GESOC, NEPP-DH/UFRJ. Começaremos amanhã o processo de categorização.

Quem acha que análise qualitativa de dados é "moleza", talvez não tenha feito (ou imaginado) mais do que aquilo que Bardin (1977) denomina "leitura flutuante" em uma análise de conteúdo de tipo categorial...

Mas acho que tem mais "caroço neste angu". Logo, algumas questões podem nos trazer pistas metodológicas para análises mais consistentes:

1) Que metodologias de análise de dados qualitativos os cientistas sociais utilizam?

2) Os softwares existentes neste segmento são tão eficientes quanto aqueles utilizados em análises quantitativas?

Para quem quiser compartilhar experiências (bem-sucedidas ou não), fique a vontade.

Particularmente, tentei adotar uma análise de conteúdo de tipo categorial (Bardin, 1977) sobre os dados que aferi/coletei em uma observação participante que configurou uma etnografia. Foi uma opção, digamos, mais sistemática do que a possibilidade mais aberta defendida por Foote-White em seu clássico "Sociedade de Esquina". No entanto, fiquei extremamente satisfeito com os resultados.

Logo, cabe perguntar: alguém tem sugestões de outras técnicas de análise de conteúdo? Para Bardin (1977), a análise de conteúdo pode ser (a) de tipo categorial; (b) de enunciação; (c) do discurso; (d) de avaliação; (e) da expressão; (f) das relações.

O que me chama mais atenção é que essa questão metodológica não parece ser trabalhada como parte do conteúdo que as pós-graduações em ciências sociais como sendo "obrigatório" (como geralmente são definidas as cadeiras de metodologia), seja com a apresentação (e treinamento) dos softwares, seja com o entendimento da técnica em si.

Por fim, trago mais uma questão:

3) Quem já trabalhou com essas técnicas de análise qualitativa como parte do conteúdo de uma disciplina metodológica em pós da área de ciências sociais, seja como docente ou como discente?

Particularmente, foi a partir de uma sugestão da minha orientadora de mestrado, a Profa. Fátima Portilho, que me fez adotar a técnica desenvolvida por Bardin (1977). No entanto, mediante a grande utilização de entrevistas em profundidade, por exemplo, como técnica de coleta de dados na área de ciências sociais, penso que mestrandos (e até doutorandos) deveriam receber uma orientação metodológica mínima neste sentido, ou seja, apontando as possibildades disponíveis, ao invés disso ficar restrito ao terreno da relação orientandor-orientando.

Bem, pelo menos foi assim que aconteceu comigo.

E com vocês, foi diferente?

Fiquei curioso.

Agora, vou lá analisar as codificações "da vez", ao menos enquanto ainda não me deparei nem fui treinado em um software confiável. Quem sabe o NVIVO, depois do mini-curso que vai rolar no Congresso Brasileiro de Sociologia, em julho, Curitiba/PR?

Ah! A referência da Bardin:

Bardin, L. (1977). Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Minha vivência com/na Internet (ou o lugar de onde parto para entender o que quero pesquisar)

Hoje, começo a pensar e escrever (ou desenhar a estrutura do) meu projeto de doutorado. Bem antes de assistir ao filme sobre a criação do Facebook, já tinha por hábito registrar em blogs (isso mesmo, este não é o primeiro e nada garante que durará muito tempo) as etapas dos processos nos quais me envolvi a partir de 2007.

Portanto, achei legal escrever, mesmo que brevemente, sobre minha experiência com/em a Internet, ou esse conjunto de práticas, contextos e tecnologias (como Miller & Slater muito bem definiram) que convencionalmente chamamos Internet.

Isso serve para me clarear de onde estou partindo quando penso em Internet. Como tenho uma hora antes de sair para almoçar, vou aproveitar este tempo com minhas próprias reminiscências. A tarde espero aproveitar integralmente o tempo no projeto, bem como o restante da semana.

Lembro que fui abrir uma conta de e-mail "apenas" em 2001. Tudo bem que entre 1999 e 2002 tinha uma conta pela empresa que trabalhava, e até a usava, ainda que como intranet e bem pouco para me comunicar fora do âmbito profissional. Pois bem, meu primeiro contato com o e-mail foi induzido pela multinacional em que trabalhei. Pouco antes de sair desta empresa, criei uma conta na plataforma Hotmail, mas lembro que não a usava de forma intensa (ao menos quando comparo com meu uso atual!).

Nestes nove anos passados, devo ter criado (e usado) umas nove contas de e-mail (uau!). Meu e-mail atual (celocastaneda@gmail.com) está prometendo durar, tendo em vista que está para completar seis meses de uso ininterrupto.

Ou seja, uma plataforma tecnológica na qual pareço ter extrema familiaridade (assim como muita inquietação, vide as tantas mudanças) é o e-mail (que me parece pouco pesquisado, alías...). Depois de várias tentativas entre Hotmail, Yahoo! e Gmail, tendo a dizer, sem querer fazer propaganda (mas já sabendo que o faço), que este último possui a melhor plataforma, no meu ponto de vista.

Entre 2006 e 2007, criei e gerenciei (e polemizei em) uma lista chamada "Desconstrutora de Nós", que funcionava na plataforma "Yahoo! Grupos", com participantes que, em sua maioria, moravam em Nova Friburgo e discutiam questões de todas as esferas (global, nacional, regional, local, entre outras possibilidades).

Quanto às hoje famosas "redes sociais", só adentrei e fiquei nestas plataformas no início de 2007. No entanto, já em 2003, ouvia falar do Orkut pelos corredores do nono andar uerjiano, mas achava isso muito estranho, e quiçá, na época, bem desnecssário. Em 2006, tentei experimentar e tive uma péssima experiência. Minha conta foi invadida por algum cracker, que espalhou mensagens de cunho "obceno"-"pornô" para meus "amigos", que eram bem poucos na época. Então, decidi cancelar minha conta.

Em 2007, acabei por criar uma nova conta no Orkut. Isso rolou no primeiro semestre de 2007. Nesta mesma época, achei o máximo a plataforma Blogger (a qual uso até hoje, não ocnseguindo me adaptar à Wordpress). Sei que tive uns 3 blogs (se bem me lembro: Desconstrutora de Nós, Expresso Castañeda, Castañeda: uma mente inquieta) até chegar ao "Lida Diária", esta plataforma que utilizo para falar de mim, do que penso e do faço, compartilhando quase tudo para mostrar que se mostrando não se perde nada, mesmo que também não se ganhe.

Enfim, esta postagem vem a ser a minha estréia em 2011 na plataforma blogger, sinal de que anda bem mais parada do que em 2009, quando postei todos os fichamentos que escrevi para a seleção do doutorado no CPDA/UFRRJ. E foram muitos. Mas ando mesmo ausente do blog. Tomara que seja um bom recomeço.

E finalmente, cabe falar das plataformas tecnológicas que convencionalmente são chamadas de "redes sociais". Entre 2007 e 2009, minha experiência se restringiu ao Orkut. Para se ter uma idéia, depois de ter ficado mais ou menos um ano sem acessar, e considerando que o Orkut passou por várias mudanças, quase não reconheci a plataforma quando recentemente voltei a frequentá-la. Mas, lembro que, nesse período, usava muito para encontrar colegas que não via há tempos, e tinha as tais comunidades do Orkut, entre as quais participava mais da "Nova Friburgo", com debates interessantes em tópicos que eram criados pelos que participavam da comunidade, que era moderada.

Acho que foi no primeiro semestre de 2009 que criei minha conta no Facebook, plataforma que uso mais intesamente atualmente. Logo, não tem nem dois anos que uso o Facebook, que já mudou bastante. Antes a plataforma era toda em inglês, lembro que entrei e aceitei todas as sugestões que apareciam. Em pouco tempo, tinha uma "rede" com um monte de gente que não conhecia de um monte de lugares do mundo todo...

Em 2009, fiquei usando dessa forma mais anárquica e experimental o Facebook. Ali pelo final de 2009 e início de 2010, é que comecei a usar o Facebook da forma que uso hoje: falar de mim, comentar meu dia, comentar o que meus amigos nesta plataforma dizem e falam de si, postar notas interessantes, trabalhos, notícias, músicas, fotos, entre outras tantas coisas mais.

Também criei uma conta no Twitter, mais para o segundo semestre de 2009. Agora me dou conta de que antes de ser um usuário mais intenso do Facebook, usava bastante o Twitter, que hoje vejo como uma plataforma interessante, mas que já foi mais usada por mim. Lá rola muita informação disponível, são torrentes que procurei organizar recentemente ao criar listas para temáticas ou grupos de meu interesse. Mas ainda tô me (re)acostumando.

Enfim, depois de recuperar minha vivência na Internet, meu atual objeto de estudo, ainda que de forma breve e rasteira, percebo que já circulei por algumas plataformas (e-mail, blog, listas, Orkut, Facebook, Twitter) e o fato de colocar no papel (ou na tela) a forma pela qual enxergo essas experiências pode me ajudar a ver mais claramente de onde estou partindo, antes de começar a pesquisar as mudanças nos repertórios de ação política com/na Internet.