"Nem um passo atrás"
"Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Pior salário do Brasil"
"Eu sou bombeiro
Com muito orgulho
Com muito amor"
Foram 27 mil pessoas que vermelharam a orla de Copacabana nas estimativas da Polícia Militar, entoando cantos como os que destaquei acima, numa espécie de mantra coletivo com palavras de ordem. Geralmente, estas estimativas são sempre subestimativas, ainda que parte da PM do Rio de Janeiro estivesse presente na manifestação. Quem tem o mínimo contato com análises de protestos sabe que se a estimativa oficial conta 27 mil, a manifestação deve ter contado com cerca de 50 mil, número que está sendo divulgado pelos organizadores.
É muita gente pra vermelhar um domingo na Zona Sul do Rio, num dia ensolarado de outono invernoso, e num dia 12 de junho, que uns dizem ser "Dia dos Namorados".
Não faltaram adesivos, bandeiros, fitinhas para o punho, fitas para a cabeça, cartazes, carros de som, microfones. Durante o curto período de uma hora em que fiquei por lá, usei o Twitter para registrar algumas impressões que mais me chamaram atenção na manifestação que pleiteava "liberdade e anistia total aos bombeiros que foram presos", as quais destaco abaixo:
(1) O governador deu, de fato, "um tiro no pé" ao entrar em conflito, e ter uma postura intransigente, que foi sendo "flexibilizada" em função da força que a ressonância dos fatos ocorridos no sábado (4/6) apresentou. A corporação dos bombeiros, salvo engano, está entre as instituições de maior confiança entre a população. Então, como lidar com uma reivindicação de quem a população atribui alta confiança com tamanha intransigência e agressividade?
(2) Os bombeiros demonstraram muita inteligência e perspicácia ao elegerem certos veículos de mídia de forma privilegiada: o destaque foi dado ao SBT, e muitas críticas à Rede Globo.
(3) Havia toda uma preocupação que posso chamar de "normativa", tentando preservar o direito de ir e vir na faixa destinada aos ciclistas na orla de Copacabana, o que era repetido a todo instante na concentração.
(4) Um ponto interessante remete a relação distanciada com os políticos, que estavam presentes no público, e não no caminhão principal (aquele em que eram proferidos os discursos dos organizadores da ação coletiva em pauta). Entre os políticos que estavam circulando, vi Fernando Gabeira (candidato derrotado ao governo do Estado no último pleito) e Alessandro Molon (deputado federal que está propondo projeto de lei de anistia aos bombeiros no Congresso Nacional). Os bombeiros eram claros no sentido de querer que o caminhão tivesse a presença apenas de bombeiros como eles, sendo que até os fotógrafos foram "convidados" a se retirar: "só vão ficar bombeiros e alguns credenciados para ficar em cima do caminhão", bradava o manifestante ao microfone. O distanciamento dos políticos não era geral, tendo observado uma conotação pragmática nas excessões: tratavam de citar nominalmente aqueles que tinham colaborado com o "habeas corpus" dos que haviam sido presos (os quais não tive a felicidade de registrar os nomes, o que pode ser feito, de forma que eu mesmo edite esta postagem).
(5) Ainda durante a concentração, os "bombeiros do caminhão" comunicaram que os dez últimos bombeiros que estavam presos até esta manhã acabaram de ser soltos. Isso foi motivo de palmas, gritos, apitos assoprados e vibração entre o público presente, que compareceu no traje sugerido, o vermelho, que remete aos bombeiros e a outros mundos possíveis, de preferência melhores que este "de merda" como disse Eduardo Galeano em Barcelona.
(6) A Polícia Militar estava presente no público, e foi chamada a ocupar a linha de frente do "caminhão dos bombeiros", a Polícia Civil esteve presente com um caminhão próprio (de onde saia um outro discurso, paralelo), professores da rede estadual estavam presentes, e gente interessada no burburinho (até mesmo pesquisadores com interesse nos protestos contemporâneos, como eu...).
(7) O governo do Estado disse em matéria divulgada em O Globo (aliás, que papelão era a primeira página deste veículo de mídia nesta data de hoje? Merece outra postagem...) que a crise estava superada, mas parece que tentou de todas as formas brecar a chegada de pessoas na manifestação. Em certo instante, os "bombeiros do caminhão" comunicaram que havia uma poda de árvores no Palácio Guanabara, sede do governo estadual, que fica na saída de um dos túneis (o Santa Bárbara) que é via de ligação da Zona Norte para a Zona Sul. O objetivo desta poda parece ter sido mais direcionado para podar 20 ônibus que estavam a caminho de Copacabana por aquele caminho. Parece também que o governo não contava com o papel que o metrô, uma concessão deste estado (que é um dos principais clientes jurídicos da esposa do governador...), poderia desempenhar na condução de pessoas que chegavam no instante em que saia, ali pelas 11hs, em um fluxo impressionante. Era muito mais gente chegando do que aqueles (como eu) que estavam saindo. A vontade de ficar foi vencida pelos compromissos que já havia assumido pelo cotidiano, e não lamento. Afinal, foram entre 27 e 50 mil presentes hoje de manhã.
Enfim, uma baita manifestação, ainda que com alguns pontos críticos, dentre os quais pude observar:
- havia um abaixo-assinado, que estava centralizado em um carro no meio da multidão, e que estava recolhendo assinaturas de forma indiscriminada (até crianças de 10 anos assinaram). Penso que poderia, no momento em que netbooks proliferam, que poderia haver uma base online, do tipo petition online, espalhadas em pontos estratégicos, de forma que as pessoas pudessem assinar, colocar seu número de documento, conformando um importante instrumento legal. Não é crítica, apenas uma observação derivada de um insight que tive na hora em que estava na única fila que existia às 10hs, pouco depois que cheguei ao local, mas pode ser aproveitada em outras manifestações. Afinal, meu interesse em estar presente na "concentração" era exatamente sentir de perto o movimento que foi animado (e que, de certa forma, animei) nas redes sociais virtuais conformadas em plataformas como Facebook e Twitter, em especial.
- Ainda na concentração, percebi dois discursos simultâneos em caminhões que estavam relativamente próximos: um deles, com os bombeiros; outro, com policiais civis. Isso gerava uma certa confusão no público.
Além destes dois pontos, deixo uma sugestão para a próxima (tem que haver!): que tal a frente do Palácio Guanabara em um dia de semana, no final da tarde, de preferência tentando articular com policiais e professores? Fica o sonho, pois é ele que parece estar de volta!
Que venham as próximas! E que a sociedade comece a ter em mente que a mobilização continua sendo fundamental para demandas coletivas pela via do protesto. E parece que os protestos contemporâneos estam sendo animados e articulados com o aporte (ou presença que media, muito mais que um uso instrumental) cada vez mais intenso das plataformas tecnológicas da Internet, em conjunto com os aparelhos midiáticos estabelecidos e as redes de sociabilidade entre pessoas interessadas no caminho coletivo.
domingo, 12 de junho de 2011
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