O fato é conquistado, construído, constatado: a hierarquia dos atos epistemológicos
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Ficção se basear na autonomização das operações que só adquirem sentido e fecundidade de inserção em um procedimento unitário. Seria o “tudo ao mesmo tempo agora”?
A implicação das operações e a hierarquia dos atos epistemológicos
· Representação corrente dos procedimentos de pesquisa como ciclo de fases sucessivas (observação, hipótese, experimentação, teoria, observação): utilidade pedagógica, mas enganadora X todo ciclo está presente em cada uma dessas fases.
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Representação corrente deixa escapar a ordem lógica dos atos epistemológicos (ruptura, construção, prova dos fatos) que não se reduz à ordem cronológica das operações concretas de pesquisa.
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Afirmação (fato é conquistado, construído e constatado) não implica separação destes atos epistemológicos como operações sucessivas à modelo teórico é conteúdo/ruptura: necessidade de romper com semelhanças fenomenais para construir analogias profundas + ruptura com relações aparentes pressupõe a construção de novas relações entre as aparências.
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Distinção entre atos epistemológicos se revela na prática errônea de omitir atos cuja integração hierárquica define prática correta à custo de escamotear um dos atos epistemológicos à análise do erro e das condições do erro permite definir a hierarquia dos perigos epistemológicos que resulta da ordem em que estão implicados tais atos (ruptura, construção, constatação) à valor de modelo formal depende do grau em que se considera preliminares epistemológicas da ruptura e construção à simbolismo e intuição podem contribuir para o controle epistemológico das outras operações à reflexão epistemológica mostra que não é possível ignorar hierarquia dos atos epistemológicos sem cair na dissociação real das operações da pesquisa (p. 74-5).
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Racionalismo aplicado inverte relação entre teoria e experiência, rompendo com epistemologia espontânea: teoria à experiência.
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Chomsky (p. 75): determinação dos dados válidos e pertinentes não é fácil. Freud (p. 76) à imanência da teoria na observação à o que vale para observação vale para a experimentação: traz determinados princípios/pressupostos teóricos (p. 76-7, Max Planck) à somente a experimentação (razão confirmada) pode comprovar valor explicativo e poder dedutivo de uma teoria, estabelecer aptidão dela para engendrar um elenco sistemático de proposições suscetíveis de encontrar confirmação/anulação na prova dos fatos à não se trata de simples concordância com os fatos (coincidência), mas que a constatação seja derivada pelos métodos implicados pela hipótese que o pesquisador foi levado ao fato observado (Canguilhem) à o objeto é o que objeta.
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Experiência bem construída tem como efeito intensificar a dialética da razão e da experiência, com a condição de que o PESQUISADOR saiba pensar, adequadamente, os resultados, inclusive os negativos, que ela produz e se interrogue sobre as razões que fazem com que os fatos têm razão de dizer não (p. 78) à constatação de fracasso é tão decisiva quanto uma confirmação, com a condição de que coincida com a reconstrução do elenco sistemático de proposições teóricas no qual adquire um sentido positivo à dialética do procedimento científico não pode ser reduzida à alternância de operações independentes, limitando-se a manter relações de confronto.
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Toda operação implica a dialética entre teoria e verificação.
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Apreensão de certos fatos à afinar instrumentos de observação e medição + colocar em questão a utilização rotineira dos mesmos.
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Fascínio exercido pelo aparelho tecnológico E/OU prestígio do aparato teórico pode impedir uma justa relação aos fatos e à prova pelos fatos.
Sistema de proposições e verificação sistemática
· Posição da teoria na hierarquia das operações: atualiza o primado epistemológico da razão sobre a experiência à condição fundamental de ruptura, da construção e experimentação, pela sistemacidade que a define: coerência do que exclui e do que estabelece à construção do sistema de fatos entre os quais se instaura uma relação sistemática + dar à experimentação pleno poder de desmentido ao apresentar um elenco de hipóteses exposto em cada uma delas (operações).
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Bachelard à hipótese é síntese (p. 80).
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Hipótese como teoria sistemática do real: experimentação (teórica) pode exercer sistematicamente seu pleno poder de desmentido à série descontínua de hipóteses ad hoc X sistema de hipóteses que recebe ser valor epistemológico da coerência que o torna vulnerável = um fato pode colocá-lo em questão, MAS, construído por ruptura com aparências fenomenais, não consegue receber a confirmação imediata e fácil (que seria fornecida pelos fatos avaliados segundo valor facial ou documentos tomados ao pé da letra).
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Ao decidir correr o risco de perder tudo a fim de ganhar tudo, cientista coloca, a todo momento, à prova dos fatos que ele interroga, tudo que está implicado em sua interrogação dos fatos (influência kantiana, p. 81) à proposições científicas só conseguem encontrar sua prova na coerência total do sistema completo dos fatos criados pelas hipóteses teóricas que devem ser validadas à esse sistema de prova pressupõe decisão de interrogar os fatos sobre as relações que os constituem como sistema.
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Panofsky (p. 82): a observação particular não apresenta o caráter de um “fato” a não ser quando pode estar associada a outras observações análogas, de forma que o conjunto da série “adquira SENTIDO” à SENTIDO pode ser legitimamente utilizado, como CONTROLE, para interpretar uma nova observação particular no interior de uma ordem de fenômenos: SE a NOVA OBSERVAÇÃO PARTICULAR recusar ser interpretada em conformidade com o sentido da série, E SE FICAR PROVADO QUE NÃO HÁ ERRO POSSÍVEL, o “SENTIDO” da série DEVERÁ SER REFORMULADO de maneira a incluir a nova observação à mesmo MOVIMENTO CIRCULAR que realiza o sociólogo preocupado em não impor ao dado seus próprios pressupostos...
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Prova pelo sistema de coerência do sistema das provas leva ao CÍRCULO METÓDICO à probabilidade composta da hipótese submetida à prova depende do sistema completo das proposições já estabelecidas, das “concatenações de provas que podem ser mais fortes do que seu elo mais fraco e, até mesmo, que seu elo mais forte” (Reichenbach, p. 83) à validade deste sistema de provas é avaliada pela simplicidade e coerência dos princípios utilizados, MAS também pela amplitude e diversidade dos fatos levados em consideração, ALÉM DA multiplicidade das conseqüências imprevistas a que ele conduz.
Os pares epistemológicos:
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Bachelard: idealismo — racionalismo aplicado — realismo (ciências da natureza): restituir verdade na prática científica à valores da coerência e fidelidade ao real à epistemólogo deve se situar entre realismo e racionalismo (novo dinamismo, duplo movimento).
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Posição central da prática científica: instaura a dialética mais tensa entre razão e experiência à tomadas de posição que se opõem nas polêmicas científicas de maior repercussão são complementares, forte ligação: debate com adversário X dispensa da discussão; hiperempirismo cego X sínteses vazias da idelogia; positivismo X intuicionismo à autonomização de uma das operações da prática científica leva forçosamente a recorrer ao substituto das operações recusadas.
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Nada condena a sociologia a oscilar entre “teoria social” sem fundamentos empíricos e empiria sem orientação teórica; entre temeridade sem riscos do intuicionismo e a minúcia sem exigências do positivismo à todo acréscimo de audácia nas ambições teóricas obriga a um acréscimo de rigor no estabelecimento das provas às quais deve se submeter.
CONCLUSÃO:
· Recusa à sociologia um estatuto epistemológico de exceção.
· Fronteira entre saberes comuns e ciência é mais imprecisa em sociologia: necessidade de ruptura epistemológica à erro é indissociável das condições sociais que o tornam possível: quais condições sociais tornam possível uma ruptura com a sociologia espontânea e a ideologia, transformando-as em vigilância epistemológica?
· Evidenciar os pressupostos inconscientes e as petições de princípio de uma tradição teórica X colocar em questão os princípios de uma teoria constituída.
· Evitar atribuir uma realidade trans-histórica à estrutura do campo epistemológico: diferentes ciências surgem em datas e condições diferentes à não percorrem as mesmas etapas da história da razão epistemológica segundo uma ordem preestabelecida.
Esboço de uma sociologia da tentação positivista em sociologia
· Atração pelo empirismo na sociologia francesa: conjunto de condições sociais e intelectuais + história original relacionada com Durkheim (desenvolvimento rápido, rotinização, declínio: espaço entre 2 guerras) à pós-1945, novo ponto de partida, domínio da filosofia existencialista (influência da sociologia norte-americana) à mania metodológica (p. 89): simbolizar a especificidade da profissão e qualidade científica.
· Divisão técnica do trabalho e organização social da profissão: obrigações que orientam pesquisador para automatismo burocráticos, solidários com filosofia empirista da ciência à profissionalização da pesquisa: utilização de créditos, multiplicação do número de pesquisadores...
· Generais da pesquisa (e ele próprio não se converteu em um?) tendem a deixar aos soldados rasos o essencial da batalha, o contato com fatos/entrevistados à dedicação às grandes decisões estratégicas (escolha da amostra, redação do questionário/relatório): favorece a dicotomia empirismo cego/teoria sem controle; magia formalista e ritual de atos subalternos da pesquisa (p. 90).
· Sentido das oposições epistemológicas ocorre quando relacionadas em um sistema de posições e oposições que se estabelecem entre instituições, grupos ou bandos situados em diferentes espaços do campo intelectual à características de cada pesquisador (tipo de formação, estatuto na universidade, instituições de que faz parte, afiliações de interesse, participação em grupos de pressão propriamente intelectuais) determina suas possibilidades de ocupar esta/aquela posição, adotar estas/aquelas oposições à destino X vocação: sentido da prática — sistema de possibilidades e impossibilidades — condições sociais de prática intelectual (p. 91).
O enraizamento social do sociólogo
· Falta de pressupostos que define o etnocentrismo: se ignora como sujeito culto de uma cultura particular, não subordina sua prática a um questionamento contínuo em relação a este enraizamento à sociólogo torna-se vulnerável à ilusão da evidência imediata ou à tentação de universalizar, inconscientemente, uma experiência singular.
· Pressupostos culturais: ação do ethos de classe à necessidade de fazer uma sociologia da relação à sociedade característica de sua classe social.
· Vigilância epistemológica nunca conseguiu acabar com o etnocentrismo: denúncia do etnocentrismo de classe pode servir de álibi ao etnocentrismo intelectual ou profissional à logo, não se deve ter medo de encorajar a opinião preconcebida de lutar contra todos os preconceitos da moda e transformar o mau humor contra a atmosfera ambiente uma regra para orientar o espírito sociológico, contra uma representação ingênua da neutralidade ética como benevolência universal.
Cidadela erudita e vigilância epistemológica
· Sociologia do conhecimento, mais particularmente a sociologia da sociologia, como instrumentos eficazes do controle epistemológico da prática sociológica à refletir refletindo não significa ter acesso ao núcleo social do verdadeiro conhecimento, necessário revogar a esperança utópica de que cada um possa se liberar das ideologias que pesam sobre sua pesquisa por meio de um entendimento socialmente condicionado ou mesmo uma “auto-sócio-análise” (p. 93).
· Saber da reflexão epistemológica encarna-se na prática quando se estabelece as condições sociais de um controle epistemológico, uma troca generalizada de críticas construídas a partir da sociologia das práticas sociológicas.
· Comunidade erudita como microcosmo social, dotado de instituições (de controle, de exigências, de formação, autoridades universitárias, júris, tribunas críticas, comissões, instâncias de cooptação) que definem normas de competência profissional e tendem a inculcar valores que elas exprimem.
· Necessidade de substituir a questão de saber se a sociologia é ou não uma ciência, e uma ciência como as outras, pela questão do tipo de organização e funcionamento da cidadela erudita mais favorável ao aparecimento e desenvolvimento de uma pesquisa submetida a controles estritamente científicos à não é possível responder em termos de “tudo ou nada”: em cada caso, analisar os múltiplos efeitos dos múltiplos fatores que contribuem para definir as possibilidades de aparecimento de uma produção mais ou menos científica + distinguir, com maior precisão, fatores que contribuem para aumentar as possibilidades de cientificidade de uma comunidade científica no seu conjunto, bem como as que cada cientista tem de se beneficiar de tais possibilidades em função da posição que ocupa no interior de tal comunidade (p. 94-5) à nota 7 sobre descobertas simultâneas.
· Intensificar troca de informações + romper com compartimentos estanques epistemológicos mantidos pelo confinamento das instituições + reduzir obstáculos à comunicação em decorrência da hierarquia das nororiedades/estatutos, da diversidade das formações/carreiras, da proliferação de capelas fechadas demais sobre si mesmas para entrarem em concorrência ou conflito declarado à aproxima a comunidade científica à comunidade dos sociólogos permanece afastada dessa situação ideal.
· Troca generalizada de críticas como modelo mais favorável à integração orgânica do meio científico do que o “clube de admiração mútua” (p. 95-6) como troca recíproca de serviços ou troca de polêmicas rituais (que consolidam mutuamente os respectivos estatutos).
· Efeitos da colaboração interdisciplinar também não podem ser dissociados das características sociais e intelectuais da comunidade erudita à encontros interdisciplinares nas ciências humanas: simples trocas de “dados”, de questões não resolvidas à fazem pensar no tipo arcaico de transações em que 2 grupos fornecem produtos um ao outro, sem serem obrigados a se encontrarem (p. 96).
· Comunidade científica com formas de sociabilidade específicas: Durkheim, heteronomia, tendo em vista submissão às complacências da mundanidade intelectual à Regras do método sociológico: momento da sociologia renunciar aos sucessos mundanos, assumindo o caráter esotérico que convém a todas as ciências à ganhará em dignidade e autoridade o que perde em popularidade.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: BOURDIEU, Pierre. O racionalismo aplicado. In: BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. A profissão de sociólogo. Petrópolis: Vozes, 1999.
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